qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Chile| O caso de Antonia: Se não há justiça neste sistema, então devemos derrubá-lo

A comoção pelo estupro e posterior suicídio de Antonia Barra, somados à negativa da prisão preventiva do estuprador Martín Pradenas, voltaram a desencadear uma série de protestos na população ao longo do Chile. A raiva, as barricadas, a performance das teses e os panelaços desenharam as noites do país, combinado com protestos pela pressão pela retirada de 10% das AFP.

Por: MIT-Chile
Violência atrás de violência
Até agora se sabe que Antonia estava numa festa e aparentemente a drogaram para poderem levá-la ao local do estupro, há um vídeo onde se vê claramente que ela resistia a ter alguma coisa com Martín enquanto ele a forçava. O Serviço Médico Legal concluiu que “a alteração do andar, falta de equilíbrio e reflexos, indicam que Antonia se encontrava sob os efeitos de alguma substância sedante do sistema nervoso central”. Na manhã seguinte, despertou com o agressor em cima dela e tomou consciência do fato, seus relatos desoladores em prantos no áudio que enviou a sua amiga dão conta de que ela não queria envolver-se com Pradenas, de que foi violentada.
Mas o círculo de violência não acabou por aí, seu ex-namorado escreveu-lhe para fazer uma cena de ciúmes tratando-a de “repugnante” e “porca de merda”, depois de uma chamada que ela lhe confessa o fato e ele grava o relato e o envia a uma amiga, o que acaba chegando ao agressor que liga para Antonia para fazer ameaças, que não o denuncie, que não acreditarão nela. Além disso, após o interrogatório soube-se que Pradenas tinha tirado fotografias do fato e enviado a um grupo de amigos através de Whatsapp.
Como se sente uma jovem que vive tudo isso? Foi tão avassalador para Antonia, que em uma chamada para seu ex-namorado lhe disse que não se preocupasse, que ela iria desaparecer e se despediu…horas depois sua família a encontrou morta.
As manobras de Pradenas e o papel da justiça das e dos ricos
Pradenas fez um vídeo alegando sua inocência e afirmando que tinha feito de “tudo” para colaborar com a investigação, entretanto não disse que o celular que entregou para ser indagado foi um celular novo que obteve dias depois do suicídio de Antonia, já que o antigo supostamente sua mãe quebrou, e também não disse que antes de entregar seu computador apagou mais de 14 mil fotos. Além disso, apagou toda sua informação de instagram e se negou a uma perícia psicológica com a desculpa de “seu direito de guardar silêncio”. É que parecia que Pradenas tinha algo a esconder, e lógico, com a denúncia pública do caso de Antonia, apareceram outras denúncias de mulheres agredidas sexualmente por ele, até agora são oito.
Entretanto, a justiça dos ricos que reproduz o machismo, voltou a fazer o mesmo: dois dos casos, ocorridos entre 2010 e 2014, foi liberado por estarem prescritos (este tipo de delito prescreve após cinco anos). Enquanto que os três restantes foram ignorados por “não contar com antecedentes para configurar os casos”.  Mas com muita raiva e dor dizemos que já não nos surpreende, no mesmo caso, no passado 16 de junho outra decisão judicial tinha ordenado à família de Antonia a não divulgar informação de Pradenas e eliminar todas as publicações em redes sociais onde era acusado de ter estuprado a jovem, tudo com o objetivo de proteger o agressor.
Mas o pior foi quando nesta quarta-feira pela manhã o juiz, apesar de acreditar no estupro, negou a prisão preventiva para Martín Pradenas, com a desculpa da pandemia e possível contágio nas prisões, enquanto há milhares de inocentes presos e presas por lutar expondo-se à morte por Covid! Como dizem os cartazes nos protestos: se violamos a quarentena (nos protestos pela fome) nos prendem, mas se nos violam os deixam livres. Por outro lado, a imagem das forças especiais (FFEE) protegendo como cães a casa de Pradenas, lançando gases lacrimogênios nos manifestantes mostram que para este governo e os de cima é mais importante a propriedade privada e a situação dos agressores ricaços que as nossas vidas, que a vida de Antonia.
Esta justiça e instituições estão podres, se a retirada de 10% das AFP está sendo discutida não é por benevolência do parlamento, mas pela pressão das ruas, dos 40 mortos e mais de 2 mil presos políticos que a revolução deixou. A verdadeira cara deste sistema é isso, protegem os estupradores do bairro alto enquanto detém os que protestam por justiça para Antonia, reprimem e levam para a prisão. E na verdade negam a liberdade aos presos políticos, inclusive crianças como o caso de Benjamín que está preso no SENAME. O descrito acima é prova da decadência deste sistema em seu conjunto.
Mas diferente do que pensam algumas feministas, o problema não será resolvido se colocarmos mais mulheres nos tribunais ou no parlamento, pois se a classe empresarial que usa as opressões para manter seu domínio, poder e superexploração continua governando, continuarão nossas penúrias, e sem dizer que essa realidade é criminosa. No Chile já tivemos uma mulher presidenta e a situação das mulheres não melhorou, também não nos serviriam mulheres como Isabel Plá, Marcela Sabat ou Paulina Núñez nos tribunais. Nossa luta também é contra elas, pois são parte de quem impôs estes mais de 30 anos de miséria para as mulheres e homens da classe trabalhadora.
Manter viva e fazer triunfar a revolução por Antonia e todas as vítimas deste sistema
Agora o Tribunal de Garantia de Temuco estabeleceu mais 120 dias para a investigação do caso de Antonia, entretanto as ruas disseram com veemência e nós do MIT defendemos, não podemos esperar esses 120 dias para ver o que fazem com Martín, temos que continuar agindo desde já e protestar por justiça, que nossa luta contra Pradenas e todos os abusadores se imponha sobre a impunidade desta justiça podre dos ricos.
Antonia não pôde ver tudo o que surgiu depois de 18 de outubro, que somos milhares as que saímos para gritar e protestar contra a violência machista porque sabemos que a culpa não era nossa nem onde estávamos nem como nos vestíamos, porque nossos companheiros de luta também estão mais conscientes disso, porque temos que acabar com esta sociedade doente e que para isso nossos companheiros de luta devem continuar avançando em combater seu machismo para unir a nossa classe nesta luta contra os de cima e contra os agressores de mulheres.
De imediato, devemos continuar protestando para conseguir julgamento e castigo para Pradenas, para que o encarcerem. Frente a negligência do governo e das instituições devemos fortalecer ou criar as redes de contenção, proteção, cuidado e defesa de mulheres que estão sendo vítimas de abusos ou outro tipo de violência machista.
Devemos exigir também apoio psicológico e amparo com especialistas para as vítimas de abuso ou estupro, mais casas de acolhimento para que as mulheres violentadas tenham aonde ir se dependem de um homem violento. Lutar por uma renda de 600 mil pesos para subsistir durante esta pandemia e poder garantir uma quarentena para não morrer de Covid ou fome. Continuar protestando pelos 10% e por recuperar todos nossos fundos das AFPs e acabar com esse sistema de capitalização individual que afeta em maior grau as mulheres que recebemos os piores salários e temos mais lacunas nas contribuições por termos que assumir tarefas domésticas e de cuidados. Lutar por tribunais populares encabeçados por mulheres e homens da classe trabalhadora com apoio de especialistas (psicólogos ou outros), para assim garantir justiça real e acabar com esta justiça que defende ricaços como Martín.
Mas para conseguir tudo isso e mais, devemos aprofundar e fazer triunfar esta revolução, derrubar Piñera e os de cima que defenderam esta sociedade de exploração e opressão. Lutemos por uma sociedade socialista e um governo da classe trabalhadora que derrube qualquer tipo de opressão e assente as bases para uma sociedade nova, como dizia a revolucionária Rosa Luxemburgo “por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”.  Devemos isso a Antonia e a todas as vítimas, seja da violência machista ou da violência em geral deste sistema capitalista de fome e morte.
Tradução: Lilian Enck

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