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BALAIADA (1838 e 1841): Resistência negra e sertaneja no Nordeste brasileiro

Em 1838, vaqueiros liderados por Raimundo Gomes Vieira, capataz de um fazendeiro Liberal e opositor do Governo da Província, invadiu a cadeia da Vila da Manga para libertar um irmão e outros companheiros que haviam sido presos, para fins de recrutamento forçado para a Guarda Nacional.

Por: Rosenverck Estrela Santos, do PSTU Maranhão, Quilombo Raça e Classe e vocalista do grupo de Rap Gíria Vermelha

Artigo da série especial “As Revoluções e Revoltas do Povo Brasileiro”

Esse episódio, aparentemente simples e isolado, ganhou repercussão quando os soldados da Guarda Nacional, que haviam sido enviados para detê-los, uniram-se aos revoltosos e dali lançaram um manifesto à população da Província. Este ato daria início a uma das mais violentas e ousadas revolta social e racial do Período da Regência no Brasil (1831-1840): a Balaiada.

O Maranhão do século 19

Nas primeiras décadas do século 19, muitas transformações tornaram o Maranhão palco de tensões sociais e raciais propícias a uma revolta. A sociedade era hierarquizada. Havia os brancos, que possuíam a riqueza e controlavam os cargos públicos administrativos; e, do outro lado, uma massa populacional composta por trabalhadores livres, escravizados e indígenas.

A economia maranhense vivia intenso processo de desagregação. A produção do algodão e a pecuária estavam em crise. O comércio (em mão dos portugueses e, depois, dos ingleses) colocava a situação dos proprietários rurais maranhenses em situação delicada, na medida em que os produtos importados eram muito mais caros que os agrícolas exportáveis.

Soma-se a isso, a enorme presença de escravizados, o que tencionava ainda mais a sociedade maranhense. E, inevitavelmente, a miséria da população proporcionava o questionamento da ordem escravocrata por meio dos negros aquilombados.

Divisão

A disputa no interior da classe dominante, dividida em grupos de interesse denominados Liberal (os Bem-te-vis republicanos) e Conservador (os Cabanos monarquistas), potencializou o clima áspero e conflituoso.

Os Cabanos, assumindo a maioria da Assembleia Provincial, passaram a dominar o poder político. E aliados do presidente da Província iniciaram uma série de ataques visando enfraquecer os Liberais. Utilizando-se da violência e fraudes corriqueiras controlavam e manipulavam os processos eleitorais afastando os Bem-te-vis dos cargos de decisão. O clima de violência política e social só aumentava.

Os Cabanos passaram a recrutar, de forma forçada, para a Guarda Nacional os empregados dos Liberais, dentre os quais estavam boiadeiros, feitores e escravizados, o que prejudicava a produção econômica destes. Vale lembrar que foi buscando libertar os seus companheiros presos no recrutamento que Raimundo Gomes daria início a Balaiada.

Estátua em homenagem a Raimundo Gomes, o “Cara Preta”

União de pretos e pobres contra a exploração

Após iniciar o movimento, Raimundo Gomes e seus companheiros divulgaram um manifesto no qual expunham as principais reivindicações: respeito às garantias individuais; demissão do Presidente da Província; revogação da Lei dos Prefeitos e da Guarda Nacional; expulsão dos portugueses natos; prévia assistência para todos os revoltosos, por meio de decreto da Assembleia Provincial; pagamento de soldos às tropas.

Começaram, então, a percorrer o sertão maranhense, recebendo apoios, adesões e combatendo as forças legalistas. E ganharam a solidariedade e a colaboração de trabalhadores pobres, negros aquilombados, grupos indígenas e uma parte da população miserável.

Dentre eles, Manoel Francisco dos Anjos, um fabricante de balaios (cesto feito de palha de buriti), foi um dos que se uniram ao movimento, junto com tantos outros de mesma procedência e que dariam origem ao nome da revolta.

Percorrendo os vales dos rios Parnaíba e Itapecuru, os balaios expandiram a revolta pelo leste maranhense, chegando até o Piauí e o Ceará. No Maranhão, em 1839, os revoltosos chegaram a controlar a atual cidade de Caxias, o maior centro comercial da região e segunda cidade em importância da então província.

Escravidão

A Balaiada esteve relacionada com as disputas políticas e cisões nas classes dominantes, bem como seu perfil autoritário e racista que contribuiu para a emergência dos marginalizados e de suas aspirações. Aliás, a questão da raça permeou várias discussões, matérias jornalísticas, manifestos dos balaios e acusações das camadas dirigentes, durante toda a Balaiada. O temor dos brancos se intensificou quando os Quilombos se aliaram aos revoltosos balaios.

Quilombos

Dos quilombos balaios, o mais importante foi o da Lagoa Amarela, liderado por Negro Cosme. Podemos citar, ainda, como importantes líderes da Balaiada Milhome, Mulungueta, Coque, João da Matta, João Julião, Matroá, dentre outros.

O governo da Província e a elite rural não esperavam a resistência e a tática de guerrilha empreendida pelos balaios. O movimento cresceu e a reação não deu conta de freá-lo. A Guarda Nacional era ineficiente e desorganizada. Existia falta de recursos e o terreno era vantajoso para os balaios, na medida em que prejudicava o tipo de guerra tradicional, demarcada por posições fixas. Se não bastasse, havia constantes desentendimentos entre os Liberais e Conservadores.

Quanto à ideologia, as reivindicações dos balaios assumiram um caráter aparentemente liberal, principalmente quando pediam respeito às garantias individuais, abolição da Lei dos Prefeitos e a expulsão dos portugueses. Entretanto, os balaios absorveram essa posição e a transformaram em uma forma própria, sertaneja.

Outro elemento tem a ver com a composição racial dos balaios, em sua maioria negros e mestiços que, massacrados pela miséria e repressão, reagiram em luta por melhores condições de vida. Foi justamente quando os escravizados e os balaios se uniram que a revolta ganhou em radicalidade, na medida em que passou a negar o sistema escravista.

O sertão facilitou a tática usada na guerra contra as forças do governo, qual seja: a tática de guerrilha, que surpreendia as forças inimigas. Os balaios não enfrentavam as tropas oficiais de forma fixa. Eles atacavam e fugiam, favorecidos pela geografia do sertão.

Reação

Depois de alguns anos, a força dos revoltosos já não era a mesma, pois a Balaiada nunca foi um movimento unitário, mas composto de diversos grupos isolados e perseguidos pelas forças oficiais. Apesar dos grupos se unirem em ocasiões específicas, o tom geral foi de lutas independentes e sem logística adequada.

A reação foi ganhando força e tomou corpo definitivamente quando dois novos fatores vieram à tona: a união da classe dominante na defesa de seus interesses e a chegada, no Maranhão, em 1840, do violento e inescrupuloso Luiz Alves de Lima que, exatamente em função do massacre cometido na região, tornar-se-ia o Duque de Caxias

Na época, a inserção dos negros aquilombados e a união com os trabalhadores pobres foram sinais decisivos para que os proprietários rurais e comerciais somassem todos os esforços necessários para por fim a Balaiada.

Duque de Caxias

A violência contra os balaios

O conflito entre Liberais e Cabanos sem sombra de dúvida impulsionou a eclosão da Balaiada. No entanto, as suas diferenças eram mais aparentes do que verdadeiramente concretas quando pensamos os seus objetivos econômicos e suas posições na sociedade maranhense. Eram, em sua maioria, proprietários rurais e escravocratas que defendiam a ordem vigente e a ideologia racista da elite agrária.

Em um primeiro momento, os Liberais atacaram os Cabanos, acusando-os de não terem conseguido evitar uma revolta. Os Cabanos, por sua vez, acusaram os Liberais de ajudarem os revoltosos. Mas, quando os seus interesses de classe e a sociedade escravista foram seriamente ameaçados, não tardaram a se unir no objetivo comum de destruir a Balaiada e, principalmente, destruir os balaios aquilombados.

Foi com este propósito que, a partir do início de 1840, Luiz Alves de Lima foi indicado como novo Presidente da Província, passando imediatamente a tomar uma série de medidas visando destruir os balaios. A falta de unidade dos revoltosos, o abandono total do aparente apoio dos Liberais, a ideologia racista presente em todos os setores da sociedade e a falta de recursos dos balaios em muito contribuíram para o sucesso do futuro Duque de Caxias.

Também, foi implantando a desunião e o ódio racial no seio do movimento, por meio de promessas aos desertores, que Luiz Alves de Lima conseguiu enfraquecer a revolta e tornar-se o líder do massacre que marcaria o fim da Balaiada.

A última fase da guerra, que chegou ao fim no início de 1841, foi manchada por um banho de sangue, com o assassinato de cerca de 10 mil pessoas, entre crianças e adultos, como escreveu o historiador Matthias Röhrig Assunção, que ainda nos lembra: “A Balaiada retoma assim a tradição dos grandes genocídios praticados pelos colonizadores nas guerras e reduções indígenas no Maranhão”.

Não obstante, a Balaiada foi mais um dos exemplos da história de lutas e resistência da população pobre e negra do Brasil e que, até hoje, nos inspira a continuar lutando.

“O Balaio chegou!

O Balaio chegou.

Cadê branco!

Não há mais branco!

Não há mais sinhô!”

Versos ouvidos nas ruas de Caxias, em 1839, quando os balaios tomaram a cidade.

Para ler:

  • Em busca de Dom Cosme Bento das Chagas, Negro Cosme, tutor e imperador da liberdade (Mundinha Araújo, Editora Ética, 2008).
  • A guerra dos Bem-te-vis: A Balaiada na memória oral (Matthias Röhrig Assunção, Editora da Universidade Federal do Maranhão, 2008)
  • A Balaiada (Maria de Lourdes Mônaco Janotti, Editora Brasiliense, 1991)
  • A Balaiada e a insurreição de escravos no Maranhão (Maria Januária Vilela Santos, Editora Ática, 1983)

 

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