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quinta-feira, março 28, 2024

Bolívia: Sindicato de Huanuni se submete ao governo e trai sua base

O distrito de mineração de Huanuni, é uma das principais referências da classe operária boliviana. Sua nacionalização em 2006 foi conquistada pela força da luta, enfrentando o governo do MAS, e um exemplo de política proletária quando passou a ter mais de 5.000 operários, incorporando os mineiros autônomos das cooperativas.

A partir de uma postura de independência de classe, esteve à cabeça das lutas contra o nefasto projeto de previdência que acabou sendo imposto pelo governo de Evo Morales em 2013.

Portanto, o governo de Evo Morales decidiu enfraquecer a empresa estatal com demissões e falta de investimento, hoje a empresa tem 3190 operários e está discutindo a demissão de mais 500. Desde 2013, ele também assumiu o controle político do sindicato através de seus militantes, fazendo com que a direção sindical fosse um instrumento a seu serviço.

Como tem acontecido em toda a América Latina, os planos de ataque dos governos tiveram forte resistência dos trabalhadores, que se expressaram de muitas maneiras. No caso de Huanuni essa resistência vinha se refletindo, nos últimos anos, na construção do grupo ORO (Organização Revolucionária Operária), um grupo que reivindicava, dentro da mina, a herança das teses de Pulacayo.

Na luta contra a Lei de aposentadorias de 2013, denunciava a falta de investimento do governo na mina e rechaçava o discurso do déficit da empresa. Além disso, levantava a bandeira de recuperar a independência de classe prometendo que se ganhassem o sindicato, seriam completamente independentes do governo e denunciavam as anteriores direções do sindicato por ser correia de transmissão do governo.

Em dezembro de 2017, fomos testemunhas de uma fraude descarada, imposta com a repressão do exército e da polícia, contra o grupo ORO. Nessa ocasião, o grupo ORO venceu as eleições por um voto e o tribunal eleitoral, controlado por setores do governo, fez uma recontagem a portas fechadas e decretou a vitória da chapa do governo. Fez isso enquanto jogava bombas de gás lacrimogêneo contra os militantes da chapa ORO. Estava muito evidente que o governo impôs essa fraude porque a chapa ORO não era de sua confiança e ele queria colocar um grupo totalmente fiel à sua linha política.

Naquele momento, a Liga Internacional dos Trabalhadores – LIT começou um relacionamento com esse grupo, com o qual concordamos em lutar para construir uma direção alternativa independente do governo à frente do movimento de mineiros e da Central Operária Boliviana – COB. Como parte desse relacionamento, fomos apoiar as eleições sindicais em dezembro de 2018. Nessa ocasião, era natural temer uma nova fraude eleitoral e uma repressão contra a chapa ORO e seus apoiadores. No entanto, o tribunal eleitoral, dessa vez, concedeu a vitória ao grupo ORO por uma diferença de 40 votos sobre as outras duas chapas governistas.

Nessa campanha eleitoral, o grupo ORO mais uma vez apoiou as posições de independência frente ao governo e a defesa da empresa contra seus ataques. David Choque, que encabeçou a chapa como secretário-geral afirmou que a empresa de mineração Huanuni não tinha déficit, mas sim tinha uma má gestão do processamento do minério e acumulava milhares de toneladas na unidade de transformação, além de que a empresa estatal Vinto que compra toda a produção de estanho deve 36 milhões de dólares para a empresa de mineração Huanuni, com esses dois fatos o déficit não existia.

Sob esses argumentos, o grupo ORO venceu as eleições para ser a direção do sindicato na gestão 2019 e foi visto como um grupo de oposição ao governo de Evo Morales. No entanto, assim que assumiu, o novo sindicato, que já está na gestão há cinco meses, começou a se curvar às políticas do governo, indo ainda mais longe do que seus antecessores. Há pelo menos quatro fatos: a militarização da mina, a posição diante dos desempregados, o juqueo (roubo de minério) e a independência sindical do governo, que comprovam isso:

1.Sobre a ocupação do exército na mina: Sob o pretexto de controlar o roubo de minerais chamado “jukeo”, o exército vai completar 4 meses de ocupação da mina de Huanuni e o acordo assinado diz que vai estar por mais 3 meses, justamente durante todo o período eleitoral. O sindicato apoia esta medida e delega a segurança da mina às forças armadas do Estado burguês. É o mesmo exército que massacrou os mineiros muitas vezes durante a ditadura e é o mesmo exército que reprimiu a população na revolução de outubro de 2003. A posição de um sindicato que defende a independência da classe operária nunca poderia apoiar a ocupação permanente das minas pelas forças armadas. Isso é o oposto do que dizem as históricas teses de Pulacayo [1].

A atual política do sindicato é contrária aos princípios defendidos pela chapa ORO nestes anos. O exército não está lá para lutar contra o Jukeo, porque ele continua existindo, mas para evitar qualquer luta no distrito de mineração de Huanuni, que sempre foi um problema para todos os governos burgueses na Bolívia, incluindo o atual governo.

Já foram 5 mortos pelo exército, recentemente um jovem estudante de 16 anos. Diante dessas mortes, o sindicato permanece em silêncio e apoia o exército. Sobre a questão do exército diante da morte dos 4 jukus (ladrões de minérios), há um debate entre a família dos mortos e o exército, onde o exército diz que eles foram atacados pelos jukus no setor do “Bunker” (posto de controle do exército) e a família nega essa versão e afirma que eles foram massacrados enquanto saiam de Huanuni. O sindicato com o seu silêncio diante dessa controvérsia permanece do lado do exército. A posição correta de um sindicato independente é estar alerta contra o uso desmedido da força pelo exército e deve pedir uma investigação feita por setores independentes do governo para resolver esta questão.

2.A política para os desempregados em Huanuni: Nos últimos meses tem havido várias mobilizações de desempregados em Huanuni, tanto a marcha que houve para La Paz quanto as mobilizações dentro do distrito de mineração. As declarações feitas por David Choque é que o sindicato não apoia a luta dos desempregados porque não há empregos na mina. Esta posição é muito grave e contrária aos princípios revolucionários. Primeiro, devemos discutir quem é o culpado de que a Bolívia continue tendo 82% de trabalho informal, o que no fundo é desemprego. O culpado é o governo de Evo Morales, que está no poder há 13 anos e só favoreceu as transnacionais e a burguesia local.

Nesse sentido os desempregados são parte da classe operária e os mineiros que são a vanguarda da classe trabalhadora boliviana devem ter uma política de unidade com os desempregados para lutar contra o governo e não se aliar com o governo para desacreditar os desempregados. Uma verdadeira posição de independência de classe retomaria o que diz a tese de Pulacayo e lutaria por uma jornada de trabalho de 40 horas e escala móvel de horas de trabalho [2].

A posição do sindicato está muito longe desta tese que em algum momento disseram que reivindicam. Além disso, David Choque disse na imprensa que a mina não pode contratar mais pessoal porque não tem condições. No entanto David e todo o sindicato apoiam o pagamento de 2 milhões de Bolivianos por mês ao exército para manter a mina militarizada. Com esse dinheiro, a empresa poderia contratar 300 operários com um salário de 6500 Bolivianos por mês. Isso mostra que existem condições para contratar mais pessoal, o problema é que o sindicato está completamente comprometido com o governo para defender sua política de continuar diminuindo o número de operários na mina.

Se os desempregados continuarem se mobilizando e o governo usar o exército para reprimi-los, o sindicato será corresponsável por essa repressão.

Sobre o Jukeo: O roubo de minerais é um problema social histórico, ou seja, a grande maioria dos jukus são mineiros e jovens desempregados, que se veem obrigados a roubar mineral para sobreviver, porque não há fontes de trabalho. Vários setores se aproveitam dessa situação para explorá-los comprando o minério a preços muito baratos, e depois vendem no mercado por até três vezes o valor que compraram. Nisso, sócios das cooperativas, o exército, a polícia, as empresas que comercializam e até mesmo setores da patronal na empresa conseguem suculentos lucros, enquanto os operários da mineração fazem o trabalho e ficam com uma ínfima parte da riqueza produzida.

O centro da política de um sindicato independente é exigir o fechamento dos comércios privados e que seja o estado, sob o controle dos trabalhadores, que monopolize a comercialização de todos os minerais. Em segundo lugar, uma forte campanha para exigir a estatização das minas, a fim de garantir emprego para todos os mineiros. Mas a política que o sindicato está tendo é agir junto com o governo e o exército para reprimir e prender os jukus. Dentro da colina de Pozokoni e de todo o distrito de mineração há uma luta entre os trabalhadores pobres enquanto os comerciantes vão se enriquecendo.

4.Não há independência diante do governo: Hoje, o sindicato aparece do lado do governo em todas as orientações que vem tomando, como o caso dos desempregados, o juqueo, a ocupação militar do exército, e até mesmo a recusa do governo de aumentar os salários este ano. Na coletiva de imprensa realizada em 15 de maio, o gerente da empresa falou sobre o déficit e a necessidade de continuar com a política de demissão. E fez isso com a presença do sindicato na mesma mesa. Além disso, em 14 de junho, o sindicato convocou uma assembleia onde tentou aprovar o apoio do sindicato para um candidato a deputado do MAS e a base rejeitou esta proposta.

No entanto em 07 de julho David Choque, como presidente do sindicato, assinou uma carta com outros dirigentes do MAS, onde apoia os candidatos locais do MAS na região de Oruro. Faz isso contra a decisão de sua base. Na campanha David Choque e em toda a chapa se comprometeu a respeitar a decisão da base, mas este fato mostra que o apoio ao governo está acima do respeito da vontade da base da mineração.

Todos esses fatos mostram que o atual sindicato é uma correia de transmissão do governo de Evo Morales dentro da mineradora. Isso é uma derrota para as expectativas que a base tinha quando votou em dezembro de 2018.

Esta aliança da lista ORO com o governo de Evo Morales é uma derrota para os trabalhadores da mineração, e será necessário, a partir das bases, lutar contra as políticas do sindicato e do governo. A chapa ORO antes de se tornar governista era a prova da necessidade e das grandes possibilidades existentes no proletariado das minas para construir uma alternativa operária, política e sindical contra o MAS e a oposição de direita.

Luta Socialista-Bolívia

Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional

Notas:

[1] A esse respeito, as Teses de Pulacayo dizem: “7.- ARMAMENTO DOS TRABALHADORES. Dissemos que, enquanto o capitalismo exista, a repressão violenta do movimento operário é um perigo latente. Se quisermos evitar que o massacre de Catavi se repita, temos que armar os trabalhadores. Para rechaçar as gangues fascistas e os fura-greves, organizemos os piquetes operários devidamente armados.

Onde conseguir as armas …? O fundamental é ensinar aos trabalhadores da base que devem se armar contra a burguesia armada até os dentes; os meios para isso serão encontrados. Por acaso esquecemos que trabalhamos com explosivos poderosos todos os dias? “Os piquetes sindicais devem ser organizados militarmente e o mais rápido possível “.

[2] Tese de Pulacayo: “2. SEMANA DE 40 HORAS DE TRABALHO E ESCALA MÓVEL DAS HORAS DE TRABALHO. [1] A tecnificação das minas acelera o ritmo de trabalho do operário. A própria natureza do trabalho no subsolo transforma a jornada de oito horas em excessiva e que aniquila desumanamente a vitalidade do trabalhador. A própria luta por um mundo melhor exige que, em certa medida, o homem seja libertado da escravidão da mina. Portanto, a FSTMB lutará pela realização da semana de quarenta horas, uma jornada que deve ser complementado com a implementação da escala móvel de horas de trabalho. A única maneira de lutar eficazmente contra o perigo permanente do boicote patronal contra os operários, é conseguir a implementação da escala móvel de horas de trabalho, o que reduzirá a jornada de trabalho na mesma proporção que aumenta o número de desempregados. Tal diminuição não deve significar uma diminuição no salário, uma vez que este é considerado vitalmente necessário. Só estas medidas nos permitirão evitar que os quadros operários sejam aniquilados pela miséria e que o boicote dos patrões aumente artificialmente o exército dos desempregados. “

Tradução: Lena Souza

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