A reeleição de Evo Morales com o 63,5% foi notícia em todo mundo. Governos de direita, de “esquerda”, a ONU, a OEA e os Estados Unidos saudaram a vitória de Evo Morales e da “democracia” boliviana. “Faremos uma oposição construtiva”, anunciaram os perdedores, reconhecendo imediatamente sua derrota. Antes de analisar os resultados, consideramos importante entender o contexto em que se deram estas eleições.
Nos últimos seis anos a Bolívia esteve marcada por um processo revolucionário que provocou a queda de dois presidentes. A questão da tomada do poder pelos trabalhadores e camponeses esteve na ordem do dia. Mas este processo revolucionário vem sendo desviado pela política de “reação democrática”, aplicada pelo governo e pela oligarquia através dos sucessivos processos eleitorais (três eleições e três referendos). Isso vem permitindo o governo de Frente Popular de Evo recompor o regime posto em xeque com as revoluções de 2003 e 2005.
A situação revolucionária, aberta em 2003, tinha entrado em uma nova conjuntura com a eleição de Evo Morales em dezembro de 2005. Foi o primeiro presidente indígena na história do país. Sua eleição foi tomada pela maioria da população como uma grande vitória e um reconhecimento de séculos de opressão dos povos indígenas. Muitos achavam que era o fim do neoliberalismo e da direita. As ilusões e expectativas de que o novo governo levaria adiante o processo revolucionário, expulsando as multinacionais e expropriando os grandes latifundiários não se concretizou.
O governo, em meio ao processo revolucionário, manteve um discurso de “mudança” e pela pressão do movimento de massas se viu forçado a tomar algumas medidas de caráter “progressista”, mas sempre com o objetivo de desviar o processo revolucionário e manter os setores sociais sob seu controle. Desde o primeiro dia, Evo Morales buscou a conciliação com a direita e a oligarquia, o que permitiu a esta se recompor parcialmente. A polarização e a situação revolucionária seguiam abertas, mas agora mediadas por um governo de frente popular com características singulares, sobretudo pela identificação étnica e cultural da maioria do povo com o novo governo.
O objetivo de Evo Morales e do MAS, seu partido, sempre foi chegar a um governo de união nacional e recompor o regime democrático burguês, destroçado pela mobilização das massas. Mas a situação revolucionária tornava difícil essa tarefa por dois motivos. Primeiro pela oposição do setor mais forte da burguesia boliviana, a oligarquia de Santa Cruz. Segundo, pela dificuldade do governo em controlar o movimento operário. Houve fortes confrontos entre o governo e a oligarquia, por um lado, e entre o governo e o movimento operário pelo outro.
Em setembro de
Após o acordo abriu-se uma conjuntura diferente marcada pelo fim da polarização governo – oligarquia e pelo controle quase absoluto das direções do movimento operário pelo governo.
Esta breve análise é um ponto de partida fundamental para compreender os resultados das eleições e as perspectivas do segundo governo de Evo Morales.
Os resultados
Apresentaram-se oito frentes, mas na realidade ocorreu apenas a confrontação entre o MAS e a frente da direita mais reacionária, de Manfred-Leopoldo. Este binômio, composto por dois ex – prefeitos representavam o interesse das oligarquias regionais.
Evo Morales teve uma grande vitória eleitoral, atingindo o 63,5%, ou seja, 10% a mais que em
O governo ganhou em seis dos nove departamentos do país e teve um significativo avanço eleitoral nos bastiões da chamada ‘Media Luna’. Em Tarija chegou a ganhar com 51,09% dos votos, frente aos 31,55% que conseguiu em 2005. Em Beni chegou a 37,64%, quase o dobro de sua votação em 2005 quando obteve 16,5%. Em Pando, departamento dirigido há anos por Leopoldo Fernández (que está preso pelo massacre de camponeses em Pando), Evo atingiu 44,51%. Em 2005 conquistou apenas 20,85%.
Nos departamentos do ocidente do país, nos quais Evo tem um amplo apoio popular, sua votação foi contundente.
O MAS conseguiu os dois terços necessários para controlar a nova Assembleia Plurinacional (anterior Congresso Nacional) e aprovar as novas leis, exigidas pela nova Constituição. O Senado, controlado pela direita nos últimos quatro anos, agora será dirigido pelo governo. Dos 36 senadores, 25 serão do MAS e 11 da direita. Na Câmera de Deputados, dos 130 o MAS terá 84 deputados, e a oposição 45.
Diferente da eleição de 2005, esta foi marcada, segundo a própria OEA, por “um clima tranquilo e totalmente pacífico”, e um maior comparecimento às urnas. A média do abstencionismo foi de 6%, enquanto nas eleições de 2005, segundo os dados do Corte Nacional Eleitoral, foram de 15,49%.
O entusiasmo militante foi substituído pela mobilização do aparato estatal e a despesa milionária do governo na campanha. Outro elemento foi o claro giro à direita do programa do MAS e de Evo Morales. Na campanha de 2005, o eixo central do programa do MAS foi a promessa de uma Nova Constituição para refundar o país e nacionalizar os recursos naturais. Enquanto nestas eleições o eixo do programa foi o “salto na industrialização, segurança jurídica às multinacionais e construção de grandes infra-estruturas e estradas”. Por outro lado, fizeram alianças com empresários e inclusive com ex-membros da União Juvenil Crucenista, grupo de choque da oligarquia. Os atos e almoços com empresários que apóiam o “processo de mudança” foram inúmeros durante os meses de campanha.
Estas eleições também comprovaram as mudanças no partido do governo. O MAS teve um maior número de candidatos da classe média, mudando o discurso indigenista por um mais conciliador e chamando a um governo de unidade nacional. Apesar de que o líder camponês, Isaac Ávalos, dirigente da CSUTCB foi eleito Senador, Evo já anunciou que quem presidirá o Senado será a maior representante da classe média da zona rica de
O próprio vice-presidente, Álvaro García Linera, em uma entrevista concedida no dia das eleições afirmou: “Vamos fazer o que temos dito, não há uma agenda escondida. Uma grande votação significa mais responsabilidade com a gente. Jamais iremos na contramão de uma Constituição que nós mesmos construímos, e aí estão os parâmetros sobre a terra: extensão máxima, respeito à propriedade, a função econômica social que deve cumprir”.
Outro elemento que marcou estas eleições, e que também explica a não existência de uma terceira alternativa operária e socialista, foi a cooptação da grande maioria das direções sindicais. A COB (Central Operária Boliviana) transformou-se em um braço do governo dentro do movimento sindical, apesar do governo não cumprir com as principais reivindicações operárias, como a lei de pensões e um aumento salarial conforme a cesta básica familiar. A federação de mineiros e o sindicato mineiro de Huanuni, que nos primeiros três anos mantiveram uma verdadeira independência sindical frente ao governo e ao MAS, hoje são sindicatos controlados pela burocracia oficialista. O MAS impulsionou uma série de acordos eleitorais com diferentes setores sociais, garantindo-lhes que disputassem em condições de obterem as vagas para deputados.
Pela falta de uma alternativa de esquerda operária e socialista nas eleições, o grupo Luta Socialista chamou o voto nulo. Já que nenhuma das frentes propunha a necessidade de uma mudança estrutural no país e o cumprimento da “agenda de outubro”.
As perspectivas e os desafios da classe operária
Muitos setores sociais, inclusive a classe operária, acham que agora com a maioria do MAS no Congresso se avançará no “processo de mudança” e no cumprimento da “agenda de outubro”. No entanto, a crise econômica vem golpeando o país com a redução das exportações e das arrecadações do Estado. Para que a situação não se agrave o governo busca maiores empréstimos com o FMI e o Banco Mundial, a quem já solicitou 10 bilhões de dólares (três vezes mais do que o solicitado na etapa neoliberal), com o que se terá um gigantesco crescimento da dívida externa do país.
Assim mesmo segue mantendo as políticas de entrega dos recursos naturais não renováveis (hidrocarbonetos, minérios, lítio) a empresas privadas multinacionais, mediante contratos de risco compartilhado. Pelos compromissos que assumiu com seus novos aliados, o segundo governo de Evo será ainda mais conciliador com a direita e com os setores oligarcas. O resultado será a aplicação de uma política anti-operária, defraudando ainda mais as reivindicações dos movimentos sociais.
Nós do grupo Luta Socialista respeitamos o sentimento da maioria do povo boliviano que ainda segue tendo grandes expectativas
Achamos que um verdadeiro processo de mudança somente será fruto da luta dos trabalhadores do campo e da cidade. O primeiro passo é recuperar a independência sindical e política da classe operária e exigir às atuais direções sindicais a preparação imediata de um plano de reivindicações ao governo de Evo Morales que exija uma nova lei de pensões e um real aumento salarial. Por tudo isso, chamamos os trabalhadores a não depositar nenhuma confiança no segundo governo de Evo e a confiar somente em suas próprias forças.
Luta Socialista, 14 de dezembro de 2009