qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Entre a crise e as eleições

Pioram as condições de vida e perdem-se milhares de postos de trabalho

E O GOVERNO SÓ SE PREOCUPA COM A DISPUTA ELEITORAL

 

O discurso governamental de que a Bolívia não seria tão afetada pela crise capitalista mundial já não se sustenta. O que oculta o Governo, sentem-no os trabalhadores e o povo. No setor fabril, 1.430 operários de três das cinco fábricas da empresa América Têxtil que perderam seus postos de trabalho nos últimos meses em La Paz e El Alto. A manifestação de mais de 4.000 mineiros contra o aumento da jornada de trabalho para 10 horas que impõe a multinacional Sinchi Wayra e por aumento de salário, foi uma justa reação à superexploração que as empresas querem impor aos operários, para se salvar da crise. O governo não divulga as cifras oficiais, mas se sabe que há demissões e fechamento de postos de trabalho em massa. Como a maioria dos postos de trabalhos nas cidades são temporárias e informais, isso escamoteia os dados, mas não significa que o problema não exista, ao contrário, com o regresso crescente de emigrantes, as perspectivas para os próximos meses são de mais desocupação e, portanto fome e miséria.

 

A gripe AH1N1 pode ter resultados trágicos na Bolívia

 

A situação piora com a gripe AH1N1. Há 236 casos suspeitos, dos quais já se confirmaram 23, principalmente em Santa Cruz. O Ministro da Saúde afirmou que “em que pese às falências do plano de prevenção, o país está preparado para enfrentar este mal”. Será isso verdade, depois de décadas de neoliberalismo, que destroçaram os serviços públicos de saúde, e em plena crise econômica? Na Bolívia – por más condições de higiene, insuficiência da saúde pública e mais da metade da população vivendo em condições de pobreza – os resultados podem ser trágicos. Mais uma vez, serão os pobres as primeiras vítimas.

 

O governo não tem um plano frente à crise

 

Até o momento, o Governo não tem um Plano Anticrise. Segundo o Ministro do Planejamento, serão gerados postos de trabalho temporários, mas empregos dignos e sustentáveis não estão na agenda governamental. O Governo diz dispor de 1.800 milhões de dólares, mas esse montante não será suficiente para impulsionar um grande plano de obras públicas, de construção de moradias, escolas, hospitais e estradas, e assim gerar empregos. Por outro lado, se deveria investir principalmente no setor produtivo para impedir as demissões e gerar novos postos de trabalhos permanentes.

 

Em nossa opinião, a única saída para o país, principalmente em tempos de crise, é fazer uma verdadeira nacionalização dos hidrocarbonetos e das grandes mineradoras. E será necessário expulsar as multinacionais para acabar com o saque dos recursos naturais. O governo aposta em outra direção: promover bônus. Mas, com a diminuição das exportações, o Estado arrecada menos e, portanto o pagamento de bônus está em risco, é uma bomba de tempo. Por exemplo, o caso dos bônus Juana Azurduy: 50.000 mães estão inscritas para receber 1.820 bolivianos em 33 meses, mas quando as mamães vão às entidades financeiras para receber o bônus, não o conseguem. Só 7 em cada 100 que se apresentam, conseguem-no.

 

Os bônus não podem reverter à situação de crise da economia e também não resolve estruturalmente o problema do desemprego e da fome. São só medidas temporárias, similares ao que faziam os governos neoliberais: como Goni [NdR: o ex presidente Gonzalo Sánchez de Losada] que criou o Bonosol, ou Tuto [Quiroga] que criou o PLANE, com objetivos de manter certo apoio da população a seus governos.

 

Castigo à burguesia da Meia Lua ou anteparo político?

 

No ano passado, o país sofreu a tomada de instituições públicas por setores da Meia Lua [N.T. – região onde se localizam os departamentos de Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija] e o massacre de camponeses em Pando. Naquele momento foi denunciado que as ações foram executadas por um braço armado da Meia Lua, com características fascistas e facilmente se identificou à União Juvenil Cruceñista (UJC) e ao Comitê Cívico de Santa Cruz liderado por Branko Marinkovic. Lamentavelmente, por seu caráter de conciliação de classes, o governo e o MAS (N.T. -Movimento para o Socialismo, partido do presidente Evo Morales) responderam chamando os “autonomistas” a um diálogo nacional. Enquanto setores operários e das bases camponesas exigiam mão de ferro com a burguesia da Meia Lua, o Presidente concluía pactos com os prefeitos e a ultra direita.

 

Faz tempo que o governo conhece as tentativas da burguesia cruceña (N.T – burguesia do departamento de Santa Cruz) de desestabilizar o país, inclusive com a ameaça do separatismo. Agora, em plena campanha eleitoral, o governo “redescobriu” o que o povo sempre soube: que os comitês cívicos, os prefeitos, CAINCO (Câmera de Indústria, Comércio, Serviços e Turismo de Santa Cruz de La Sierra) e os latifundiários, etc, financiavam armas e especialistas em tática de guerra (o que o Governo chama terroristas). A desarticulação do “grupo de terroristas de Rozsa” em Santa Cruz, levou à Promotoria boliviana a investigar e desmantelar toda uma rede de apoio à suposta “causa autonomista”. “O próprio Branko Marinkovic foi acusado por Juan Carlos Gueder e Alcides Mendoza, detidos pela polícia e membros da ultra direita União Juvenil Cruceñista, de contribuir 200.000 dólares para a compra de armas e a realização de atentados” (Econotícias).

 

Com a desculpa de combater aos terroristas, o governo chama às FFAA, empresários, CSUTCB (Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia) e a COB (Central Operária Boliviana) a um Pacto Nacional, com o grande objetivo de conviver com a burguesia e por outro lado, com a ajuda da direção da COB, frear as lutas operárias. Outra vez, organiza-se uma cortina de fumaça para que os operários e camponeses não se dêem conta do verdadeiro caráter do governo.

 

Tudo isso demonstra que os governos de colaboração de classes ou Frente Popular como de Evo Morales, não têm como projeto político enfrentar à burguesia, nem romper com o imperialismo e menos ainda destruir o estado capitalista e suas instituições (como as FFAA). Têm o discurso de querer “mudar o país”, mas mantêm-se na lógica de “mudar algo para que tudo permaneça igual”. Por isso, em momentos que lhe interessa por cálculos políticos, como em tempo de eleições, o governo tem atritos com a ultra direita e a ameaça com ações penais, mas é incapaz de confiscar os bens dos verdadeiros “terroristas”, os latifundiários e os grandes empresários que saqueiam o país.

 

                                                   Nas lutas e nas eleições:

     CONSTRUIR UMA ALTERNATIVA DE ESQUERDA, OPERÁRIA E SOCIALISTA

 

Se Evo fosse um governo revolucionário, anticapitalista e socialista se apoiaria na força dos trabalhadores e camponeses para destruir definitivamente a burguesia racista. Ao contrário, tem uma política de acordos e pactos constantes com a burguesia, que acaba por fortalecê-los, o que lhes permitirá mais adiante voltar-se contra os operários e camponeses.

 

Até agora, a burguesia ainda não conseguiu recompor-se completamente da derrota histórica em outubro de 2003, daí a fragmentação de suas candidaturas para as eleições. As massas bolivianas, temporariamente, seguem depositando suas esperanças em Evo e no MAS, porém há descontentamento, inclusive rupturas. Por exemplo, os guaranis estão tentando apresentar sua própria fórmula. Quanto a Román Loayza, dirigente camponês fundador do MAS, rompe com Evo e lança sua candidatura, mas em aliança com setores de direita. Isso não serve para criar alternativas. Não basta ser indígena, precisa-se de candidatos que tenham um programa a serviço dos trabalhadores e do povo pobre.

 

A burguesia e a Meia Lua vão prometer um país melhor e culpar o governo pela crise econômica. Evo para ser reeleito vai prometer seguir aprofundando o que ele chama de “processo de mudança”. Diante dessa situação, é necessário construir um terceiro bloco nas eleições, uma alternativa operária e socialista, que proponha um Plano de lutas para enfrentar a crise. Para isto, é necessário a unidade da esquerda e dos dirigentes operários, camponeses e estudantis que não se venderam ao Governo e que não foram para a direita, para conformar um grande bloco com um programa antiimperialista e anticapitalista para um verdadeiro governo operário e camponês.

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