qui abr 18, 2024
quinta-feira, abril 18, 2024

A CONSTITUIÇÃO BOLIVIANA E O NOVO LATIFUNDIO

 

Grupo Boliviano da LIT CI.

 

            Este artigo faz uma análise da propriedade privada na Bolívia, sob a Nova Constituição.  

  

Estava incluído no referendum sobre a Constituição Boliviana, a pergunta sobre a propriedade da terra, se teria que ser de 5000 ou de 10.0000 hectares. De forma massiva, o povo se pronunciou a favor de um limite de 5000 hectares (80% a favor), ganhando em todos os departamentos. 

Assim é, que o artigo 398 que proíbe o latifúndio foi aprovado. No entanto, este limite não é retroativo, ou seja, não afetará os latifúndios existentes no leste do país.

 

Além disto, a medida é fortemente compensada no artigo 315 que permite expressamente a existência de corporações agropecuárias, que podem ter sob seu controle mais de 5000 hectares ou um número de hectares sem limites, com o único requisito de que cada sócio não tenha mais de 5000 hectares! Esta questão é ocultada pelo governo.

Consideramos que este artigo da nova constituição vai dar continuidade à concentração de terras existente na Bolívia e que esta concentração vai se intensificar diante da legalização de um novo tipo de latifúndio.  Vão aumentar as novas empresas agropecuárias, quer para o cultivo de soja transgenica, quer para o turismo ou para qualquer outra atividade, definida por seus proprietários.

 

Uma Constituição progressista teria garantido que o Estado assumisse as empresas que exigissem grandes propriedades de terra, a fim de evitar que os interesses privados se beneficiassem. 

 

 

Art. 315: O Estado reconhece a propriedade da terra a todas aquelas pessoas jurídicas legalmente constituídas em território nacional sempre e quando for utilizada para cumprir os objetivos ligados à concepção do agente financeiro, para gerar empregos  e para a produção e comercialização de bens e serviços.

 

I –  As pessoas jurídicas assinaladas no parágrafo anterior que se constituirem depois da presente constituição, terão uma estrutura societária com um número de sócios igual à divisão da superfície total em 5000 hectares, arredondando para o número inteiro mais próximo.

 

 

VIOLENCIA E REPRESSÃO CONTRA OS SEM TERRA EM SANTA CRUZ.

 

 

Enquanto se aprovava a Constituição, a luta pela terra continuava e reacendia a repressão. No final de janeiro, com muita violência, mais de 200 policiais de Santa Cruz, desalojaram centenas de famílias que estavam assentadas em terrenos situados em áreas urbanas da cidade de Santa Cruz e, detiveram os dirigentes que se negavam a deixar os prédios (ocupação Cotoca). Além disto, destruíram todos os precários abrigos que essas pessoas construíram.  Depois, desalojaram com a mesma violência outra ocupação (Remanso III, de 6 hectares), mais antiga, com 150 famílias e além disto, corre um processo contra Valério Queso, por atentar contra a propriedade privada.

 

Estes fatos desencadearam uma reunião entre a CAO e o prefeito da região, com o discurso de adotar medidas concretas contra a ocupação de terras. O Ministro Carlos Romero comentou: “O que está acontecendo é de fato uma ocupação e será punida de acordo com a lei”. A Federação dos camponeses de La Paz dirigida pelos governistas, reprovou a atitude do movimento dos sem terras. O governo, através do seu secretario da Coordenação com os Movimentos Sociais, Sacha Llorenti declarou que Valeriano não tem nada a ver com o MAS e que vai denunciá-lo ao Ministério Público. Os próprios latifundiários de Santa Cruz sairiam em protesto contra as ocupações de terra, reivindicando a nova Constituição e os artigos que respeitam a propriedade privada.   

 

Por outro lado, o processo de roubo e apropriação de terras pelas empresas privadas no leste continua. Prova disto é o caso de um guia de uma seita religiosa que recebeu 400 hectares de um senador do PODEMOS e que faziam parte da TCO Isoso, onde a comunidade Guarani Enrique Iyanbae vive com 18 familias.  O INRA de Santa Cruz iniciou um processo de despejo do referido guia, que havia conseguido as terras ilegalmente.

 

 

UMA CAMPANHA PELO NÃO,  NA PERSPECTIVA DA CLASSE OPERARIA.

 

 

O Luta Socialista distribuiu uma declaração que dizia o seguinte: “diante de uma Constituição pactuada com a direita e com a oligarquia, vote NÃO, em defesa da Agenda de Outubro”. Nossa posição, sem nenhuma unidade de ação com os setores burgueses que foram pelo NÃO, surge da compreensão de que o referendum é resultado do acordo do governo com a burguesia e, que este acordo expresso na Constituição é a maior traição do governo às bases, porque busca enterrar o processo revolucionário de 2003, ou seja, a agenda de outubro.

 

Frente a uma Constituição com este objetivo não restava outra saída. Era necessário chamar a classe operaria, os camponeses e a juventude a derrota-la. A aprovação da Nova Constituição favoreceu o reformismo de Evo, do MAS e da burguesia. Fizemos no referendum, o que fazemos no dia a dia da luta de classes. Chamamos a derrotar um péssimo acordo entre o governo de conciliação de classe e a direita. E vamos fazer sempre, seja no referendum, seja numa greve ou nas ruas. E rechaçar o referendum era votar NÃO. 

 

 

A ESQUERDA QUE SÓ CHAMOU O VOTO NULO: UMA APARENTE INDEPENDENCIA QUE ESCONDE UM GRAVE CENTRISMO.

 

 

Se enganaram os setores de esquerda que se negaram a construir uma politica de classe de denuncia do verdadeiro conteúdo da Constituição e daí a necessidade de derrota-la, com a desculpa de que fazer isto, era jogar água no moinho da direita. O governo, para esconder sua traição e aparentar uma “disputa” com a direita para que as massas continuem acreditando na  sua propaganda, perpetrou uma armadilha: o SIM era de propriedade do governo e da mudança, enquanto que quem defendesse o NÃO era da media luna. Certamente, isso era para evitar que surgisse, desde a esquerda, um questionamento ao seu acordo com a burguesia. Organizações trotskistas como LORCI, Socialismo ou Barbarie, MST e até o POR de Lora, caíram na armadilha.
No marxismo e na luta de classes, as organizações operárias devem definir sua política pela tarefa a ser cumprida pela classe operária e não pelas posições e disputas entre dois blocos burgueses. Neste caso, a tarefa era derrotar o acordo plasmado na Constituição.

 

Teria sido muito progressivo que a esquerda revolucionária tivesse levado adiante uma campanha pelo NÃO nas bases operárias e camponesas, para derrotar a traição de Evo. Os revolucionários que não propuseram às massas votar NÃO diante de uma traição que o governo mostrou como vitória, foram incapazes de orientar o proletariado  boliviano em sua elementar tarefa: derrotar um acordo do governo com a burguesia e retomar a agenda de outubro e o caminho da revolução.

 

 

A VERDADE SOBRE A NOVA CONSTITUIÇÃO PROMULGADA.

Não garante o fim do latifundio. Muitos votaram achando que a Nova Constituição vai pôr fim ao latifundio quando na verdade, estes vão continuar intocados. Os 5mil hectares aprovados só tem validade para as terras adquiridas após  25 de janeiro.

Não garante a estabilidade no trabalho. Muitos operários votaram achando que vai garantir a estabilidade no trabalho e uma Lei de Pensões com aposentadoria aos 55 anos, sob controle operário e sem AFP’s porque assim disseram o governo e a direção da COB. Mentiram às bases. Essa Constituição não garante a estabilidade no trabalho porque não há um só castigo para as empresas que demitem. Há uma proteção à propriedade privada dos ricos.

Não garante a nacionalização e o controle dos recursos naturais pelo povo já que vão continuar existindo as empresas mistas (multinacional YPFB) e não se deu poder ao povo para verdadeiramente controlar a YPFB e os recursos naturais.

Não garante as terras indígenas. O art. 394 diz: “Garantem-se os direitos legalmente adquiridos por proprietários particulares cujos predios encontrem-se localizados no interior dos TCO”. Isto é, as comunidades indígenas terão que posicionar se na contramão do que está na Nova Constituição, para verdadeiramente defender e recuperar suas terras.

Não garante a Autonomia Regional e dá mais força à media luna com a Autonomia Departamental. Os departamentos adquirem numerosos poderes: Têm o poder de legislar, eleger suas autoridades e ter recursos e impostos próprios. Ao mesmo tempo, as reivindicações indígenas e camponesas quanto a autonomia regional e a autonomia indígena foram desvalorizadas. Estão previstas, mas na realidade sem poder real e ficam submetidas aos departamentos e municípios.

Não garante o fim da opressão aos povos indígenas. Os direitos democráticos e a luta contra a opressão têm que andar juntos com a mudança das estruturas econômicas coloniais. Vai se garantir o direito dos indígenas a seu território com a autonomia departamental? Essa constituição segue sendo burguesa, mantém o capitalismo semi colonial e os interesses das multinacionais. Os aspectos democráticos são formais.

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