sex mar 29, 2024
sexta-feira, março 29, 2024

Depois do Referendo Autonomico de Santa Cruz

No dia 4 de maio, o referendo sobre os Estatutos Autonomicos do departamento (estado) de Santa Cruz provocou fortes mobilizacoes dos trabalhadores bolivianos nas cidades de La Paz, El Alto, Cochabamba, Oruro e Potosi.

Enquanto ocorria a votacao em Santa Cruz, organizacoes como a COB, a COR de El Alto, a CSUTCB (Confederacao dos Camponeses), as juntas vecinales (associacoes de moradores) e os indigenas encabecaram mobilizacoes gigantescas contra os estatutos. Em El Alto, era impossivel caminhar nas ruas por causa da multidao. Em La Paz, uma gigantesca mare humana tomou conta da cidade.

As mobilizacoes comecaram em 1° de maio e continuaram no dia 2, com uma mobilizacao no municipio de San Julian, em Santa Cruz. Contudo, o auge dos protestos foi no domingo, dia 4. A imprensa fala em 1,5 milhao de pessoas protestando em todo o pais.

O que sao os Estatutos Autonomicos?

Os Estatutos Autonomicos sao um projeto de autonomia do departamento de Santa Cruz em relacao ao governo central. Segundo os estatutos, as autoridades departamentais (a oligarquia de Santa Cruz) teriam total controle sobre as terras e os recursos naturais. Por exemplo, o artigo 109 confere ao governador poder absoluto sobre as terras: “o Governador validara todos os titulos agrarios que comprovem a propriedade sobre a terra e estejam localizados dentro da jurisdicao do Departamento Autonomo de Santa Cruz”. Ja o artigo 86 estabelece: “os recursos naturais renovaveis, sua utilizacao e gestao ambiental estao a cargo do governo departamental”. Por tras das reivindicacoes de “maior democracia e autonomia” esta a disputa por uma relacao comercial mais direta com o imperialismo e as transnacionais, para garantir uma fatia maior dos lucros.

Repudio a autonomia

Ate agora, a imprensa divulgou que, do total de eleitores, 86% votaram pelo “Sim” e 14% pelo “Nao”. No entanto, a abstencao foi de 39%. Assim, se somarmos o total de abstencoes com os votos pelo “Nao” teremos 53% de eleitores que sao contrarios aos estatutos.

Sem duvida, o resultado mostrou que a burguesia nao obteve o resultado esperado, diante da enorme campanha que fez pelo “Sim”. Alem disso, o referendo tinha um carater ilegal. Pela atual Constituicao do pais, somente a Corte Nacional Eleitoral ou o governo nacional podem convocar referendos.

Nos municipios de San Julian, Yapacani e Cuatro Canadas (de maioria camponesa e indigena), nao houve votacao, porque a populacao nao permitiu a instalacao das urnas, e algumas inclusive foram queimadas. Em Camiri (regiao ao Sul de Santa Cruz, onde houve recentemente uma forte greve exigindo do governo Evo Morales a nacionalizacao do campo petrolifero da regiao controlado pela espanhola Repsol), o repudio aos estatutos chegou a 64,5% (42,6 % se abstiveram e 21,9% disseram “Nao”).

A burguesia de Santa Cruz anunciou o resultado como uma vitoria esmagadora, tentando ocultar que muitos se abstiveram por nao reconhecer o referendo. Na verdade, houve uma forte reacao popular, principalmente nos municipios mais pobres, onde a media de boicote foi de 46,8%.

Esse resultado tem grande importancia se considerarmos que, nos ultimos dias, Santa Cruz foi a capital do “terror”. Houve ameacas de perda de emprego e de proibir a abertura de conta bancaria para quem boicotasse o referendo.

O presidente do Comite Civico de Santa Cruz, o empresario e latifundiario Branco Marinkovich, anunciou que o salario minimo no departamento seria de 1000 bolivianos se o estatuto fosse aprovado (o salario na Bolivia e de 575 bolivianos). Entre o terror e a promessa, a burguesia conseguiu avancar em sua hegemonia nos setores da capital do departamento, mas teve grande dificuldade nos setores mais pobres.

E preciso considerar, ainda, que os resultados divulgados foram fiscalizados somente pelas entidades que organizaram o referendo, como a prefeitura, o comite civico e a uniao juvenil (todos defensores do “Sim”). Houve denuncias de fraude, como cedulas que ja continham o “Sim” no maior lugar de votacao dentro da capital, o que gerou conflitos.

Morales tentou impedir protestos

Mas as mobilizacoes que tomaram a Bolivia contra os Estatutos Autonomicos tambem representaram uma derrota para Evo Morales. Depois de fazer diversos pactos e acordos com os partidos da direita durante a Constituinte, de apostar num fracassado dialogo com os governadores (que so fortaleceu a oposicao burguesa), o governo e a direcao do MAS (Movimento ao Socialismo) ordenaram as suas bases camponesas e operarias, as vesperas do referendo, que nao realizassem mobilizacoes nem enfrentamentos.

A ordem do governo era um “boicote silencioso” ao referendo. Tres dias antes, o governo anunciou novas nacionalizacoes, com o objetivo de manter seu prestigio junto as massas. Contudo, as bases das organizacoes populares, movidas pelo forte sentimento de odio, nao acataram as ordens do presidente e impuseram as suas direcoes as grandes mobilizacoes contra o referendo.

O que vai acontecer agora?

Depois de Santa Cruz, serao realizados novos referendos nos departamentos de Beni e Pando, marcados para junho. O curioso e que, antes mesmo de sua realizacao, tanto os representantes da burguesia de Santa Cruz quanto o governo Morales ja falam sobre negociar como os estatutos serao implementados na pratica.

De um lado, a burguesia pressiona para criar um governo com maior controle sobre os recursos do departamento, incluindo os recursos naturais, com maior poder de negociacao diretamente com o imperialismo e, claro, se atrincheirar em seus departamentos para avancar em uma oposicao nacional ao governo Morales.

Evo, por sua vez, propos a nao realizacao dos referendos para unificar a nova proposta de Constituicao (que sera submetida a um plebiscito popular). Mas o presidente boliviano ouviu de suas proprias bases, como as organizacoes indigenas, que os dois projetos sao incompativeis.

Todos os setores da classe trabalhadora, os camponeses e ate a juventude tem uma sede de mobilizacoes que derrote a burguesia da Media Luna. Esta e a maior dificuldade que o governo Evo tera que administrar agora. Na contramao do sentimento das massas, o presidente ja chama a oligarquia de Santa Cruz para negociar.

A unidade da Bolivia exige a derrota do projeto politico dos latifundiarios, das transnacionais e da burguesia da Media Luna. Esta conquista so sera alcancada com fortes mobilizacoes nacionais. O que falta e uma direcao classista que empalme o sentimento de luta das bases, mobilize contra a direita e construa uma alternativa ao governo de Evo Morales e o seu partido, o MAS.

Confira nossos outros conteúdos

Artigos mais populares