qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Polêmica com o PTS: a crise do MAS nos anos 80

No artigo “A crise do Movimento ao Socialismo, lições para o presente”, publicado no site do Esquerda Diário, o PTS faz um balanço crítico da experiência de construção do MAS nos anos oitenta. Neste artigo, não polemizaremos sobre os aspectos políticos desse balanço, que serão objeto de outro artigo, senão sobre os teóricos.

Por: Ariel González

Para o PTS, as razões teóricas que levaram à crise e posterior explosão do que já foi o maior partido trotskista do mundo, teriam sido o suposto abandono da teoria da revolução permanente elaborada por Trotsky e as elaborações de Nahuel Moreno sobre as “revoluções democráticas”.

De acordo com essa visão, essa seria a raiz do processo de adaptação ao regime democrático burguês que sofreu o MAS em sua fase final, depois da morte de Moreno, e que culminou em sua explosão e divisão.

Podemos dizer que a trajetória do próprio PTS é a demonstração pela negativa da falsidade desse argumento. Sua crítica e rejeição às contribuições de Moreno à teoria da revolução permanente não “os imunizou” contra a adaptação ao regime e ao oportunismo, como sugere seu raciocínio. Pelo contrário, deixaram de ser uma organização que há anos defendia posições propagandistas e ultraesquerdistas, para um partido que conduz sua atividade, e adapta seu programa e política às necessidades eleitorais. Ou ao apoio a organizações e governos de frente popular como o PSOL e o PT de Lula e Dilma no Brasil.

As revoluções democráticas do século XX e as contribuições de Moreno

Com Moreno, sustentamos que as quedas abruptas das ditaduras militares capitalistas foram triunfos revolucionários e, consequentemente, as conquistas de amplas liberdades democráticas pela ação direta dos trabalhadores e setores populares. Já não contra o feudalismo, porque a dominação mundial é do imperialismo. São um novo tipo de revolução democrática. Diferenciou-as de outros processos em que diferentes setores burgueses fazem acordos de mudanças graduais com os militares para esses se retirarem.

O PTS acusa Moreno de “etapista” (1) por explicar o que de fato aconteceu: que não foi necessário que a classe operária e um partido revolucionário operário socialista dirigissem a transição de uma revolução democrática para a revolução socialista. Dizem que Moreno converteu à revolução democrática em norma programática, congelando a revolução permanente de Trotsky nessa fase, para desenvolver a democracia burguesa. Isto é uma falsificação.

Moreno observou o que aconteceu nas revoluções pós-Segunda Guerra Mundial que chegaram a expropriar o capitalismo, depois de derrotar regimes ditatoriais burgueses, como na Iugoslávia, China, Cuba, etc. Concluiu que os processos revolucionários combinam diferentes revoluções (militares, políticas, econômicas), mas todas anticapitalistas, pelas tarefas e aspirações que as impulsionam e o inimigo que enfrentam: o capitalismo imperialista e seus Estados.

São partes ou acontecimentos desiguais de um todo: a revolução socialista mundial.

Trotsky também apontou que, em 1931, uma revolução democrática triunfou na Espanha capitalista devido à passagem da monarquia à democracia burguesa, com o voto majoritário a favor da República em um plebiscito. Processo revolucionário que – pelo papel traidor do estalinismo – foi derrotado anos depois pelo regime de Franco. Moreno analisou essas revoluções democráticas. Ele nunca as enfocou como etapas independentes, separadas no tempo. Sempre levantou um programa pelo triunfo da revolução socialista, em combinação com as tarefas democráticas.

Por exemplo, a Brigada Simón Bolívar – organizada pelo PST colombiano, sob a direção de Moreno – derrubou com o sandinismo, a ditadura de Somoza em 1979. E continuou a luta contra o governo sandinista de Reconstrução Nacional, por sindicatos revolucionários, contra o desarmamento popular, pela Federação de Repúblicas Socialistas da América Central.

E para isso, ele insistiu em construir o partido revolucionário. Para o PTS, o que aconteceu naquele momento, na Nicarágua, foi uma revolução derrotada. E foi. Mas não em 1979, e sim quando a direção sandinista se rendeu aos pactos de paz com o imperialismo ianque. Ou seja, por falta de uma direção revolucionária operária socialista, esse processo revolucionário se congelou em sua fase democrática e, mais tarde, foi derrotado pela política traidora de sua direção que reconstruiu o Estado burguês. Retrocedeu a ponto de perder inclusive as liberdades democráticas, a independência nacional, etc.

A guerra das Malvinas e as tarefas democráticas anti-imperialistas

Para o PTS também não houve uma revolução democrática triunfante na Argentina em 1982. Acusa Moreno de subestimar a derrota das Malvinas. No entanto, o nosso partido e a LIT-QI, fundada no início daquele ano, aplicaram uma política para ganhar a guerra – contra o pacifismo -, conscientes que, caso contrário, o imperialismo reforçaria suas posições aqui e contra a classe operária inglesa e mundial. Com a derrota, justamente Moreno alertou, que a base militar nas Malvinas tornava a luta pelo triunfo da revolução socialista mais complexa. Mas, por outro lado, a mobilização anti-imperialista que – após a derrota – provocou a queda de Galtieri e a ditadura genocida, favoreceu a organização operária e popular para a revolução, uma vez que a correlação de forças mudou.

Este entendimento permitiu que o PST argentino saísse rapidamente da clandestinidade, como o MAS, para aproveitar as liberdades conquistadas e se transformar em um polo revolucionário para milhares de lutadores que rompiam com o peronismo.

Seguindo Trotsky, Moreno sustentou que nos países coloniais e semicoloniais, como o nosso, a luta anti-imperialista pela independência nacional é uma tarefa fundamental. Embora tenha se originado nas revoluções democráticas burguesas, a burguesia não está interessada em levá-la a cabo. Como também não está interessada na reforma agrária, na autodeterminação das nacionalidades oprimidas, nos direitos femininos, etc. Com as tarefas socialistas foi semelhante.

Com exceção da revolução bolchevique de Outubro de 1917, a classe operária nunca exerceu diretamente o poder com seus organismos. Mas os setores pequeno-burgueses que tomaram o poder destruindo as forças armadas – principal instituição do estado burguês -, passaram a cumprir tarefas operárias (expropriação da burguesia e estatização da economia), indo a além de seus objetivos iniciais. Por quê? Porque o imperialismo não deu a essas direções alternativa – para defenderem-se como pequeno-burgueses – que enfrentar o “contragolpe”, com medidas cuja dinâmica foi anticapitalista. Pois não existe uma economia pequeno-burguesa dominante: ou é burguesa, ou é operária.

Mas essas mesmas direções – pelas mesmas razões materiais de classe social – se opõem ao desenvolvimento de organismos operários para exercer o poder. São burocráticas, inimigos da democracia operária para planificar uma economia estatizada, e centralmente para colocá-la a serviço da extensão da revolução como processo nacional e internacional. Pelo contrário, são nacionalistas que buscam a coexistência pacífica com o imperialismo. Na realidade, é impossível manter um equilíbrio mundial entre a revolução e a contrarrevolução. Ali, onde o capitalismo foi expropriado, essas mesmas direções pequeno-burguesas o restauraram liquidando as conquistas sociais.

Desconhecer que a revolução socialista combina tarefas democráticas necessárias e sentidas pela classe operária e setores populares, que incluem derrubar ditaduras militares, leva o PTS a deixar essa luta nas mãos de direções burguesas, pequeno-burguesas e burocráticas, e dessa forma, capitula a elas.

Por isso, por exemplo, se opôs a exigir armas e remédios para os rebeldes sírios em guerra contra a ditadura de Al-Assad, igualando ambas as trincheiras. Nós combatemos às direções burguesas e ao imperialismo desde a trincheira rebelde, com todas as suas contradições. “Os melhores soldados”, como dizia Trotsky, quando há um choque físico. Nós não confundimos uma luta justa com suas direções traidoras. Após o golpe de 1976, o PST de Moreno coroava seu programa: “Abaixo a ditadura militar”. E, durante a guerra das Malvinas, nós estivemos na trincheira militar contra o imperialismo agressor, exigindo, por sua vez, medidas em todos os aspectos para vencer, o que incluía o restabelecimento das liberdades democráticas para permitir a mais ampla autodeterminação operária e popular.

Nota

(1) O etapismo é a teoria-programa que o stalinismo usou para derrotar as revoluções, oposta à teoria da revolução permanente. Apoiou e chamou à classe operária a confiar em setores da burguesia para fazer “sua” revolução democrática burguesa, em vez de organizá-la de forma independente para tomar o poder e avançar para a revolução socialista nacional e mundial.

Tradução: Rosangela Botelho

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