qui abr 25, 2024
quinta-feira, abril 25, 2024

Organizar a luta contra o ajuste de Macri

No dia seguinte a ter vencido as eleições presidenciais da Argentina no segundo turno, Maurício Macri participou de uma conferência de imprensa e de entrevistas com alguns meios de comunicação, nas quais delineou seu plano de governo. Foi dada a largada para o jogo de interesses do que seria seu gabinete de governo.

Por: Cristian Napia

Nós do PSTU, a partir da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores,  procuramos explicar durante a campanha eleitoral que nós, trabalhadores, não podíamos esperar nenhuma medida favorável a  nós por parte dos candidatos que competiam no segundo turno.

Dissemos que, independentemente de quem ganhasse, o projeto seria o mesmo: aprofundar o ajuste, produto da crise econômica mundial, com o qual o imperialismo pretende salvar seus lucros às custas do roubo e da superexploração dos países e dos trabalhadores do mundo. Por  isso, chamamos a votar em branco.

O voto antiajuste

É verdade que  o percentual de votos em branco ou nulos foi baixo. Mas também é verdade que muitos trabalhadores e setores populares, mais do que votar a favor de um candidato, votaram contra Daniel Scioli ou contra Mauricio Macri.

Os primeiros, para pôr fim a uma década que começou gerando grandes expectativas e terminou desiludindo, nos últimos anos, a muitos trabalhadores que viram piorar suas condições de vida e seu futuro.

E especialmente os que votaram contra Macri, porque identificaram neste candidato um retorno ao ajuste neoliberal dos anos 1990. Mais ainda do que a chamada “campanha do medo” que instalaram o kirchnerismo e a mídia, um setor muito amplo da população votou no segundo turno mobilizado contra as privatizações, contra a submissão ao imperialismo e aos mecanismos da dívida externa, e em defesa dos salários etc., que sem dúvida também representa Macri.

Enfrentar o ajuste nas ruas, nos locais de trabalho e nas escolas

A poucos dias das eleições, as definições dadas por Macri permitem ver, que desde o dia 10 de dezembro, o que está preparado para o país e para os trabalhadores e o povo é mais arrocho, ajuste e repressão. E que de imediato, a principal tarefa que temos é organizar a luta contra o que, seguramente, será um ataque à nossa qualidade de vida.

Por isso, é fundamental não ficarmos presos em lamentações e começarmos a preparar essa luta. Nós, trabalhadores, setores populares, organizações sociais, estudantis e políticas que fizemos campanha contra o ajuste e identificamos em Macri um aprofundamento dos ataques contra os trabalhadores, temos a obrigação de nos mobilizar e de iniciar a organização em nossos locais de trabalho e estudo para enfrentar as medidas já anunciadas por Macri e que serão aplicadas logo que ele assuma.

Neste sentido, os dirigentes sindicais, comissões internas delegados sindicais que, durante a campanha eleitoral, chamaram assembleias para dizer aos trabalhadores que não tinham  de votar em Macri, agora precisam voltar a fazer assembleias e organizar os trabalhadores para enfrentar e para lutar contra as medidas anunciadas por ele.

Da mesma forma, chamamos aqueles companheiros que utilizaram o voto em Cambiemos para derrotar o governo a não depositarem expectativas em Macri. Qualquer confiança dada ao novo governo será utilizada por ele para aprofundar as concessões e avançar sobre nossas conquistas.

Por isso, não podemos dar nem um minuto de trégua ao novo governo. A necessidade de ajuste por parte deles é muito grande e, por isso, Macri tentará renovar os “pactos de governabilidade” entre empresários, burocratas sindicais, oposição, lideranças políticas, levando em conta o cenário apresentado após as  eleições. Pela mesma razão, os trabalhadores, setores populares e todos os que estamos contra o ajuste temos de nos colocar na linha de frente para anunciar ao novo governo, desde já, que não vamos aceitar seus ataques.

Nós do PSTU tomamos esta tarefa como prioritária e nos colocamos à disposição de todos os trabalhadores que estejam dispostos a enfrentar os planos de Macri a partir de seus locais de trabalho.

Também fazemos um chamado amplo a todos os trabalhadores e setores populares, inclusive os que votaram em Scioli no segundo turno, para que juntos nos organizemos e impulsionemos a mobilização contra Macri, e para que exijamos dos delegados, comissões internas, seções e sindicatos que se pronunciem contra o ajuste. Vamos preparar  a organização e a mobilização para que  os trabalhadores não tenham de pagar pela crise.

Os primeiros comunicados do novo governo

Macri deu uma conferência de imprensa e várias notas aos meios jornalísticos nas quais fez alguns comunicados de como será seu governo. Reproduzimos e explicamos aqui algumas das medidas mais relevantes que ele anunciou:

– “Tomar o controle do território” para combater a insegurança e o narcotráfico.

Somos nós,  os trabalhadores, os jovens e as mulheres que sofremos esses problemas em nossos bairros, quando saímos para trabalhar ou nos divertir nos fins de semana. Os principais responsáveis são as lideranças políticas, policiais e juízes que são os que organizam o crime em favor dos interesses políticos de quem governa. O que Macri propõe com “tomar o território” não é atacar isso, mas sim militarizar as ruas e os bairros, intensificando a presença das forças de segurança, o que significará mais violência policial, mais repressão aos que se organizam para lutar por seus direitos.

– “Eliminar o cepo1” e instituir um “tipo de câmbio único”.

Com isso, Macri propõe mais desvalorização. Embora ele proponha fazê-lo depois de “ordenar” a economia, eliminar o “cepo” significa liberar o dólar para que os grandes capitalistas possam importar livremente os insumos para a produção e enviem seus lucros ao exterior ainda mais do que já vêm fazendo. Por outro lado, é uma medida indispensável para estabelecer o tipo de câmbio único, que nada mais é do que elevar a cotação oficial do dólar que hoje está em $9 ao valor do dólar “paralelo” (entre $13 e $15).  “Gradual” ou não, esta medida é um ataque ao bolso operário e popular.

– Retenções tributárias

Eliminará as retenções ao trigo e ao milho para que os produtores possam exportar ao exterior, ou seja, priorizar os lucros em dólares em vez de assegurar o abastecimento interno para acabar com a fome no país.

Em relação às retenções à soja, Macri evitou dar detalhes para não gerar uma onda de rejeição. Só se limitou a afirmar que cumprirá com o que disse durante a campanha, que é eliminar as retenções à soja também, algo que as grandes multinacionais produtoras de soja já estão lhe cobrando.

– Fundos abutres, dívida externa e União Europeia.

Segundo a mídia, está prevista uma viagem de Macri a Nova York para negociar o pagamento aos fundos “holdouts”2 e uma à China para negociar uma ampliação dos empréstimos “swap” (crédito-swap ou intercâmbio de divisas) iniciados pelo governo anterior, de Cristina Kirchner.

Além disso, anunciou que buscará acordos e “convênios com a União Europeia e avançar na Aliança do Pacífico” (bloco regional constituído pelo Chile, Colômbia, México e Peru) para poder “vender produtos feitos por latino-americanos” à Europa. Isto nada mais é do que aprofundar o saque e a exploração, nesse caso da mão de obra latino-americana, para que a União Europeia possa produzir na região aproveitando a mão de obra barata. Claro, Angela Merkel, a chanceler alemã que dirige o terrível ajuste sobre a Grécia e o resto dos países da Europa, saudou e felicitou sem demora a vitória de Macri no segundo turno.

– Subsídios e tarifas

Macri anunciou que ao mesmo tempo em que eliminará os subsídios às empresas privatizadas, aumentará as tarifas para que tenham “um sistema de tarifas justo e equilibrado”. É óbvio que para Macri o justo significa que nós, os trabalhadores, paguemos mais caro pela passagem – como fez com o metrô na Capital Federal -, pela luz e pelo gás, para manter os lucros das empresas privatizadas.


No encerramento desta edição, Macri acabava de anunciar seu futuro gabinete. Conforme anunciado poucas horas após o resultado do segundo turno, o Ministério de Economia foi dividido em cinco setores.  O currículo de cada um dos futuros ministros é uma evidência clara da orientação política que terá o novo governo. Vejamos alguns:

Alfonso Prat-Gay: braço direito de Elisa Carrió, operador do banco J. P. Morgan, chefiou o Banco Central entre dezembro de 2002 e setembro de 2004 (presidências de Duhalde e Kirchner), época em que os bancos que se beneficiaram do corralito (restrição de saques) e pela pesificação (proporção dólar/peso) foram recompensados. Ocuparia o cargo de Fazenda e Finanças.

Susana Malcorra: atual Chefe de Gabinete do Secretário Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon. Antes, atuou no setor privado fazendo uma carreira “exemplar”, primeiro na IBM e depois na Telecom Argentina, onde chegou ao posto mais alto e trabalhou até 2002. Já em 2001, exigiu dos trabalhadores que aceitassem um corte de 10% em seus salários. A rejeição a esse ajuste resolveu-se colocando na rua 400 trabalhadores.

Esteban Bullrich: atual ministro de Educação em Buenos Aires, responsável pelas “classes-container” (escolas montadas em containers), a falta de espaços de lazer e as deficiências nos prédios escolares. Foi quem conduziu o projeto da Nova Escola Secundária que cortou mais de 150 opções curriculares, deixando docentes sem trabalho e estudantes sem possibilidade de escolha. É sobrinho da deputada Patricia Bullrich. Estudou Licenciatura em Sistemas na Universidade CAECE e cursou mestrado em Administração de Empresas na Escola Kellogg (Estados Unidos). Entrou na política dando seus primeiros passos com Ricardo López Murphy, o qual, quando foi ministro de Economia em 2001, tentou taxar as universidades estatais.

Ricardo Buryaile: deputado radical por Formosa, é um dirigente da Sociedade Rural dessa província. Proveniente de uma família de grandes pecuaristas, Buryaile é um homem do agronegócio e ocupará a cadeira de Agricultura.

Juan José Aranguren: ex-presidente da filial argentina da petroleira anglo-holandesa Shell. Recentemente, questionou a pseudoestatização da YPF. Este executivo de multinacionais se encarregaria do estratégico Ministério de Energia.

Federico Sturzenegger: assumiu como secretário de Política Econômica em 2001 com o governo da Aliança. O mesmo que concluiu a bancarrota iniciada pelo menemismo. Recentemente, alcançou ampla difusão num vídeo no qual confessa as recomendações de Durán Barba: “Quando for governo faça o que tem que fazer, mas não o diga agora”, aconselhou-lhe o assessor da campanha eleitoral. O que propôs em Cambiemos foi um ajuste fiscal, liquefação salarial e suas consequências. Será presidente do Banco Central.

Patricia Bullrich: foi ministra de Trabalho do governo de De la Rúa, ficou famosa por anunciar o corte de 13% nos salários dos servidores estatais. Passou por quantos partidos de “direita” existiram na Argentina. Estará a cargo do Ministério de Seguridade Social.

Rogelio Frigerio: atual titular do Banco Cidade, economista e professor em universidades privadas católicas, iniciou carreira como servidor público no Ministério de Economia de Menem, na etapa pós-Cavallo. Será ministro do Interior.

Hernán Lombardi: deu continuidade ao desmantelamento do Centro Cultural San Martín, privatizando-o. Processado por lavagem de dinheiro e fraude ao Estado

Notas:

1. O “cepo”, ou estoque cambial, foi introduzido na Argentina em 2011, diante do aumento da fuga de capitais. Trata-se de uma série de medidas restritivas, que têm o objetivo de desestimular a compra de dólares e outras divisas estrangeiras.

2. Os fundos holdouts, ou ‘abutres’ têm origem na moratória da dívida externa em 2001. Após o default, o governo argentino negociou a troca de títulos em 2005 e em 2010, o que permitiu que o país postergasse sua dívida. Com isso, em torno de 93% dos títulos da dívida foram trocados. No entanto, credores do fundo NML Capital – os chamados “fundos abutres” – não aceitaram a proposta do governo argentino e exigem o pagamento da dívida.

Tradução: Rosangela Botelho

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