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quinta-feira, março 28, 2024

EUA: As armadilhas do foco dos Democratas em “Retomar” o Congresso

O Partido Democrata (PD) ainda está tentando se recuperar da profunda crise que eclodiu após a derrota das eleições de 2016.

Por: Florence Oppen

As eleições mostraram que as décadas passadas de políticas neoliberais sob as administrações de Clinton e Obama os levaram a perder a maior parte de sua base tradicional da classe trabalhadora, tornando-se cada vez menos atraentes para a juventude radicalizada e os pobres. A derrota do Partido Democrata (PD) foi em parte o resultado do tratamento da crise econômica (resgate dos bancos, crise imobiliária e de execuções hipotecárias, contínua depreciação dos salários) e das promessas não cumpridas na era Obama (reforma abrangente da imigração, aumento do salário mínimo e reforma pró-sindicalização) .

O resultado dessa crise foi uma crescente divisão e desordem dentro do partido, que ainda está “procurando por sua alma”. Os liberais estão procurando em vão por um PD que lute pela classe trabalhadora conciliando classes contraditórias – sua base de massas à esquerda e sua base de doadores neoliberais.

Até agora, no entanto, o PD falhou completamente em oferecer uma verdadeira “resistência” às políticas de Trump, e tem centrado sua política em argumentos baratos em relação à “intromissão russa” na eleição passada, e agora nos vários casos de corrupção de Trump, sob a coordenação de Robert Mueller III, nomeado Procurador Especial do Departamento de Justiça. Os líderes do PD estão flertando com a ideia de ter maioria na Câmara de Deputados para iniciar o processo de impeachment de Trump, que ainda deixaria o ultrarreacionário Pence e seu gabinete no poder.

Não há saída entre a política externa imperialista de pilhagem de recursos e ecologicamente devastadora dos dois partidos (guerra contra o terrorismo, corrida armamentista nuclear e apoio incondicional a Israel). Afinal, o PD não ofereceu nada substancial e concreto para os trabalhadores nos muitos estados e cidades em que o partido ainda é dominante.

O plano de Warren para tornar o capitalismo mais “responsável”

A política central do PD atualmente é a estratégia eleitoral de “Retomar o Congresso” no meio do ano. No entanto, a verdade é que o PD nunca foi um partido de organização de base para melhorar as condições de vida da classe trabalhadora. A fim de reconquistar seu eleitorado perdido, a cúpula do PD, que ainda controla o partido, decidiu concentrar-se em questões do “ganha-pão” dos americanos comuns, significando questões econômicas, ficando longe do que eles acham ser “controverso”, as chamadas “políticas de identidade” – que têm a ver principalmente com o racismo, a brutalidade policial, o encarceramento em massa, as invasões e deportações do ICE (Serviço de Imigração e Controle de Fronteiras), a reforma da imigração além da DACA (Ação de Adiamento para os Chegados na Infância), e demandas por parte dos indígenas, como por autonomia e controle de suas terras e recursos.

Entre elas estão também as demandas dos direitos LGBT e das mulheres, que estão enfrentando um retrocesso histórico no acesso aos direitos reprodutivos. Recusando-se a tomar uma posição ou mesmo em focar em políticas antiopressão, o PD está de fato se dirigindo a uma classe trabalhadora imaginária, isto é, a minoria de trabalhadores que se identificam como homens brancos.

Alguns quadros do PD acreditam que, desde a década de 1970, o partido rompeu com o “consenso liberal” que estabelecera nos anos 1930, quando defendeu a reforma social através do New Deal e defendeu uma distribuição “justa” de uma parcela dos lucros. As concessões do PD aos protestos em massa contra a guerra do Vietnã e ao movimento pelos direitos civis fizeram do partido alvo de ataques reacionários pelo Partido Republicano. Michael A. Cohen, um analista político, argumenta que, desde 1972, “os democratas continuaram a se afastar de sua tradicional defesa do trabalhismo em relação às questões sociais, e perderam seus eleitores” e se afastaram dos ” americanos da classe trabalhadora[1].

A fim de reconquistar as pessoas comuns, o PD deveria, de acordo com Cohen, voltar a focar em “questões reais que significam muito para os jovens: o alívio da dívida educacional; emprego estável; sistema de saúde que lhes possibilitem dar-se ao luxo de iniciar famílias.

De acordo com essa visão, para encontrar sua “alma” (e a recaptura de milhões de votos perdidos), o PD deve voltar a ser o partido de Franklin Delano Roosevelt. E é exatamente isso que Elizabeth Warren propõe ao se lançar como candidata para as eleições presidenciais de 2020, apelando tanto para a base progressista que apoia Sanders, quanto para a facção centrista do partido. Warren está propondo duas grandes reformas, a Lei do Capitalismo Responsável e um projeto de lei anticorrupção.

Ela está propondo que as empresas que obtêm mais de US$ 1 bilhão em lucros (cerca de 3.500 empresas norte-americanas de capital aberto) sejam mais “responsáveis” perante os funcionários, e não apenas perante os acionistas. Como ela mesma observou, em uma coluna de opinião do Wall Street Journal em abril deste ano, “entre 2007 e 2016, grandes empresas americanas dedicaram 93% de seus ganhos aos acionistas, ignorando o bem-estar dos trabalhadores[2].

A proposta de Warren coincide com um relatório do Instituto de Política Econômica (EPI), que mostrou que “a relação de remuneração entre o CEO e os trabalhadores foi de 312 para 1 em 2017, muito superior à proporção de 20 para 1 em 1965 e mais de cinco vezes  maior que a proporção de 58 para 1 em 1989”[3]. O Projeto de Lei do Capitalismo Responsável tem os seguintes pontos:

  1. Transferência dos atuais mecanismos de regulação do estado para o nível federal,
  2. Os empregados dessas empresas elegem 40% do Conselho de Administração, e
  3. As empresas se tornarão “empresas beneficentes”, com responsabilidades fiduciárias para com seus acionistas e potencialmente além.

No entanto, a tímida reforma de Warren não questiona o direito das empresas de fazer bilhões nas costas dos trabalhadores ou de burlar o pagamento de impostos. Tudo o que ela está propondo é reverter “mudanças nas práticas de negócios que remontam aos anos 80”. Como ela diz, ela quer “voltar” ao tempo em que o capitalismo americano “funcionou” para a classe trabalhadora: “Durante grande parte da história dos EUA, as respostas foram claras. As corporações procuravam ter sucesso no mercado, mas também reconheciam suas obrigações para com funcionários, clientes e a comunidade … Essa abordagem funcionava. Empresas americanas e trabalhadores prosperaram[4]. Obviamente, gostaríamos de afirmar que essa abordagem de um capitalismo supostamente justo e pró-trabalhadores nunca existiu, porque o capitalismo em si nunca realmente funcionou para nós, mas apenas apesar de nós e contra nós.

Há, no entanto, vozes minoritárias no partido que discordam da opinião de Warren. Alexandria Ocasio-Cortez, por exemplo, concorda em voltar a um New Deal que, ao contrário de Warren, incluiria um melhor acesso ao sistema de saúde e ao ensino superior. Ela também apoia as reformas relativas ao ICE (para substituir o ICE por uma agência mais “humanitária”) e ao encarceramento em massa. Outra democrata progressista, Stacey Abrams, que recentemente ganhou a indicação ao cargo de governadora da Geórgia, propõe-se a se reconectar com aqueles que não comparecerem para votar, em vez de apelar aos eleitores de Trump ou republicanos em potencial.

Na Geórgia, um estado onde 30% da população é negra, há 1,1 milhão de eleitores negros registrados e 700 mil não registrados[5]. Esses candidatos “progressistas”, no entanto, estão presos na lógica conservadora do sistema eleitoral manipulado pelo dinheiro e no funcionamento de cima para baixo do PD, e é por isso que, como argumentamos neste artigo, eles terão, ou de rebaixar cada vez mais o seu programa (e ficar mais perto dos liberais centristas) ou de romper para formar um partido socialdemocrata.

Onde os democratas se enganam sobre a economia e os trabalhadores

Não só a bandeira da reforma de Warren é insuficiente, como também não funcionará. Michael Roberts, um importante economista marxista, criticou as propostas de Warren [6], bem como todas as tentativas de “consertar” o capitalismo apenas olhando para a redistribuição de renda e a regulação tímida, como ficando “longe de radical”. A desigualdade econômica não é a causa, mas o efeito do funcionamento capitalista, que sempre buscou “elevar a lucratividade durante os anos 80 e 90, elevando a taxa de mais-valia através do desemprego, demolindo os direitos trabalhistas, aprisionando os sindicatos, privatizando o patrimônio dos estados, ‘liberando’ os mercados, desregulamentando a indústria, reduzindo os impostos, etc. – em outras palavras, a agenda neoliberal[7].

Ao contrário do argumento de Warren, a ofensiva neoliberal contra os trabalhadores não é uma “exceção” do capitalismo americano, mas o desvelamento de seu verdadeiro caráter. O sistema capitalista de produção baseia-se na crescente exploração e opressão dos trabalhadores em todo o mundo e na destruição do planeta; ele é anárquico e instável em seu funcionamento, pois é marcado por uma baixa ou declinante taxa de retorno sobre o capital ao longo do tempo.

Sua natureza é a de gerar crises e guerras destrutivas periódicas. A questão para nós é saber se usaremos os efeitos devastadores da última crise para refletir sobre suas causas e propor soluções duradouras, ou vamos continuar trabalhando e acreditando em promessas “água-com-açúcar” delirantes de reformas econômicas.

As ideias de Warren são de fato velhas ideias que nunca funcionaram, propagandeadas de uma nova maneira. As tentativas de regular grandes trustes e corporações através de “cartas de concessões” já fracassaram no início de 1900, e não há indicação de que elas terão sucesso hoje, já que essas corporações são ainda mais poderosas agora. Por exemplo, a ideia de dar aos trabalhadores alguma representação nos conselhos de grandes empresas, como os históricos conselhos operários na Alemanha, resultou em pouca ou nenhuma redução da desigualdade[8].

Isso deixa, no entanto, grandes perguntas sem respostas para os liberais e progressistas como Sanders e Warren e seus seguidores, que estão propondo uma solução fácil: como eles propõem expropriar uma riqueza significativa dos 1% mais ricos para redistribuir entre os mais pobres sem uma luta de classes aberta? E, além disso, perguntamos: mesmo que consigam criar uma rede de previdência social viável para os 99% (e protejam o meio ambiente da ruína), como administrarão as inevitáveis ​​e periódicas crises do capitalismo, para não falar de refrear a atrocidade moral que é a exploração e opressão do Hemisfério Sul? [9]

As necessidades dos trabalhadores vão além dos problemas do “ganha-pão”

Os problemas gerais da estratégia do PD para reconquistar o Congresso são que as reformas propostas não atendem às crescentes necessidades da classe trabalhadora. Vejamos seu pacote econômico, pois eles estão decidindo se concentrar nisso às custas de outras necessidades vitais da classe: enquanto apoiam um projeto de lei para reduzir o preço dos remédios, eles não estão unidos em torno de uma campanha para o Medicare For All [sistema de saúde gratuito para todos], embora a maioria dos americanos e 74% dos democratas apoiem um plano nacional de saúde. Na Califórnia, onde há uma forte campanha do sindicato dos enfermeiros (CNA) e outros grupos sindicais e comunitários para apoiar o projeto de lei estadual SB562, que institui um sistema de saúde gratuito no estado, um deputado democrata, Anthony Rendon, matou o projeto em uma comissão em 2017, impedindo que fosse votado em 2018.

É verdade que o PD está dando um apoio tímido à Prop. 10, na Califórnia, um projeto de lei que revogaria a Lei Habitacional de 1995 de Costa-Hawkins, que impõe limites à legislação municipal de controle de aluguéis e, neste momento, tem apoio bipartidário. O PD, que poderia ter simplesmente promulgado a revogação da legislação de Costa-Hawkins, pois controla a Assembleia Legislativa, só começou a expressar esse apoio depois de uma campanha massiva de organizações comunitárias que reuniram as assinaturas necessárias para levá-lo a referendo popular em 2018. Além disso, não há sinal de interesse da liderança do PD nos níveis estadual e nacional para aprovar um plano real de moradia pública acessível e acabar ou mesmo reduzir a falta de moradia.

Ainda mais surpreendente é que o DNC (Comitê Nacional Democrata) desistiu de apoiar a aplicação de um salário mínimo vital em nível federal e quebrou sua promessa aos sindicatos de promulgar uma legislação trabalhista que proteja o direito de ingressar ou formar um sindicato sem medo de retaliação. As duas últimas pequenas reformas melhorariam drasticamente as condições de vida e de trabalho de nossa classe.

Outro grande problema é a abordagem dos democratas liberais à questão racial e de direitos das mulheres. A lição tirada pelo DNC em 2016 é que eles perderam a eleição porque estavam “muito focados” em questões de “política de identidade”. Este é um erro muito perigoso. É uma capitulação à ofensiva racista e machista do Partido Republicano e de Trump e à ideia reacionária de que os chamados problemas de identidade não são “questões da classe trabalhadora”. Assim, em relação à imigração, os candidatos nesta eleição intermediária do PD (mesmo aqueles como Ocasio-Cortez que apoiam a “abolição do ICE”) não pedem o fim imediato dos centros de deportação e detenção e um verdadeiro caminho para a cidadania para todos os imigrantes que vivem, trabalham e pagam impostos neste país, para não falar do único objetivo digno de socialistas: a abolição de todas as fronteiras nacionais.

Tampouco há qualquer proposta vinda dos prováveis candidatos em relação à agora bem conhecida questão da brutalidade policial contra as comunidades negras e, mais geralmente, quanto ao encarceramento em massa. Isso sem mencionar o fato de que, desde Obama, o PD adotou a agenda pró-Carta e pró-Voucher [isto é, financiamento público de escolas particulares, ndt] para lidar com a crescente falta de verbas públicas para a educação infantil, enquanto adota testes padronizados e a lógica neoliberal para avaliar e gerenciar instituições públicas de ensino. Os principais candidatos democratas – liberais ou não – são silenciosos ou, na melhor das hipóteses, tímidos, em todas essas questões.

Precisamos de mais do que uma “resistência”, precisamos de uma alternativa real

Ao mesmo tempo em que os liberais e o PD falam do lançamento de uma “Resistência” após a histórica Marcha das Mulheres de 2017, eles puxaram o freio de mão logo depois e se recusaram a continuar as mobilizações nas ruas. Depois de incentivar a ação nas ruas, as organizações lideradas pelo PD estão propondo substituir a ação de massa pela votação em novembro. Isso ficou muito claro na Marcha das Mulheres deste ano, quando os organizadores liberais tentaram impor seu slogan de “hoje marchamos, amanhã votamos” de cima para baixo.

O Partido Democrata sempre teve uma relação oportunista com as lutas dos trabalhadores: só os apoiou e mobilizou para controlar sua política e liderança e canalizá-los para o processo eleitoral. Esta proposta vazia de “Resistência” não irá parar ou reverter as atrocidades de Trump.

O banimento de muçulmanos foi temporariamente revertido, e a política de separações familiares foi revogada, apenas porque milhares de pessoas tomaram as ruas em uma ação unida, massiva e independente para se opor às ordens executivas de Trump. O mesmo vale para as impressionantes greves dos professores em Virginia Ocidental, Arizona, Oklahoma e Kentucky, ações que conquistaram importantes aumentos salariais e de verbas dos governadores republicanos.

Esse é o tipo de resistência que precisamos, uma resistência popular que mantém os olhos no objetivo, em atender às necessidades da classe trabalhadora e em continuar e aumentar nossa mobilização até que conquistemos nossas demandas, unindo nossas lutas para construir uma força de poder para a mudança. Lá, nas lutas cotidianas e na organização da nossa classe, é onde você vai nos encontrar e a muitos outros socialistas, que trazemos esperança real e mudança para os 99% de trabalhadores do país.

[1] ttps://www.theguardian.com/commentisfree/2017/jun/25/civil-war-raging-inside-democratic-party

[2] https://www.wsj.com/articles/companies-shouldnt-ser-countable-only-to-shareholders-1534287687

[3] https://www.epi.org/publication/ceo-compensation-surged-in-2017/

[4] https://www.wsj.com/articles/companies-shouldnt-ser-countable-only-to-shareholders-1534287687

[5] https://www.theatlantic.com/politics/archive/2018/05/who-does-the-democratic-party-stand-for/560417/

[6] https://thenextrecession.wordpress.com/2018/08/21/accountable-inclusive-or-responsible-capitalism/

[7] https://thenextrecession.wordpress.com/2014/03/11/is-inequality-the-cause-of-capitalist-crises/

[8] https://thenextrecession.wordpress.com/2018/08/21/accountable-inclusive-or-responsible-capitalism/

[9] https://thenextrecession.wordpress.com/2014/03/11/is-inequality-the-cause-of-capitalist-crises/

Tradução: Marcos Margarido

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