qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Estados Unidos | O que a votação de Bernie Sanders reflete?

Já são conhecidos os resultados da chamada “super terças” (votação em 14 estados) nas eleições primárias que definem os candidatos presidenciais dos tradicionais partidos burgueses imperialistas: os republicanos e os democratas.

Por: Alejandro Iturbe
Ambos os partidos expressam coalizões de diferentes setores burgueses imperialistas. Ao mesmo tempo, tradicionalmente, tem bases sociais eleitorais diferentes: os republicanos  assentam suas bases nos eleitores brancos da classe média, com maior peso no interior e nas cidades menores, e de visões reacionárias, a base democrata  era a classe operária e as minorias (fundamentalmente negros e latinos), com maior peso nas grandes cidades das costas leste e oeste, uma visão de maiores liberdades democráticas e de certa assistência social do Estado.
Isto faz com que existam estados nos quais os democratas sempre ganhem e outros em que ganham os republicanos, com um setor intermediário que oscila entre um e outro partido, e determina o resultado específico de cada eleição, em um regime político baseado na alternância dos partidos no poder.
Trump de novo?
Na eleição presidencial passada, com seu discurso, ao mesmo tempo reacionário e populista do “America first” (“Estados Unidos em primeiro lugar”), Trump conseguiu quebrar parte dessa hegemonia democrata entre os operários brancos e assim derrotar Hillary Clinton, em 2016 [1].
Nestas primárias, é praticamente certa a nomeação final de Donald Trump por parte dos republicanos. Fortalecido por ter derrotado o processo de impeachment no Senado e por uma situação econômica que, por enquanto se mantém estável, iria para sua reeleição à Casa Branca.
Trump entrou no partido no marco da profunda crise e fracionamento que este vivia depois do fracasso do projeto de George Bush nas guerras do Irã e Afeganistão, e conseguiu ganhar sua nomeação contra o tradicional aparato partidário. Posteriormente, no marco de uma polarização, se vê beneficiado por certo desgaste eleitoral dos democratas e, de uma maneira um pouco inesperada, é eleito presidente.
Não era o homem preferido pelos setores imperialistas da burguesia imperialista estadunidense mas estava ali. Algumas de suas visões políticas e seu estilo grosseiro provocaram varias crises nacionais e internacionais. Mas podemos dizer que esses setores burgueses aprenderam a coexistir com ele. Por um lado, tentam moderar suas explosões, por outro, tiram proveito com questões tais como a reforma fiscal impositiva (muito favorável às empresas) e a renegociação dos acordos de livre comercio com o México e o Canadá ou as relações comerciais com a China.
Com respeito ao movimento de massas, no início de seu próprio governo, teve que enfrentar fortes mobilizações da juventude e das mulheres. Depois houve uma grande mobilização contra algumas de suas medidas de ataque à entrada legal de imigrantes ou ao retorno dos que já viviam nos Estados Unidos. Houve também lutas da classe trabalhadora, entre as quais se destacam uma muito massiva pelo salário mínimo de 15 dólares por hora, nos setores de serviços, e a greve sem precedentes dos docentes de diversos Estados do país, na primavera boreal de 2018. Estes fatos marcaram uma mudança na dinâmica da luta de classes no país, em uma onda de lutas que ainda não está encerrada. Cabe acrescentar agora, as grandes mobilizações recentes contra o desastre climático nas quais Trump, por suas posições, é claramente o “inimigo”.
O Partido Democrata (ou seus quadros no movimento de massas) promoveu e participou de algumas dessas mobilizações, mas, no marco de sua estratégia eleitoral, sempre o fizeram para controlá-las e evitar que transbordassem para uma luta generalizada contra Trump.
Para além das bravatas de Trump, trata-se de um governo relativamente débil, condicionado tanto pela divisão da burguesia imperialista estadunidense como pela relação com o movimento de massas. Essa debilidade relativa se acentuou após as recentes eleições parlamentares de “meio mandato”, a derrota parcial de Trump frente aos democratas e a perda da maioria na Câmara de Deputados, que levou o regime institucional burguês dos EUA a uma situação de impasse.
Falamos de debilidade relativa mas não é um governo paralisado ou que não promova ofensivas. Por exemplo conseguiu nomear numerosos juízes conservadores e depurou a administração do Estado como nenhum outro presidente havia feito. Até o momento, nomeou 2 juízes do Supremo Tribunal, 44 juízes do Federal Circuit Courts e 112 dos District Court Judges. Isto é, mais ou menos 1 de cada 4 juízes hoje em exercício, foi nomeado por Trump.
Por outro lado, apesar dessa debilidade relativa, neste momento, uma combinação de fatores pode levá-lo a ser reeleito.
A situação dos democratas
Um dos fatores centrais que contribuem para isso, é a indefinição que o partido democrata vive em sua candidatura. O homem apoiado pelo aparato partidário é Joe Biden, de 77 anos, ex vice-presidente de Barack Obama [2]. É um político um tanto cinzento que desenvolveu toda sua carreira no aparato do partido, no Parlamento e no Estado. Trata-se, portanto, de um homem “confiável” para a burguesia imperialista, com um perfil público que o localiza a meio caminho entre a imagem conservadora de Hillary Clinton e a de “progressista de esquerda” de Sanders.
Entretanto, não estava conseguindo “decolar” nas eleições primárias. Um dos fatores que incidia foram as denuncias de corrupção empresarial no exterior de seu filho Hunter, detonadas por Trump [3]. Nas primárias iniciais obteve maus resultados e parecia que sua pré candidatura agonizava.
Entretanto, na última eleição realizada na Carolina do Sul, marcou um ponto de inflexão a partir do apoio massivo da base eleitoral negra. Isto se confirmou na super terça em que superou Bernie Sanders em 10 dos 14 estados e já acumula maior quantidade de delegados para a convenção democrata que é a que elege o candidato definitivo (345 a 27) [4]. Outros pré candidatos como Buttigieg e Klobuchar desistiram de suas postulações e telefonaram para apoiá-lo. Foi uma manobra bem sucedida do aparato democrata.
Mas a eleição primária democrata está longe de estar definida: são necessários 1.991 delegados para assegurar a nomeação e ainda faltam as votações em Estados que elegem muitos delegados como Nova York, Flórida, Ohio e Pensilvânia. O que parece claro é que a alternativa será entre Joe Biden e Bernie Sanders e que os outros postulantes (a senadora Elizabeth Warren, o milionário Michael Bloomberg, Pete Buttigied) terminarão declinando de suas pré candidaturas e orientarão seus delegados eleitos a apoiar  um ou outro.
 Bernie Sanders
O principal adversário de Joe Biden nestas primárias é o senador por Vermont, Bernie Sanders, de 78 anos. É uma figura muito particular dentro da política estadunidense: apresenta-se a si mesmo como “socialista democrático”, critica o capitalismo e propõe medidas como serviços de saúde gratuitos para todos (em um país onde este item é um dos mais caros do mundo) e cortar o poder econômico e político das grandes empresas e bancos.
Ainda que tente parecer como tal, Sanders não é na realidade um  outsider (fora da lei) do sistema político burguês: cumpre o papel de apresentar um discurso de esquerda para canalizar um setor da base eleitoral democrata que se radicalizou e é cada vez mais cético a respeito deste sistema político e com o próprio capitalismo. É um dique de contenção para evitar que essa base rompa com os democratas e os ultrapasse. Seu papel não é promover o “socialismo” pelo contrario é evitá-lo [5].
Entretanto, independentemente do verdadeiro papel político de Sanders, o certo é que esse discurso lhe permitiu ganhar espaço entre os trabalhadores, as minorias e essencialmente entre a juventude.
O fim do “sonho americano”
Isto se deve ao fato de que há varias décadas, acabou o chamado “sonho americano” nas massas que acreditavam que com “trabalho duro” e esforço, toda família de trabalhadores estadunidenses poderia melhorar cada vez mais seu nível de vida. Essa ilusão já não pode ser sustentada nem “vendida”. No país mais rico do mundo, em 2017, as estatísticas estimaram que mais de 13% da população do país vivia abaixo da linha da pobreza (23.000 dólares de rendimentos anuais para uma família de quatro pessoas). Falamos de quase 41 milhões de pessoas, mas a porcentagem é maior nas comunidades negra e latina.
É necessário ressaltar que o índice de pobreza é mais que o triplo de porcentagem de desemprego no mesmo ano (que havia caído a pouco mais de 4%). Para milhões de famílias, ter um emprego estável e receber um salário fixo não é suficiente para não ser pobre [6].
Um setor das massas cada vez acredita menos no “sistema”. Por isso, as greves e lutas aumentam, um setor da população se radicaliza politicamente e o expressa eleitoralmente no apoio a Sanders e seu discurso  “socialista”.  Como tal, este fenômeno é muito progressivo, ainda que Sanders pretenda levá-lo a uma via morta.
O problema é que para o aparato democrata (e o setor da burguesia imperialista que o controla) a função de Sanders é ser um “dique de contenção”, não o candidato do partido e menos ainda o futuro presidente. Esse papel está reservado para Joe Biden. Entre outras coisas porque se Sanders ganhar a presidência, as massas podem exigir que cumpra suas promessas “socialistas”.
Por isso, estão fazendo o impossível para que isto não aconteça e todo o aparato e os demais pré candidatos se unem contra ele: aos que desistiram antes da primária, agora se somam Bloomberg (que declarou seu apoio a Biden) e Elizabeth Warren, que disse que se retira, mais ainda não decidiu se apoia alguém ou não.
Na convenção, ainda resta o recurso dos “superdelegados”: cerca de 800 participantes que não são eleitos e sim designados pelos aparatos partidários. Finalmente, digamos que a convenção não está obrigada a eleger o candidato com mais delegados, e sim que podem eleger outro, se se considerar que as circunstancias o justificam.
Com certeza que o objetivo é conseguir que Biden seja eleito pelos canais normais (eleições primárias e convenção) mas não podemos descartar que, se não o conseguir, alguns setores democratas promovam “medidas extraordinárias” para evitar a nomeação de Sanders ou inclusive boicotar sua campanha se, apesar de tudo, o partido se ver obrigado a nomeá-lo [7]. Claro que qualquer uma das últimas alternativas deixaria o partido com um profundíssima crise já que seria como dizer que “é preferível que Trump vença”.
Tal como dissemos, a tendência da primária democrata está indefinida com varias hipóteses possíveis e também com varias alternativas do resultado da eleição presidencial final contra Trump. Entretanto, esta breve análise sobre o que expressa este protagonismo de Bernie Sanders é válido para qualquer das alternativas possíveis.
O lema de fundo dos democratas continua sendo “tudo será melhor conosco” (pela via eleitoral e dentro do sistema capitalista-imperialista). Isto é válido tanto se o candidato for Biden ou Sanders, ainda que o discurso de Sanders seja mais radicalizado e atraente para as massas, especialmente para a juventude.
Muitos setores de esquerda nos Estados Unidos e no mundo “compram o pacote completo” de Sanders sem diferenciar o que é o fenômeno progressivo da radicalização eleitoral que expressa, de seu verdadeiro papel de contenção no jogo político estadunidense. E chamam para apoiá-lo eleitoralmente ou, pior ainda, a confiar nele e em um possível e futuro governo.
De nossa parte, acreditamos que os trabalhadores e as massas estadunidenses não devem ouvir este “canto da sereia” dos democratas. Pelo contrario, devem redobrar suas lutas contra o governo de Trump e um possível futuro governo democrata e seus ataques. Assim poderão avançar em sua organização independente de toda variante burguesa. Por outro lado, os últimos governos democratas de Barack Obama já mostraram que não será com eles [representantes de uma fração da burguesia imperialista estadunidense] que os problemas dos trabalhadores, das trabalhadoras e das massas terão solução.
Sabemos que muitos ativistas não compartilham nossa opinião sobre Sanders e que o consideram um político progressivo que está lutando honestamente para combater o sistema e difundir as ideias socialistas. Já dissemos que não temos acordo com isto, mas o que é nítido é que esse combate não pode ocorrer dentro do aparato de um partido burguês imperialista como os democratas e na perspectiva de uma Convenção que é um “jogo de cartas marcadas” para que Biden vença.
Sanders por sua vez, disse que apoiará o candidato democrata que for eleito, tal como fez com Hillary Clinton na eleição anterior. Isto é, sempre acaba se disciplinando ao aparato do partido. Se Sanders for realmente independente e honesto há uma forma muito clara de demonstrá-lo: que rompa com o partido democrata e se apresente como candidato independente. Chamamos seus apoiadores e eleitores para promover esta proposta.
Notas:
[1] Sobre este tema recomendamos ler a revista Correio Internacional 16,  janeiro de 2017.
[2] Ver artigo em https://litci.org/es/menu/mundo/norteamerica/estados-unidos/el-impeachment-a-trump/
[3] Idem
[4] https://www.nytimes.com/?auth=linked-google1tap
[5] Ver artigo https://litci.org/es/menu/lit-ci-y-partidos/partidos/workers-voice-eeuu/elegir-bernie-sanders-2020-ayuda-la-lucha-socialismo-la-historia-las-contradicciones-la-politica-electoral-reformista/
[6] Ver artigo https://litci.org/pt/mundo/america-do-norte/eua/o-sonho-americano-morreu/
[7] https://vientosur.info/spip.php?article15663
Tradução: Lilian Enck

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