No apagar das luzes de 2006, em sua edição de 29 de novembro, a revista Veja publicou uma entrevista com David Rockefeller, o principal acionista do Chase Manhattan Bank (atual JP Morgan Chase). Sob o título “Um velho amigo”, a entrevista traz vários elogios ao dono de uma fortuna pessoal de US$ 2,6 bilhões, herdada de seu avô, John D. Rockefeller – o homem mais rico do mundo no início do século XX.
O Chase Manhattan tornou-se um dos maiores
Talvez a declaração mais polêmica de sua entrevista seja a defesa dos milionários e bilionários, pois, segundo ele, se eles não existissem, “duvido que o capitalismo tivesse sobrevivido”. Ao mesmo tempo afirma que o importante é o surgimento de uma grande classe média e a redução da pobreza, do que somente o capitalismo é capaz, já que o comunismo apenas “retardou o
As origens da fortuna do patriarca
Como diz a Veja, David Rockefeller carrega dinheiro em seu sobrenome. Talvez seja o caso de investigar como surgiu a fortuna construída por seu avô, John D. Rockefeller, que permitiu a seu neto predileto figurar entre os 30 homens mais ricos do mundo, mesmo com a herança do chefe do clã estar espalhada por mais de 60 herdeiros.
Todo esse capital tem, atualmente, garantida sua reprodução pela exploração da força de trabalho da classe operária, baseada nas leis vigentes e na idéia aceita naturalmente de que é preciso trabalhar para viver. Mas seu início não foi tão legal e natural como contam as lendas norte-americanas dos “self-made-men”.
John Rockefeller passou de es
O que nunca foi explicado é porque as mesmas ferrovias negavam-se a conceder acordos semelhantes aos concorrentes de Rockefeller do estado de Pittsburgh. Ao contrário, um acordo se
Mesmo que este cartel não fosse efetivado, sua ameaça propiciou que Rockefeller comprasse refinarias de competidores por 25% do valor de mercado, comprando 22 das 26 refinarias de Cleveland. Outra prática comum, praticada não apenas pela Standard Oil, era o “dumping” – a venda a preços sem lu
Rockefeller também praticou seus conceitos de “livre concorrência” no varejo, exigindo que os comerciantes vendessem apenas o querosene e lubrificantes da Standard Oil, sob a ameaça de abrir sua própria rede de vendas. Seus gerentes de vendas eram orientados a suprir pelo menos 85% do mercado. Estas práticas, quando levadas ao público, levaram a uma reação massiva da população, que fizeram campanhas contra o consumo de produtos da Standard Oil, e de produtores, que deixaram de vender-lhe petróleo. A reação da opinião pública foi tão grande que Rockefeller demitiu 90% de seus trabalhadores em 1872, e leis contra a formação de cartéis foram aprovadas no Congresso norte-americano. Em
No entanto, o capital acionário de Rockefeller duplicou já em 1912, devido à proliferação da indústria automobilística, que transformou a gasolina, anteriormente um subproduto do
refino, no principal negócio das refinarias. Para melhorar sua imagem, passou a fazer doações que chegaram a US$ 500 milhões, em valores do início do século XX, a entidades assistenciais, universidades e fundações de pesquisa ligadas à igreja batista da qual fazia parte, construindo sua fama de filantropo.
Acumulação primitiva e imperialismo
John Rockefeller acumulou sua riqueza nos Anos Dourados (1870-1890), uma época de enorme desenvolvimento econômico e expansão colonial do capitalismo europeu, aproveitada pela burguesia norte-americana do norte dos EUA que havia saído vitoriosa na recente Guerra da Secessão, terminada em
Mas, embora na Europa essa acumulação fosse um desenvolvimento “normal” do capitalismo, que já existia de forma incipiente desde o século XVI e como economia dominante de um Estado a partir da Revolução Francesa em 1789, nos EUA ainda se vivia uma fase de livre concorrência entre milhares de pequenos capitalistas. As refinarias, por exemplo, que existiam às centenas, cada uma delas de um proprietário individual, tinham uma capacidade total de refino três vezes superior à quantidade de petróleo retirado dos poços. Nesse ambiente de anarquia na produção a centralização era o caminho necessário do desenvolvimento capitalista para suportar a concorrência com a Europa e estava apenas esperando pelos burgueses que vencessem a guerra predatória pela sobrevivência. Nessa guerra, todos os meios para vencer a concorrência e conseguir uma acumulação “primitiva” eram válidos para o capital, da mesma forma que o foram na Europa durante o período de acumulação do capital industrial.
Para Marx, o segredo da acumulação primitiva do capital é a “expropriação dos cultivadores” durante a decadência do feudalismo, através da “conquista, a dominação, a rapina à mão armada, o predomínio da força bruta….Na realidade, os métodos de acumulação primitiva são tudo o que se queira, menos matéria de idílios”. Já na era do capitalismo industrial, em fins do século XVII, “os diferentes métodos de acumulação primitiva” formam um “conjunto sistemático, abrangendo ao mesmo tempo o regime colonial, o
Todas estas características estão presentes na “acumulação primitiva” da grande burguesia norte-americana, mas também aí a presença do Estado foi fundamental. Muitos historiadores dão a Rossevelt, presidente dos EUA de
Utilizou o poder de Estado, não para acabar com os cartéis, mas para regulamentá-lo e salvar o próprio negócio do petróleo, ameaçado pelo monopólio praticamente total da Standard Oil. A marcha dos acontecimentos mostra que em 1900 havia 185 grandes grupos industriais com um capital de US$ 3 bilhões, que saltaram para 318 com capital de US$ 7 bilhões em 1904, com as leis anti-trustes já
Além do petróleo, a concentração do capital ocorreu nas estradas de ferro, controladas por apenas seis grandes grupos que detinham 74% da extensão delas, na metalurgia, monopólio da United Steel Co. de Andrew Carnegie, e nas comunicações onde a AT&T (American Telephone & Telegraph) detinha o negócio nacionalmente.
Foi com este poderio que a burguesia norte-americana (e Rockefeller) preparou-se para a época imperialista, iniciada, segundo Lênin após a
Rockefeller e o capital financeiro
Embora tenha sido uma tendência irreversível do desenvolvimento capitalista, a transformação da livre concorrência em monopólio não foi uma transformação natural feita por heróicos pioneiros, como a história oficial de John Rockefeller procura demonstrar.
Tampouco o foi a t
ransformação do capital bancário em capital financeiro. O próprio surgimento dos bancos só pôde acontecer pela proteção dos estados capitalistas recém-formados na Europa. Segundo Marx, “a dívida pública opera como um dos agentes mais enérgicos da acumulação primitiva. … Os
Estas características perduram até hoje e são a base mesma dos grandes bancos
Tal des
Em 1901 Morgan tornou-se o principal acionista da U.S. Steel, a principal empresa siderúrgica norte-americana, que controlava 2/3 do mercado, formada através da fusão de várias siderúrgicas. John Rockefeller Jr., o filho do patriarca, herdou o Banco e tornou-se diretor da U.S. Steel. Em 1930, o Equitable Trust Company fundiu-se com o Chase National Bank, formando o Chase Manhattan Bank – transformando-se no maior banco norte-americano -, que em 2000 fundiu-se com o J.P. Morgan Co. para formar o JP Morgan Chase, na prática uma união dos negócios das famílias Morgan e Rockefeller, que dirigiam diversos monopólios nas áreas do petróleo, estradas de ferro, siderurgia e dos bancos.
Tais fusões demonstram como funcionou a concentração de capitais, formando monopólios em vários ramos de negócio, controlados por apenas duas famílias, e a fusão dos capitais industrial e bancário, que se transformaram num único capital financeiro.
Foi na qualidade de principal acionista do Chase Manhattan Bank que David Rockefeller, o principal herdeiro do patriarca e filho de John Rockefeller Jr, torna-se o principal
Tão legítimos quanto a atual dívida externa brasileira, que tem como patrona exatamente os empréstimos da década de 70, contraídos durante a ditadura militar, que fizeram a dívida saltar de US$ 601 milhões em 1949 para US$ 61 bilhões em 1994, dando início ao círculo vicioso de pagamento/juros que suportamos até hoje. Ou, levando-se em conta a América Latina, de US$ 17 bilhões no início da década de 70 para US$ 257 bilhões no fim da década de 80. [6]
Na verdade, o excedente de dólares nos grandes bancos ocidentais foi o resultado do aumento do preço do petróleo iniciado em 1974, articulado pelas grandes empresas petrolíferas mundiais que detinham a totalidade das reservas petrolíferas do Oriente Médio, como saída para a grande
Nada mais fácil do que utilizar os estados burgueses, principalmente aqueles governados por ditaduras militares, como o Brasil, para absorver os excedentes gerados, garantindo assim um sobre-lu
Mas isso não basta para explicar como uma família de bilionários conseguiu obter tantas vantagens e acordos com os estados nacionais, supostamente soberanos, mesmo sob ditaduras. Se a economia é a base que, em última instância, determina o conjunto das relações sociais, é necessária uma explicação da política implementada pela burguesia para impor sua vontade sobre milhões de seres humanos.
Da
Em 1973, David Rockefeller (o atual chefe do clã) fundou uma organização internacional chamada Trilateral, composta por 325 personalidades das maiores “demo
Seu objetivo oficial é uma “estreita cooperação trilateral em defesa da paz, no gerenciamento da economia mundial, na promoção do desenvolvimento econômico e para aliviar a pobreza para aumentar as chances de uma evolução pacífica e suave do sistema global”.
Com este tipo de linguagem e pelos seus componentes pode-se verificar sem esforço que se trata, na verdade, de um veículo para a consolidação internacional de interesses comerciais e financeiros dos principais monopólios através do controle político dos principais estados capitalistas, principalmente os EUA. Em outras palavras, trata-se da aplicação moderna de outra das características do imperialismo,des
Não foi coincidência que esta organização tenha sido fundada em 1973, em meio a uma das maiores
Outra ação importante foi a política de extermínio do campo vietnamita para destruir a base social do Vietcong. Segundo os ideólogos da Trilateral, “se a aplicação direta da força militar no campo tiver lugar de uma forma tal que force a migração maciça do campo para a cidade, então a revolução rural de inspiração maoísta pode ser suplantada pela revolução urbana apoiada pelos EUA” [7]. São desta época as tristemente lembradas bombas de Napalm.
Mas não bastava ter influência política, era necessário controlar o Estado. Para isso foi lançado Jimmy Carter, um membro da Trilateral que tinha menos de 4% de apoio no Partido Demo
Por isso, não nos surpreende que David Rockefeller tenha visitado o Brasil nos último três anos (a quarta vez seria após a entrevista à Veja), isto é, em todos os anos do governo Lula, e que seus conselhos sejam para o país se “concentrar em busca do
Conselho prontamente assimilado por Lula, que em seus discursos de início de novo mandato repete quase literalmente as palavras de Rockefeller. Na prática, estas palavras foram traduzidas no PAC, que significa a privatização da infra-estrutura do país com a aplicação das PPP, a privatização do ensino superior com a reforma universitária, que está nas entrelinhas de sua proposta de investimento na educação primária, e a reforma da Previdência.
Para terminar esta breve análise do clã dos Rockefeller, podemos dizer que, se é amigo da Veja e dos principais governantes do mundo, Lula incluído, então é inimigo dos trabalhadores. E quanto à sua afirmação de que sem os milionários o capitalismo não teria sobrevivido, só nos resta uma alternativa: a expropriação destes milionários para a destruição do capitalismo e a construção e uma sociedade socialista em todo o mundo.
1. Marx, A origem do Capital – a acumulação primitiva
2. Lênin, O imperialismo, fase superior do capitalismo
3. Marx, A origem do capital, a acumulação primitiva
4. Hilferding em Lênin, O imperialismo, fase superior do capitalismo
5. Lênin, O imperialismo, fase superior do capitalismo
6. Fatorelli Carneiro (org.), Auditoria da dívida externa: questão de soberania
7. Noam Chomsky, The Carter Administration: Myth and Reality, em www.chomsky.info/books/priorities01.htm