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sexta-feira, março 29, 2024

Mais de um ano de crise econômica… e de crise de direção

Os trabalhadores continuam pagando pela crise.

A crise econômica que estourou nos EUA no final de 2008 e que se propagou como pólvora por toda a economia internacional não acabou. Apesar da decidida intervenção do governo Obama para recuperar o sistema financeiro e reestabilizá-lo, as dificuldades persistem e sua debilidade continua sendo fonte de grandes contradições e preocupações para os governos, os patrões e os analistas financeiros.

Um ano e meio depois, a economia americana apresenta poucos sinais de recuperação. Não só a taxa de desemprego se mantém acima de 10% em todos os Estados, como o número total de desempregados aumenta a passos largos, ainda que essa crua realidade não seja refletida nas cifras arranjadas do governo.

Desde o início da crise, foram destruídos postos de trabalho num ritmo constante e abismal (entre 200.000 e 400.000 empregos eliminados a cada mês). No mês de outubro de 2009, superou-se a marca de 24 milhões de desempregados, que chegaram aos 27 milhões em janeiro de 2010. Inclusive o presidente do FED (Banco Central norte-americano), Ben Bernanke, admite que serão necessários no mínimo mais 5 anos para recuperar o nível de emprego de 2007.

Os trabalhadores seguem perdendo suas casas. Desde o princípio da crise ocorreram cerca de seis milhões de despejos, o que significa que seis milhões de famílias ficaram sem moradia e perderam todas as economias que haviam poupado com anos de trabalho para pagar a hipoteca.

Mas, como os preços da habitação não baixaram significativamente, a imensa maioria destas casas está desocupada e se deteriorando. A previsão é que o número de despejos continue aumentando e que, nos próximos 2 anos, mais 7 milhões de famílias fiquem sem casa. E o mais preocupante é que as famílias afetadas já não são as dos empréstimos sem qualidade dos "subprimes", mas, sim, hipotecas normais.

O que está ocorrendo é que o nível de desemprego está ameaçando a maioria dos trabalhadores que vivem numa situação de endividamento forçado.[1]

O governo Obama: das financeiras e da guerra

O governo Obama é um governo de austeridade seletiva. Argumenta que os EUA, o país mais rico do mundo, não podem garantir o sistema de saúde pública gratuita pelo qual as principais associações de médicos e sindicatos hospitalares, além de organizações comunitárias e outros setores organizados da classe operária, têm lutado e exigido do avarento Estado federal. Tal programa não é possível por seu alto custo… Ou porque Obama gastou o dinheiro em outras coisas!

Calcula-se que o governo Obama gastou um total de 13.3 trilhões de dólares para "salvar", ou melhor, refinanciar as empresas financeiras que se apoderaram do aparato do Estado. Calcula-se que essa cifra, além de ser uma das maiores transferências de riqueza pública para mãos privadas da história, equivale ao custo acumulado das mais importantes intervenções militares do país: a Revolução Americana, a Guerra de 1812, a Guerra Civil, a Guerra Hispano-Americana, a Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra Mundial, Vietnã, Iraque e Afeganistão). [2]

Apesar disso, o governo Obama segue aumentando o gasto militar no Iraque e Afeganistão enquanto continuam os cortes no gasto público que privam os trabalhadores dos serviços mínimos de educação, saúde e assistência social, além de destruir dezenas de milhares de postos de trabalho em cada Estado.

Por que não se abre uma brecha na confiança no governo Obama?

A agudização das contradições objetivas (como são os cortes orçamentários, as demissões massivas de trabalhadores, a privatização da educação pública e os cortes nos salários e benefícios sociais) já irrita os ânimos dos trabalhadores e torna cada vez mais complexo o funcionamento normal do governo e do Estado, que começam a ser mais impopulares. Ainda que estejamos longe de uma crise de confiança.

Pelo contrário, quando as pesquisas de popularidade mostravam que, no final do ano passado, só 22% da população apoiava a política do presidente, o governo Obama se pôs a trabalhar para dar aos trabalhadores uma ilusão de dinamismo e competência, tirando a Reforma da Saúde do bloqueio legislativo a que estava submetida.

Por um lado, a situação de incerteza e desesperança que invade a sociedade inteira alenta as massas trabalhadoras a lutar, como começam a mostrar as lutas por educação.

Por outro, e em meio a esta complexa situação econômica e política, o governo Obama trata de cumprir um papel de apaziguador das massas descontentes ao implementar políticas de apoio e fortalecimento do grande capital. Este busca desesperadamente ganhar tempo para restabelecer o equilíbrio econômico e tratar de regressar à normalidade, enquanto utiliza os meios de comunicação para difundir a massiva propaganda oficial e dar a sensação de controle e "ação de governo"… ainda que não seja uma ação a favor dos trabalhadores.

A crise de confiança começará, pois, quando a situação da classe trabalhadora, que piora a cada dia, não puder mais ser encoberta pela retórica do sacrifício compartilhado, do ativismo parlamentar e do otimismo com a nova mudança. Mas os trabalhadores só entenderão estas contradições quando se puserem a lutar e o governo os ignorar ou reprimir.

A volatilidade das massas, a “laje burocrática” e a tarefa dos revolucionários [3]

Visto que são as massas trabalhadoras que estão pagando um alto preço pela crise e que estão suportando o peso desta, o agravamento das dificuldades econômicas pode levar os trabalhadores a protagonizar um estouro de mobilização.

Tal tendência se insinuou na luta pela defesa da educação pública na California, que está se estendendo a outros Estados. Também é possível um novo ânimo nas mobilizações dos imigrantes, como ocorreu em 2006. O problema fundamental é a falta de uma direção política para as lutas ou sua extrema debilidade, como é o caso das lutas por educação, que não puderam se desenvolver na sua capacidade máxima.

É preciso ter em conta a presença de importantes fatores subjetivos adicionados à falta de uma direção revolucionária que represente os interesses dos trabalhadores. Trata-se do grande peso que têm os aparatos burocráticos dos sindicatos.

É possível uma explosão com caráter revolucionário detonada pelas lutas? Em nossa análise, não podemos esquecer que a maioria dos trabalhadores não está organizada, o que influi nas características de qualquer estouro e em sua relativa previsibilidade.

O que sabemos é que, a qualquer momento, um setor em luta pode iniciar uma explosão que leve o país a uma situação pré-revolucionária. Isso depende de uma combinação de elementos objetivos (situação material) e subjetivos (o nível da consciência e da organização). Os elementos objetivos são claros: estamos afundados na maior crise econômica desde os anos 30 e há previsões sérias de um agravamento da crise e, possivelmente, de uma segunda crise financeira, dado que as contradições do sistema persistem.

A tarefa dos revolucionários, pois, não acaba na análise da economia e das contradições na estrutura material da sociedade, mas começa aí mesmo. A tarefa dos revolucionários não é só uma tarefa de análise e de propaganda, é uma tarefa de transformação e resolução do problema subjetivo, problema histórico da classe operária, que é da direção política nas lutas.

A resolução da crise de direção não pode ser levada a cabo a partir dos livros, mas, sim, a partir da luta, construída com um trabalho incansável de agitação e organização, e lutando por disputar a direção dos movimentos com os reformistas e reacionários, sem cair no vanguardismo característico dos agitadores inexperientes, que nos afasta das massas.
Claro está que não podemos excluir que uma agudização da crise e das contradições objetivas rompa o equilíbrio precário que mantém hoje a classe operária desmoralizada e embrutecida. Mas essa possibilidade não pode servir de desculpa para não trabalhar por despertar os trabalhadores e dar-lhes confiança para lutar e reverter o curso da crise.

Fonte: A Voz dos Trabalhadores, no. 06. Agosto de 2010
__________
Notas
[1] Economic Crisis em 2010 and Beyond, January 2010, Jack Rasmus, Z Magazine.
[2] A year of banking bailout, Nomi Prins, Against the Current March-April 2010.
[3] “Laje burocrática”: metáfora que se refere à contenção das lutas exercida pelas burocracias sindicais, como “lajes” sobre a classe trabalhadora, impedindo seu ascenso.

Tradução: Thaís Moreira

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