sex mar 29, 2024
sexta-feira, março 29, 2024

A corrida pela vacina contra a Covid-19

Segundo relatórios da OMS (Organização Mundial da Saúde), atualmente estão sendo desenvolvidos 149 projetos de vacinas contra o coronavírus, das quais cerca de dez estão na fase mais avançada de experimentação. Algumas delas, como a do projeto conjunto da Universidade de Oxford e a Astra-Zeneca, prometem estar prontas para uso massivo “antes do final do ano”. No meio de uma pandemia que não para de crescer, seria uma boa notícia. Mas é necessário ver tudo o que há por trás dessa verdadeira “corrida pela vacina” que foi desencadeada entre as grandes corporações privadas de biomedicina.

Por: Alejandro Iturbe
É preciso dizer que já poderia existir uma vacina pronta porque houve um surto de coronavírus da SARS em 2002. Mas não foi feita porque naquele momento afetou apenas uma parte da população da Ásia e não daria lucros suficientes para os grandes laboratórios. Agora estão correndo atrás de uma situação muito grave e, além disso, em busca de seus lucros.
Nesta atual “corrida”, em primeiro lugar, parece estar o projeto de vacina desenvolvido em conjunto por cientistas da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha) e o laboratório Astra-Zeneca. Segundo dados da revista Forbes, esta empresa é um conglomerado privado de capitais anglo-suecos, possui um capital de mercado de quase 140 bilhões de dólares, vendas anuais de 26,2 bilhões de dólares, empresas em cerca de 100 países e 70.000 funcionários em todo o mundo [1].
Com esses dados, chama a atenção que Pascal Soriot, diretor geral da Astra-Zeneca, tenha declarado à rede RTL que, ao contrário do que foi declarado pelos laboratórios Pfizer, Merck e Moderna, o objetivo da empresa é fornecer a vacina desenvolvida por Oxford “a preço de custo”. Esse custo seria de 2,90 dólares por unidade “sem lucro” [2].
Um grande negócio
Alguém que dirige uma empresa que lucra com a saúde como negócio privado de repente teve um “acesso de ética” preocupado com o sofrimento dos povos diante da pandemia? Não acreditamos nisso. Os burgueses (e, em especial, os de uma empresa imperialista ) sempre têm segundas intenções. Vejamos então um pouco mais de perto o processo de pesquisa e produção dessa vacina.
Descobrimos que a “Astra-Zeneca assinou um contrato de US $ 1,2 bilhão com a agência BARDA (sigla em inglês para Autoridade de Pesquisa e Desenvolvimento Biomédico Avançado) do governo dos EUA, que prevê a entrega de 300 milhões de doses” [3]. Esse contrato faz parte da chamada Operation Warp Speed, lançada pelo governo de Donald Trump, com vários bilhões de dólares entregues a grandes conglomerados de biotecnologia para o desenvolvimento de uma vacina. Moderna recebeu 483 milhões, embora não tenha assinado um contrato de exclusividade de sua produção inicial, como fez a Astra-Zeneca [4].
Portanto, se multiplicarmos a quantidade de doses que serão entregues aos Estados Unidos pelo “preço de custo” anunciado por Paul Soriot, isso nos dará menos de 900 milhões de dólares. O “sem lucro” é então transformado em um lucro de US $ 300 milhões de dólares. Além disso, a Astra-Zeneca receberá 100 milhões de dólares do governo britânico para sua pesquisa [5]. É o que a burguesia chama de “um lucro adicional”.
Mas a questão não termina aqui. Paralelamente à última fase de teste de sua eficácia, esta empresa já está fabricando as vacinas para os Estados Unidos e anunciou que, posteriormente, teria capacidade para fabricar 2 bilhões de doses (o que representaria uma venda de 6 bilhões de dólares “a preço de custo”).
Os motivos de Trump
Quando começou a pandemia do Covid-19, o governo de Donald Trump apareceu como um dos mais irresponsáveis ​​do mundo em suas ações para enfrentá-la: disse que passaria rapidamente, recomendou não usar máscara e propôs combater o vírus com “injeções de desinfetantes” [ 6]. Essa irresponsabilidade fez dos Estados Unidos o país com o maior número de contágios e mortes no planeta.
Diante desse duro golpe da realidade, Trump foi mudando seu tom e, como vimos, destinou bilhões de dólares à pesquisa e teste de uma vacina. Mas as razões dessa mudança não se devem a uma “tomada de consciência” de seu erro, e sim a razões muito mais mesquinhas.
Em novembro serão realizadas as eleições presidenciais no país. Trump concorre por sua reeleição, mas as pesquisas apontam para uma ampla derrota para Joe Biden, candidato do Partido Democrata. Uma das razões centrais para essa possível derrota é justamente a percepção dos eleitores de seu péssimo controle da situação criada pela pandemia [7]. Trump precisa desesperadamente reverter essa imagem e, se possível, esperar pelo “milagre” de anunciar uma vacina de utilização em curto prazo.
Há uma questão ainda mais profunda: o governo de Trump foi colocado em xeque pela onda de grandes mobilizações que surgiram em resposta ao assassinato de George Floyd por um policial que o havia prendido. Essa onda de protestos contra o racismo, a violência policial e a injustiça social se espalhou por todo o país (mais de 600 cidades). Embora tenha sido encabeçada pela juventude negra, teve um caráter multirracial, com milhares de lutadores de “distintas cores”. O governo de Trump respondeu com repressão, mas a verdade é que não alcançou seu objetivo por esse meio. Abriu-se assim uma crise política geral que, embora as mobilizações tenham diminuído de intensidade, continua até agora. Ao mesmo tempo, essa onda de protestos impactou o mundo e, em muitas cidades, houve mobilizações solidárias e contra o racismo em seus próprios países.
Junto com esses fatores nacionais, assim como outras questões da realidade política e econômica mundial, Trump rompe a unidade imperialista na luta contra o coronavírus ao priorizar em termos absolutos o fornecimento da vacina aos Estados Unidos (com a Grã-Bretanha como sócia menor) em detrimento dos outros países imperialistas. Diante dessa atitude de “se isolar”, o governo francês “protestou após o anúncio da gigante farmacêutica francesa Sanofi de que dará prioridade aos Estados Unidos se encontrar uma vacina contra o Covid 19, uma medida ‘inaceitável’ em plena pandemia” [8]. Por seu lado, a chanceler alemã Angela Merkel pediu “cooperação na luta contra a propagação do COVID-19 e trabalhar conjuntamente pela elaboração de testes, medicamentos e uma vacina para todas as pessoas” [9].
Uma questão ainda mais profunda
Mas há uma estrutura de fundo nesse giro de Trump. A burguesia norte-americana, como as outras burguesias imperialistas e as dos países dependentes, promove uma retirada das medidas de quarentena e de restrição necessárias para combater a pandemia, quando está muito longe de ter sido derrotada. Pelo contrário, continua crescendo nos Estados Unidos, América Latina e outras regiões e ameaça uma “segunda onda” na Europa.
Essas burguesias, mesmo aquelas que aplicaram “quarentenas severas” e políticas aparentemente mais sérias, o fizeram após um longo período de destruição dos sistemas de saúde públicos e de seus centros de pesquisa. Nunca realizaram os investimentos necessários para um verdadeiro combate contra a pandemia, porque sempre predominou a defesa dos rendimentos e dos lucros da burguesia acima da defesa profunda da saúde da população.
Agora, como dissemos em um artigo anterior, “preocupados com os lucros burgueses e sua queda diante das medidas de restrição, os governos começaram a suspender essas medidas sem ter derrotado a pandemia. Esta é a verdadeira razão da aceleração da pandemia: a ânsia de lucro da burguesia, ainda que seja à custa da vida de milhares de trabalhadores” [10]. Fazem isso com o hipócrita slogan da “nova normalidade”.
Nessa política de retomar os “níveis normais” de exploração dos trabalhadores e de recuperar seus lucros, dizer que existe uma vacina a ser aplicada em breve é ​​uma ferramenta para tentar enganar os trabalhadores de que eles serão os grandes beneficiários dessa volta da “vida normal”.
Se realmente houver nos próximos meses uma vacina eficaz contra o Covid-19 será uma boa notícia e uma vitória da ciência. Mas nas mãos da burguesia, essa boa notícia escorrerá como água entre os dedos para os trabalhadores e as massas.
Basta dizer que, em meio à pandemia, quando milhões de trabalhadores perderam seus empregos, foram infectados ou morreram, as grandes fortunas do mundo continuaram crescendo obscenamente: somente entre março e abril deste ano elas aumentaram em 282 bilhões de dólares (o equivalente, por exemplo, à soma de um salário mínimo de todos os trabalhadores brasileiros em um ano) [11].
A “nova normalidade” retomaria, na melhor das hipóteses, os níveis de exploração e ataques das burguesias e dos governos de antes do início da pandemia. A realidade é que será muito pior, uma vez que será feita com base nos ataques realizados nos últimos meses: demissões e/ou suspensões massivas; desconhecimento de acordos coletivos de trabalho; eliminação de conquistas históricas como a estabilidade no emprego e férias, etc.
A pandemia não foi derrotada e os trabalhadores devem continuar sofrendo suas consequências junto com esse severo cenário. Uma vacina eficaz contra o coronavírus seria, como observamos, uma grande vitória contra a pandemia. Mas nas mãos da burguesia isso significará apenas mais exploração para os trabalhadores a serviço de seus lucros. Para acabar com isso, não é necessário apenas derrotar a pandemia, mas também o capitalismo imperialista como um todo.
Para enfrentar esses graves problemas dos trabalhadores e das massas (a pandemia e o aumento cada vez maior da exploração capitalista), a LIT-QI elaborou e publicou um “Programa de Emergência contra a Pandemia e a Crise Econômica” com propostas de luta para avançar nesse caminho.
Notas:
[1] https://www.forbes.com/companies/astrazeneca/#70a2ed9a6866
[2] https://www.elcomercio.com/tendencia/costo-vacuna-oxford-astrazenca-covid19.html
[3] Idem
[4] https://www.dw.com/es/ee-uu-don%C3%B3-us-1000-millones-a-astrazeneca-para-crear-una-vacuna/a-53523935.
[5] Idem
[6] https://www.bbc.com/mundo/noticias-internacional-53499957.
[7] https://www.infobae.com/america/eeuu/2020/07/20/elecciones-en-estados-unidos-una-nueva-encuesta-coloco-a-joe-biden-15-puntos-por -em-frente-de-donald-trump /
[8] https://www.dw.com/es/sanofi-da-prioridad-a-ee-uu-para-vacuna-contra-covid-19/a-53436248
[9] https://www.dw.com/es/merkel-pide-una-vacuna-de-la-covid-19-para-todos/a-53310699.
[10] https://litci.org/pt/mundo/america-latina/argentina/a-pandemia-continua-crescendo/
[11]https://www.eulixe.com/articulo/society/mas-ricos-hacen-negocio-pandemia/20200504202734019264.html
Tradução: Tae Amaru

Confira nossos outros conteúdos

Artigos mais populares