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quinta-feira, março 28, 2024

Mali| Golpe de Estado Pró imperialista. Fora já as tropas francesas do Mali!

No dia 18 de agosto, o Exército do Mali prendeu e destituiu o presidente Ibrahim Boubacar Këita (IBK). Um golpe de Estado que provoca muitas discussões. A primeira grande discussão é sobre a presença militar de forças de intervenção europeia, em especial da França; como consequência a repressão aos trabalhadores em luta (professores, ferroviários e funcionários públicos); a repulsa contra a tentativa de dividir o país; a violência das tropas de ocupação estrangeira contra as populações locais. E se ainda não bastasse vale a pena conferir as posições de NPA (Novo Partido Anticapitalista) da França.

Por: Cesar Neto
A República do Mali, é o sétimo maior país africano. Faz divisa ao norte com a Argélia, ao leste com Níger, a oeste com Mauritânia e Senegal e ao sul com Costa do Marfim, Guiné e Burkina Faso.  A sua localização, sem saída para o mar e rodeado por países produtores de ouro, petróleo e urânio, fazem do Mali um importante ponto da geopolítica africana. A região norte, onde está a faixa do Sahel, é pouco habitada, porém é rica em ouro e urânio.
Desde 2013, o país foi ocupado, inicialmente por tropas francesas e ao longo do tempo por tropas multinacionais organizadas pela ONU. As tropas francesas que ocupam a República do Mali são conhecidas como Barkhane que é composta por 5.000 soldados e pela MINUSMA (Missão Multidimensional Integrada de Estabilização das Nações Unidas no Mali) com 14.000 soldados.  Além dessas tropas, tem a EUTM (Missão de Adestramento da União Européia) com 1.066 formado por integrantes de 21 países da União Européia,e mais a EUCAP (Missão de Fomento da Capacidade da União Européia), com 200 assessores militares. E em julho de 2020 se agregou a Taskforce Takuba com outros 600 assessores.

E o que levou esses mais de 20 mil militares ao país?
Desde a década de 1990, durante a guerra civil da Argélia, grupos jihadistas começaram a estabelecer bases no norte do Mali e do Niger. Este processo ganhou um salto de qualidade, entre 2011 e 2012, quando outros grupos jihadistas provenientes da Líbia, atravessaram o deserto de Sahel com seus armamentos pesado e se estabeleceram no norte do Mali. Em 2013, com o argumento de impedir o terrorismo e controlar grupos jihadistas, começou a ocupação militar europeia, em especial das tropas francesas.
O principal alvo é o terrorismo? Não. Os jihadistas não são o principal alvo da ocupação militar. Para muitos analistas: “A intervenção francesa no Mali camufla um projeto de apropriação dos recursos naturais do país. O norte do Mali é considerado por muitos especialistas na questão como uma área extremamente rica em urânio e outros recursos minerais”[1]
O urânio da região tem enorme importância para as usinas nucleares da Europa, em especial para França e Bélgica. Isso se deve ao fato de que o urânio do Níger, país vizinho ao Mali, ilumina Paris, a Cidade Luz.[2] Há décadas a França é uma consumidora quase que exclusiva do urânio do Níger, e que por sua vez, este país, recebe apenas 5% dos valores auferidos da exploração e venda de urânio de suas terras. Portanto, neste caso, além do interesse pela exploração do urânio do Mali,aos franceses ainda interessa “estabilizar” a região para continuarem explorando o urânio tanto do Níger como do Mali.

IBK e Macron – O presidente francês Emmanuel Macron, à direita, cumprimenta o presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, antes de uma reunião na cúpula do G5 Sahel em Pau, sudoeste da França, 13 de janeiro de 2020

O ouro é outro mineral que atrai os interesses imperialistas.  Em 2019, foram extraídas 71,1 toneladas de ouro do Mali, que significou a terceira maior produção do continente. No entanto, no país, por imposição do Banco Mundial e do FMI, não há exploração de ouro por empresas estatais e a exploração é feita por empresas transnacionais como: Barrick Gold do Canadá, Hummingbird Resources do Reino Unido e a norte americana Anglo Gold Ashanti que estão entre as maiores produtoras do país.
O norte da África, para os europeus, se tornou importante por dois motivos, um deles é para o controle e pilhagem das riquezas minerais. E outro é para o controle e repressão da imigração proveniente da própria África, pois essa região se transformou em uma importante rota de fluxos migratórios provenientes de diversos países do continente. Joseph Borrel, Alto Representante da União Européia para Assuntos Exteriores afirmou ao jornal belga, De Standaard,que: “o norte de África é o ‘quintal’ da Europa e os problemas da região deveriam ser resolvidos por meio de uma força militar comum”[3], ou seja, com a ocupação da região por tropas militares estrangeiras.
A ocupação militar desestabilizou o país
Quando se iniciou a ocupação militar, em 2013, havia quatro grupos jihadistas, hoje são 7 jihadistas e pelo menos outras quatro milícias formadas por composição étnica. Frequentemente há enfrentamentos entre grupos étnicos que antes viviam em paz e atualmente são fomentadas escaramuças pelas tropas de ocupação,com isso,existem atos de violência e de terrorismo entre as diversas etnias. Segundo a própria ONU, mais de 4.000 pessoas morrem por ano em função desses enfrentamentos, isto é, mais de dez pessoas por dia são mortas.
A ocupação militar está dividindo o país
Há um sentimento, entre os malineses, de que a França está jogando pela divisão do país. É uma discussão tão frequente por parte do povo do Mali que até mesmo o popular cantor Salif Keita gravou um vídeo denunciando as intenções divisionista da França. Há evidências bastante contundentes da colaboração do governo francês com os jihadistas e as forças touaregs para o controle do norte do país. A denúncia feita por Oumar Mariko, do Solidarité Africaine pour la Democratie et l’Independence (SADI), afirma que: “o próprio ex presidente IBK para poder visitar determinadas localidades do país deve obter a autorização dos grupos rebeldes ou da França”. E conclui: “nestas condições onde está a independência e a soberania do Estado do Mali sobre o seu território”.
A França fez aprovar nos Acordos de Argel, em 2015, que a cidade de Kidal deveria ser entregue ao MNLA (Movimento Nacional pela Liberação de Azawad), isto é, a um movimento que advoga pela de divisão dessa região da República do Mali.
A ocupação militar desestabilizou ainda mais a economia
A atual ocupação militar não se restringe a presença de tropas militares estrangeiras. A ocupação militar vem acompanhada de maior ingerência política e econômica, ou seja, gera uma grande instabilidade. De tal sorte que, no campo econômico, o governo atrasou os salários e teve que se enfrentar com greves prolongadas de funcionários públicos e de professores, além das greves dos ferroviários da empresa norte americana Savage Corporation.
A ocupação militar despertou o sentimento anti-imperialista
Desde o verão de 2017 as manifestações vêm ocorrendo no Mali, cada vez mais numerosas, frequentes e com mais violência estatal. Desde o início, o principal motivo era a percepção de que o país está sendo dividido pelo imperialismo francês e que o presidente Ibrahim Boubacar Keita (IBK) é cúmplice dessa política e deveria ser destituído.
Essas revoltas voltaram a acontecer em vários momentos como no verão de 2018, abril de 2019, março, junho e julho de 2020. Na última manifestação teve como saldo 11 mortos e a disposição de fazer uma nova e gigantesca manifestação marcada para o dia 22 de agosto.
As consignas nos cartazes e gritadas nas mobilizações expressavam a raiva contra a ocupação francesa, assim como com relação a outros países europeus: Abaixo a França! França, fora daqui! O governo francês é uma praga no nosso desenvolvimento!
Desde as manifestações, de abril de 2019, IBK já não governava. Cada vez mais as ruas impunham a agenda política do país. E por isso, a França e os EUA tentaram um governo de unidade nacional presidido por IBK e as massas seguiram em grandes ações através de greves e das mobilizações, em 2020, e dessa forma disseram um claro e categórico, não a conformação de um governo de unidade nacional proposto pelo imperialismo.
Um golpe de Estado para controlar o movimento de massas e manter a dominação imperial
A primeira pergunta que temos a fazer é: quais os interesses de classe que estão por detrás do golpe? A segunda pergunta, e não menos importante, é: sobre o papel das nações imperialistas para a consumação do motim militar?
Desta maneira, as dificuldades econômicas, a violência interétnica, a tentativa de divisão do país e como se ainda fosse pouco, a falta de resposta para a pandemia do Covid 19,que provocaram gigantescas manifestações, greves de professores, funcionários públicos e ferroviários. As greves e mobilizações sempre tinham como alvo o governo Ibrahim Boubacar Këita (IBK). Ao mesmo tempo, para as massas,estava colocado a lealdade do governo de IBK com a França que representava a raiz de todos os problemas.
Por esse motivo, as manifestações, que inicialmente eram contra o governo, logo se transformaram em manifestações contra a França e o seu administrador colonial. Como disse anteriormente, as mobilizações vinham acontecendo há quase três anos, cada vez mais radicalizadas e, ao mesmo tempo,começavam a influenciar povos de outros países vizinhos a lutarem contra o imperialismo francês. O golpe veio para dar um basta nesta incômoda situação de instabilidade, já que a estabilidade e governabilidade são tão necessárias para a exploração burguesa.
O golpe que foi no dia 18 agosto se antecipando a uma nova e possível maior mobilização contra Keita e o imperialismo francês, que aconteceria no dia 22.08. Esta visão também é expressa pela rede Al Jazzera, quando diz que “o golpe coincidiu com os planos da oposição de retomar os protestos contra Keita”. E ainda o portavoz do Comitê Nacional para a Salvação do Povo, o coronel Ismael Wague, confirma essa opinião, de que o golpe foi para controlar as mobilizações, e diz que:  “Não gostamos de poder, mas sim da estabilidade do país”[4].
Assim, o porta-voz do Comitê Nacional para a Salvação do Povo, o coronel Ismael Wague, disse em entrevista no dia posterior ao golpe, que já demonstrava sua irritação com as greves e defendia a estabilidade do país. Segundo ele, “os funcionários públicos também deveriam voltar ao trabalho a partir de quinta-feira” e que a junta estava tomando “todas as medidas para proteger o pessoal e seus pertences, bem como seu local de trabalho”[5].
A continuidade da presença das tropas estrangeiras nunca esteve questionada, nem por parte da França e muito menos por parte dos militares do Comitê Nacional para a Salvação do Povo. A ministra da Defesa francesa, Florence Parly afirmou, dois dias depois do golpe que[6] “as operações de contraterrorismo continuarão apesar do golpe” e que “a França está trabalhando com aliados europeus e regionais”, para que “continuemos nosso combate ao terrorismo na região” para a segurança do Sahel e da Europa.
Nesse sentido, frente as preocupações, dos governos tanto europeus como o norte americano, de que o golpe de Estado poderia interromper a campanha contra o Al-Qaeda e ISIL (ISIS) que operam no norte e centro do Mali e na região do Sahel na África Ocidental, o coronel Assimi Goita prometeu respeitar “todos os acordos anteriores”, incluindo missões internacionais anti-rebeldes.[7]
O Novo Partido Anticapitalista francês capitula ao seu próprio imperialismo
O Novo Partido Anticapitalista, como o próprio nome diz, se reivindica como anticapitalista. Será? Nós temos profundas e arraigadas dúvidas. Como um partido que luta contra o capital pode se dirigir a um governo capitalista e imperialista,como o francês, para “exigir que as autoridades deixem de proteger o governo do Presidente IBK[8]“. Entende-se que um partido anticapitalista, deve em primeiro lugar denunciar o caráter imperialista do governo francês e chamar os próprios trabalhadores franceses a derrubar esse governo. O NPA não pode desconhecer que há décadas a França rouba o urânio do Níger e que lança seus olhos para Mali. O NPA não pode desconhecer que a França colocou suas tropas na região com o intuito de dividir o Mali, controlar a região e, sobretudo, garantir a exploração mineral.
Um mês antes do motim militar, o NPA, ao comentar as mobilizações, descrevia a direção do  movimento como “um grande arco de forças, desde o ativista anticorrupção e professor de literatura Clément Dembélé – cujo ‘desaparecimento forçado’ por duas semanas em maio de 2020 também foi motivo de protesto – ao partido de inspiração historicamente marxista -léniniste SADI (Solidariedade Africana para o Desenvolvimento e Independência) e através de alguns dos líderes religiosos”[9].
E quem é o SADI (Solidariedade Africana para o Desenvolvimento e Independência) que o NPA reivindica? É um partido reformista e que teve como política dizer aos jovens e trabalhadores que incendiavam casas, no dia 18 de agosto, que deveriam ficar ao lado dos militares, do Comitê Nacional para a Salvação do Povo, isto é, a se posicionarem ao lado dos militares que são tão apoiadores da ocupação francesa como o deposto governo de IBK.
O NPA, diz na declaração, “apoiará as mobilizações populares e a solidariedade na França com o povo do Mali”. Aqui cabe a pergunta: vão dizer aos trabalhadores franceses que eles têm que se associar com o povo do Mali para expulsar as tropas de ocupação e as empresas francesas ou vão se limitar a falar da “unidade do movimento e a satisfação das legítimas reivindicações da população são essenciais” sem denunciar o seu próprio imperialismo?  Vão dizer a verdade para os trabalhadores ou vão esconder a verdade?
Por um programa e uma campanha:anti-imperialista e anticapitalista
O novo governo do Comitê Nacional para a Salvação do Povo, por apoiar a ocupação militar, por ser um movimento de militares de alta patente treinados na França, EUA e Alemanha,  não mudou e nem mudará a situação do país.
O capitalismo através dos países imperialistas e das transnacionais vem há décadas saqueando as riquezas nacionais, super explorando a classe trabalhadora e ocupando as terras dos povos originários, colocando o país em situação de guerra e é o único responsável da pobreza atual. E é por isso que existe a necessidade imperiosa de destruir o estado capitalista e construir uma sociedade realmente justa e solidária, uma sociedade socialista.
Os trabalhadores e o povo do Mali só podem contar com as suas próprias forças e a ajuda da classe trabalhadora francesa e européia para a sua autodeterminação. É preciso uma campanha internacional de solidariedade com o povo do Mali. Uma campanha com eixos anti-imperialistas e anticapitalistas:
* Suspensão imediata do pagamento da dívida externa;
* Nacionalização e estatização da produção mineral. Fora todas as transnacionais.
* Construir pontes de solidariedade com os trabalhadores dos países imperialistas.
* Fora as tropas de ocupação.
* Abaixo o governo do Comitê Nacional para a Salvação do Povo.
* Por um governo dos trabalhadores e do povo pobre.
[1] https://maliactu.net/mali-kidal-que-cache-la-france/
[2] https://litci.org/es/menu/movimiento-obrero/africa-nacionalizar-y-estatizar-la-produccion-mineral-para-poder-vivir/
[3] De Standaard – 23.11.2019
[4] www.aljazeera.com/news/2020/08/mali-soldiers-promise-elections-coup-200819094832716.html
[5]www.transcontinental.com.au/story/6887085/mali-colonel-declares-himself-junta-head/?cs=11800
[6]www.stripes.com/news/africa/thousands-in-mali-s-capital-welcome-president-s-downfall-1.642060
[7] www.aljazeera.com/news/2020/08/mali-troops-plan-transitional-gov-africa-bloc-send-envoys-200820163514684.html
[8] https://npa2009.org/communique/solidarite-avec-le-mouvement-de-protestation-au-mali
[9] https://npa2009.org/communique/solidarite-avec-le-mouvement-de-protestation-au-mali

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