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sexta-feira, março 29, 2024

Trabalhadores voltam às ruas de Argel contra o regime de Buteflika

O povo argelino, de histórica e honrosa tradição de luta, iniciou 2019 realizando grandes manifestações contra o governo. Os protestos começaram em fevereiro, tiveram seu ponto alto em 8 de março, e continuaram com uma greve geral em 10 março. Tudo isso fez com que o regime bonapartista de Buteflika desse seu primeiro passo atrás.

Por: Américo Gomes

Abdelaziz Buteflika anunciou a renúncia à sua candidatura para as eleições que iriam se realizar em abril, para seu 5º mandato, em 11 de março. Antes havia demonstrado cinismo e desprezo pelo sentimento popular ao afirmar que tinham solicitado que ele ficasse, “ardentemente”, no poder. Foi demais. As massas foram às ruas mostrar que “ardentemente” não o queriam. Junto com sua renuncia anunciou a suspenção das eleições presidências de 18 de abril e a demissão do odiado primeiro ministro Ahmed Ouyahia.

Não é pouca coisa, Buteflika, e sua coalizão, que tem a Frente de Liberación Nacional –FLN – no comando, controlam totalmente o processo eleitoral, e todas as TVs públicas e privadas do país, com uma oposição marginal e desprezível. Buteflika se soma a mais um dos governos africanos que entrega os anéis com medo de perder os dedos.

Mesmo assim Buteflika, tenta manter o controle da situação, buscando uma saída para seu governo e regime. A primeira delas é manter o controle do processo eleitoral, já que controla o Senado e o Conselho Constitucional e busca, através de uma “biônica” Conferência Nacional, apontar uma saída somente para daqui a dois anos.

O “reino” de Buteflika vem há 20 anos submetendo o povo a impressionantes e incessantes escândalos: tráfico de cocaína, corrupção, dilapidação de dinheiro público, privatizações, envolvendo sua família e seus correligionários.

Como os trabalhadores e o povo protestaram contra isso, a resposta do governo tem sido a repressão: proibições ao direito de greve, mudanças do Código do Trabalho em Código do Capital, detenções arbitrarias de trabalhadoras e trabalhadores, ativistas e jornalistas; proibição das manifestações; detenções de militantes.

O povo argelino tem uma tradição anti-imperialista o que obrigou o governo a não aceitar bases militares estrangeiras ou instalações de centros de trânsito para migrantes no país, mas o governo de Buteflika aceita cada vez mais a relação com os regimes ditatoriais e criminosos sauditas. Não se pronuncia contra Israel e não se opõem à multiplicação das bases e intervenções americanas e francesas na região, chegando mesmo a enviar o ANP (Exército argelino) para participar em manobras militares, chamadas “Flintock 2019” em Burkina Faso e Mauritânia, sob supervisão da Africom.

Por tudo isso as manifestações continuaram. Milhões de argelinos voltaram às ruas em Argel na sexta-feira, 15 de março, pela quarta vez consecutiva, contra a permanência de Buteflika no poder, assim como em todas as principais cidades da Argélia, agora contra o presidente e todo o seu regime.

No domingo, 17 de março, os protestos e manifestações continuaram nas cidades de Boumerdes e Annaba, com milhares nas ruas, e no mesmo dia com os petroleiros da empresa, Sonatrach, que emprega cerca de 120.000 trabalhadores e é um dos pilares da economia da Argélia, na cidade Hassi Rmel.[1]

O regime esta diante de um dilema nunca visto em 20 anos: ou Buteflika deixa o poder, ou será forçado a esmagar uma rebelião.

Para evitar a divulgação dos protestos o governo não está concedendo vistos aos meios de comunicação estrangeiros, mas não consegue impedir a divulgação de centenas de vídeos nas redes sociais que mostram os manifestantes nas principais cidades do país. Os protestos têm na sua vanguarda estudantes, professores, jornalistas, advogados e até juízes de tribunais de vários municípios. Aos quais se somaram as torcidas dos dois maiores e rivais times de futebol: Usma e Mca, que decidiram boicotar o jogo para evitar os jogos e não desviar a atenção dos protestos.

Milhares vão ao centro em meio à paralisação dos meios de transporte públicos (ônibus, metrô e bonde), com cartazes como: “Você prolonga o mandato, nós vamos ao combate.” “A rua não será silenciosa“, “Meu ex não tem que escolher meu novo marido.”

Em especial: “Não há alternativa designada pela França” e “Nem Washington nem Paris. Nós escolhemos o presidente“, demonstrando que muitos manifestantes identificam a ingerência francesa, e protestam contra ela e contra Macron.

Os trabalhadores têm que assumir a vanguarda

Os trabalhadores argelinos, com suas organizações, devem continuar e assumir a vanguarda desta luta democrática, derrubar o governo de Buteflika e conseguir suas reivindicações.

Não podem aceitar somente uma mudança do governo ou mudanças paliativas do regime, mas devem exigir mudanças radicais. Que além de troca os postos de guarda haja mudanças econômicas que levem a melhoria de vida para o conjunto da população. Uma mudança na política antissocial e antinacional que privilegia a burguesia nacional oligarca e as multinacionais com o saque das riquezas nacionais. Com destaque para a ingerência francesa e norte-americana.

Por isso as manifestações e greves vão continuar, apontando uma perspectiva democrática, mas também social-antipatronal e nacional-anti-imperialista.

Hoje os trabalhadores na Argélia não acreditam nos partidos de oposição, que vivem em crises recorrentes, e nem nos sindicatos. O islamismo radical que havia conseguido apoio de massas em 1980-1990, já não tem o mesmo prestigio, mas nenhuma outra força política tem ocupado o espaço deixado por ele.

O primeiro passo foi conquistado quando Buteflika anunciou sua renúncia, mas segue presidente. Não tem data de saída. Não ha data de novas eleições. Não há data para nova Constituição para a Segunda República.

As massas que entraram em movimento, com os trabalhadores na vanguarda, com as mulheres e a juventude, não querem nem podem parar, se trata de derrubar Buteflika, impor uma verdadeira Assembleia Constituinte, com delegadas e delegados eleitos em base a esta mobilização e a auto-organização da classe trabalhadora que pode se realizar.

[1] https://www.europapress.es/internacional/noticia-continuan-protestas-manifestaciones-contra-buteflika-argelia-20190317152142.html

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