sex mar 29, 2024
sexta-feira, março 29, 2024

“Vinte anos após a vitória do CNA, os trabalhadores não ganharam nada”


“Vinte anos após a vitória do CNA, os trabalhadores não ganharam nada”

 

“A juventude na África do Sul hoje perdeu as esperanças. O legado de Mandela se dissolveu. E como você vê na minha camiseta: A juventude lutando por empregos e combatendo falsas ilusões”

 

“Decidimos que queremos construir uma outra Cosatu, militante e comprometida com a luta dos trabalhadores. E caso a Cosatu não faça, não teremos medo de romper e construir outra central sindical”

 

A África do Sul foi palco da última Copa do Mundo, em 2010. Naquele momento os sul-africanos tiveram que enfrentar o mesmo autoritarismo do governo e da FIFA que impôs a criminalização ao movimento social, fez remoções de moradores pobres no centro das grandes cidades, entre muitas coisas que o Brasil está conhecendo agora. Para falar sobre o assunto, o Opinião entrevistou dois ativistas sul-africanos, durante o Encontro “Na Copa vai ter luta”. Thando Manzi, estudante, e o representante da organização sindical dos metalúrgicos NUMSA , Hlokoza Motau. Os ativistas falam também do processo de reorganização que o movimento sindical do país começa a viver. Um processo de reorganização que tem questionado os sucessíveis governos do CNA (Congresso Nacional Africano), partido criado por Nelson Mandela e no poder desde 1994, e a hegemonia da Cosatu, tradicional central sindical que se tornou governista, burocrática e corrupta. Confira a entrevista.

 

Há uma nova conjuntura na África do Sul,  e também sementes da reorganização do movimento social que envolve setores da classe trabalhadora. Vocês podem nos falar um pouco sobre isso? E principalmente a relação de seu sindicato NUMSA com a central Cosatu?

 

Hlokoza Motau – Na África do Sul, nos da NUMSA [sindicato dos metalúrgicos] notamos que depois de 20 anos de liberdade, após a vitória do CNA, os trabalhadores não ganharam nada. O governo em todos esses anos adotou medidas conservadoras macroeconômicas gerando um alto desemprego e desindustrialização, uma divisão entre os trabalhadores, incentivando a terceirização, o trabalho temporário, e privatizando bens do Estado. Nos do NUMSA, decidimos que a situação atingiu o limite e há uma necessidade de um programa econômico radical. Existe uma aliança histórica entre o CNA, a Cosatu, e o Partido Comunista sul-africano e colocamos para eles a necessidade de um programa econômica de ruptura para reverter a situação no qual os trabalhadores se encontram. Após o massacre de Marikana, em que 24 mineiros foram assassinados pela polícia, notamos que esse governo não é sério e o CNA não fará as mudanças que os trabalhadores precisam.

 

Qual e a relação oficial entre a sua organização, NUMSA, e a Cosatu?

 

Hlokoza Motau – Ainda integramos a Cosatu, mas enquanto NUMSA decidimos que queremos construir uma outra Cosatu, militante e comprometida com a luta dos trabalhadores. E caso a Cosatu não faça, não teremos medo de romper e construir outra central sindical. Em relação ao CNA, já anunciamos que não faremos nenhum tipo de campanha política para o CNA nem doaremos dinheiro para as suas candidaturas. Porque o CNA representa os interesses da burguesia e como trabalhadores não ganhamos nada com essa aliança. Mas continuamos na Cosatu e nos junto com outras entidades, assumimos a liderança desse processo por transformações econômicas. Podemos ser expulsos da entidade por isso.

 

Vocês estão num encontro que e fruto de um processo similar ao de vocês,  de reorganização dos trabalhadores. Nesse sentido, é possível fazer uma comparação entre África do Sul e o Brasil hoje?

 

Hlokoza Motau – Vejo muitos paralelos. Por exemplo, a importância que e dada a luta contra a burocratização dos sindicatos. E que e um problema similar ao que temos no movimento sindical sul-africano, que estão profundamente atrelados ao Estado, ao governo. E dizemos: caso não consigamos fazer as mudanças na Cosatu que desejamos, sairemos dessa entidade e fundaremos uma organização independente. Estamos construindo uma unidade de ação em que houve uma primeira mobilização grevista no dia 19 de marco em conjunto com outros movimentos sociais e a juventude, mas também queremos construir um movimento em direção ao socialismo.

 

As eleições presidenciais se aproximam na África do Sul. Os trabalhadores enxergam uma alternativa hoje ao CNA?

 

Hlokoza Motau – Decidimos como NUMSA não fazer a campanha do CNA, porque eles representam a burguesia. Mas em relação a atual rodada das eleições, não temos nenhum partido para o qual chamamos nossos militantes  a votarem. E deixamos muito claro que não faremos campanha a nenhum partido. O que dizemos a nossa base e que devemos procurar movimentos alternativos. Estamos chamando uma reunião em julho com o lema: qual o movimento alternativo podemos construir na África do Sul?

 

O Brasil também vive intensas lutas sociais e questionamento à Copa do Mundo Qual o conselho vocês tem aos brasileiros?

 

Hlokoza Motau – Meu conselho é que a Copa do Mundo vai trazer oportunidade para pressionar os patrões e o governo e colocá-los numa posição para fazer concessões. Para os trabalhadores é a melhor oportunidade para exigir aumentos salariais. Por exemplo, utilizamos a Copa como momento para avançar nos direitos dos trabalhadores da construção civil.  Significa que a pressão precisa ser construída agora, antes do começo da Copa. E também para os movimentos sociais é um ótimo momento para reivindicar que os investimentos para as demandas sociais sejam maiores que os feitos para a FIFA. Isso abre agora uma oportunidade para pressionar o governo, mas não se pode esperar até julho. A luta precisa começar agora.

 

Thando Manzi – Na África do Sul, vendedores ambulantes que normalmente trabalhariam próximos ao estádio, foram expulsos das suas áreas. Por exemplo, as crianças de rua, em Durban, elas foram expulsas da cidade porque elas foram pegas e colocadas longe das áreas. Algumas crianças foram jogadas muito longe das periferias.



A juventude na África do Sul hoje perdeu as esperanças. O legado de Mandela se dissolveu. E como você vê na minha camiseta: A juventude lutando por empregos e combatendo falsas ilusões. Por exemplo, existem muitas favelas e estudantes com mestrado acabam trabalhando em call centers, sem conseguir empregos qualificados.



O legado da África do Sul é visível no aumento da desigualdade social. Vimos por exemplo na construção civil um crescimento da terceirização e depois disso o fim dos empregos e as pessoas começaram a depender de ajuda da assistência social.

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