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sexta-feira, abril 19, 2024

Morreu Juan Carlos Coral, a figura pública do PST argentino

Na quinta-feira, 23 de agosto, faleceu aos 84 anos, Juan Carlos Coral. Depois de um derrame, sua condição física se debilitou levando-o à morte. Ele conviveu por meio século com uma diabetes que raramente mencionava. Coral foi um “homem público” até seus últimos dias: evitou divulgar o tratamento de terapia intensiva. Sua imagem como orador de tribuna, como proseador incansável, como orador público e habilidoso e temível polemista e como cativador de audiências impediu-o de colocar em evidência fraquezas que ele sempre apresentaria como momentâneas, ainda que tivesse consciência que não eram. Um socialista científico é difícil que se engane quando se aproximam as horas extremas. E ele cultivou essa formação marxista que alimentou em seus anos juvenis.

Por: Tito Mainer

Sua formação marxista e o velho Partido Socialista

Coral conheceu o velho partido socialista em sua cidade natal Quequén – estritamente falando, na vizinha Necochea – em 1953 ou 1954. Ele simpatizava com alguns aspectos do que ele chamava de ideologia – o que reconhecemos como princípios – mas ele se irritava com o gorilismo[1] quase infantil. Também se sentia desconfortável com a idade dos membros do PS: era um partido sem jovens.

Gostava da vida no campo e conheceu e compartilhou trabalho e churrascos com toureiros, meeiros e construtores das cercas de arame das fazendas do sul de Buenos Aires. E também “vivenciou” suas vidas de explorados, de trabalhadores que, aos cinquenta anos, eram descartados e jogados na marginalidade quando não, diretamente, enclausurados em asilos.

Ao se mudar para Buenos Aires, começou estudar Direito, mas o curso foi interrompido pela militância. Em 1957, com 23 anos, integrou-se à Juventude Socialista e muito cedo se destacou como um orador brilhante, atraindo mais interesse do que os demais de qualquer tribuna socialista. Alfredo Palácios, o velho espadachim do PS, colocou os olhos nele e o “adotou”: durante vários anos eles foram inseparáveis. Até na aparência – seus grandes bigodes, o uso de ponchos de alpaca – tinha semelhanças… Assim Coral tornou-se secretário de Palácios nas campanhas eleitorais de 1958 e 1961 – ambos se identificaram com a Revolução Cubana e Palácios foi o primeiro argentino a visitar a ilha – até que em 1963 ganhou as primárias do partido e encabeçou a lista de deputados nacionais pela província de Buenos Aires. Em sua gestão – até que o golpe de 1966 fechou o ciclo – destacou-se por seus estudos sobre a reforma agrária e seu acompanhamento das lutas operárias, dos habitantes das “vilas miséria” e, também, pela localização que deu aos povos originários da “Indoamérica”, para dizer em seus termos.

Com a revolução cubana, para o PST

O impacto da revolução cubana modificou o panorama político da América Latina. Palácios morre e, depois do golpe de estado de Juan Carlos Onganía, Coral reorganiza o PS. Sob a consigna de “Frente operária”, no final do ano 67, realiza um congresso na clandestinidade, em Córdoba, e editou o jornal Os de baixo, de publicação irregular. Nesse mesmo ano, ele é um dos quatro argentinos que participa do congresso da OLAS (Organização Latino-americana de Solidariedade), faz uma reunião com Fidel Castro e, na viagem de volta, é convidado por Perón a ir a sua casa em Madri e desenvolve uma longa conversa.

Enquanto isso, Nahuel Moreno procura unificar com outras organizações objetivamente revolucionárias levando-o, em 1965, à formação do PRT (Partido Revolucionário dos Trabalhadores), juntamente com os irmãos Santucho do FRIP tucumano. A experiência do PRT durou pouco, as posições pró-guerrilheiras do grupo de Santucho dividiram o partido em dois e o morenismo passou a ser conhecido como o PRT-La Verdad.

Durante alguns anos houve encontros episódicos com Coral – que mantinha aberto um escritório de advogados trabalhistas – até que, com a caracterização de que o processo aberto com o Cordobazo levaria a eleições, começaram as relações políticas formais entre o grupo de Coral, de uma estrutura nacional, mas muito frouxa e pouco militante e o PRT-LV de educação trotskista ortodoxa.

No início de 1972, houve a fusão de ambas as organizações e nasceu assim o PSA – Partido Socialista Argentino, com a edição do jornal Avanzada Socialista, que realizou seu primeiro congresso em meados do ano, cumpriu os requisitos para obter a legalidade e, no final do ano, mudou seu nome para Partido Socialista dos Trabalhadores. Embora possa parecer que a homogeneidade política era total, alguns matizes de independência do grupo “socialista” – e em especial do próprio Coral – permitiram que o PST registrasse como uma experiência muito avançada que, de uma frente única revolucionária, programática e organizativa, transformou-se, depois de poucos meses daquelas campanhas eleitorais em um embrião de partido revolucionário.

Uma referência indiscutível

Juan Carlos Coral foi o candidato presidencial do PST- Frente dos Trabalhadores nas duas eleições realizadas em 1973, em março com Nora Ciapponi, a única candidata mulher nessas eleições e, em setembro, com José Francisco Páez, dirigente classista do Sitrac (Sindicato dos Trabalhadores da Concord) de Córdoba, integrado pelos operários da Fiat Concord. Sua figura foi uma referência inevitável na política nacional durante todo o período 1973-1976 em que governou o peronismo com cinco presidentes, três eleitos e dois interinos (Cámpora, Perón e Isabel Perón os primeiros e Lastiri e Luder).

Em um cenário de crises recorrentes, expectativas das massas em Perón e no peronismo, e grandes lutas operárias – como em Vila Constituición e contra o Rodrigazo[2], em 1974 e 1975 -, Coral foi à expressão da política operária revolucionária do PST caracterizada pela independência de classe e o chamado e apoio à mobilização da classe enfrentando politicamente o peronismo, a frente popular e à guerrilha que o fez aprofundar sua confiança no militarismo e a luta armada.

Ao lado de Tosco (e, em menor medida o gráfico Ongaro, o mecânico Salamanca de Córdoba e o metalúrgico Piccinini no campo sindical) e os líderes guerrilheiros Firmenich e Santucho (dos Montoneros e do PRT-ERP, respectivamente) Coral tornou-se uma referência indiscutível da esquerda argentina.

A onda de assassinatos, atentados a locais políticos, perseguições e prisões desencadeadas em 1974 e aprofundadas mais tarde pelos fascistas da Tríplice A e pela burocracia sindical, teve como um de seus alvos favoritos, o PST. Coral foi ameaçado de morte várias vezes e combinou sua vida pública com muito cuidado (ele era a voz de um partido legal, visitava a TV, falava em atos de rua, apoiava greves e manifestações) com a clandestinidade e o partido resguardou em especial sua preservação pessoal. Sob essas condições, convidado pelo Socialist Workers Party (SWP) fez uma visita bem-sucedida aos Estados Unidos denunciando a cumplicidade do governo peronista com a repressão, atividades em que foi perseguido pelos vermes anticastristas que boicotaram todas suas conferências.

Após o golpe de março de 1976 se exilou na Venezuela e, depois de seu retorno à Argentina na década de 90, não voltou à atividade militante. Expressou por algum tempo simpatias pelo kirchnerismo – embora sempre fosse muito crítico do chavismo – até declarar abertamente seu apoio à Frente de Esquerda dos Trabalhadores participando no ato que realizou a FIT em Atlanta no final de 2016.

Juan Carlos Coral deve ser lembrado como um socialdemocrata de esquerda que, durante os primeiros anos do “glorioso PST”, atuou com grande lealdade, coragem e coerência e até incorporou em seu discurso e foi o principal porta-voz de muitas concepções programáticas trotskistas como a independência operária, o internacionalismo e a necessidade do partido revolucionário. Ainda que se afincasse em suas próprias ideias e estudos e lembrasse com carinho e emoção sua gestão como parlamentar (e ao próprio Alfredo Palácios nesse contexto), criticou duramente o reformismo bernsteniano ou kautskista e às posições “de direita” de seu velho Partido Socialista. Coral nunca se tornou “trotskysta” ou leninista, mas – pelo que sei – sempre sustentou que o PST foi à experiência mais completa da construção de uma organização como a que ele considerava necessária para a luta de classes.

Um símbolo inequívoco desse “pertencimento” amplo e múltiplo de Coral é que no seu ato de despedida estiveram presentes setores do socialismo tradicional, de setores relacionados ao kirchnerismo e, claro, de diferentes grupos trotskistas, tanto morenistas quanto correntes que se afastaram por completo do legado de Moreno.  Um fato curioso expressou isso claramente: ao entoar-se a internacional, cantaram em uníssono… três letras diferentes, que são diversas versões de cada tradição política.

Nós vamos lembrá-lo…

Por fim, e por cima de qualquer crítica que possamos fazer em momentos de sua trajetória, para aqueles que nos reivindicamos morenistas, Juan Carlos Coral deve ser considerado orgulhosamente, uma parte fundamental de nossa tradição como são também outros casos “heterodoxos” de destacados políticos e intelectuais como Liborio Justo, o “Basco” Bengochea, Milcíades Peña, Luis Franco ou Eduardo “Tato” Pavlovsky. Companheiros com os quais havia nuances e diferenças, mas estivemos junto por algum período – em alguns casos, muitos e cruciais anos – na tarefa de construção do partido revolucionário. Afinal, essas uniões e desuniões são parte fundamental do acervo teórico e programático da tradição bolchevique.

[1] A expressão “gorila” surgiu no ano 1955, para qualificar os partidários do golpe militar que depôs Juan Perón, ou seja, antiperonistas. Por extensão aos setores antioperários, ndt;

[2] Referência ao plano de ajuste econômico de 1975, que diminuiu o poder de compra dos trabalhadores, aplicado por Celestino Rodrigues, Ministro da Economia do governo de Isabel Péron, ndt;

Tradução: Rosangela Botelho

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