qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

A revolução árabe entrou na Palestina

Israel comemora 15 de maio como a data de sua “independência”. É o aniversário do dia em que, em 1948, o Estado de Israel foi fundado. As Nações Unidas, dominadas pelos Estados Unidos e pelo regime stalinista da União Soviética, decidiram dividir a Palestina em dois Estados em novembro de 1947

, outorgando 54% do território para Israel. Naquele momento, mais de 700 mil palestinos foram expulsos de suas terras, em uma ofensiva assassina, na qual dezenas de aldeias e povoados foram arrasadas pelo massacre dos sionistas.

Os palestinos recordam esses eventos como a Nakba, o desastre. E todos os anos são realizados atos convocados por organizações palestinas dentro e fora de Israel. Neste ano, porém, houve um grande salto nas mobilizações. Milhares de palestinos marcharam sobre a fronteira de Israel nas Colinas do Golã, na Síria, Líbano, Gaza e Cisjordânia. A resposta das tropas israelenses foi brutal, assassinando 21 palestinos e ferindo quase 200, segundo números de diferentes agências de notícias.

Um correspondente do jornal Clarín, de Buenos Aires, Shlomo Slutzky, escreveu de Tel Aviv: “Na fronteira com o Líbano, soldados israelenses dispararam contra centenas de refugiados palestinos que tentavam cruzá-la. Dez manifestantes morreram e cerca de cem ficaram feridos, segundo fontes militares libanesas.
 
Pelo menos outros quatro palestinos perderam a vida em enfrentamentos com o exército israelense na fronteira com a Síria, depois que entre 30 e 50 pessoas conseguiram penetrar em Israel e entrar no povoado de Madj al-Shams, nas Colinas de Golã. Algumas testemunhas falavam de até dez mortos neste incidente e em outro em Gaza. No fechamento desta edição, o número de vítimas fatais chegava a 21.
 
Para muitos palestinos, a violenta jornada de ontem foi o ‘começo da terceira Intifada’, enquanto que em Jerusalém foi considerada como um ensaio geral – e falido – para os eventos que deverão enfrentar a partir do quase seguro reconhecimento do Estado Palestino na próxima sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro.
 
O fato de que centenas de palestinos e sírios armados somente com pedras tenham conseguido derrubar o alambrado da fronteira da Síria com o território controlado por Israel nas Colinas de Golã desde a guerra de 1967 reaviva os temores mais secretos dos serviços de segurança israelenses: não é a bomba atômica iraniana, não são os mísseis químicos ou biológicos lançados da Síria nem os homens-bomba de Gaza. O medo é de uma massa de manifestantes desarmados que avancem até as fronteiras de Israel a partir dos países vizinhos, ou sobre as colônias e bases israelenses construídas sobre terras palestinas, em marchas massivas que Israel não se pode permitir dispersar com disparos de tanques.
 
As autoridades israelenses temem o potencial de imitação do ‘êxito’ em Golã por parte de centenas de milhares de palestinos, que a partir de setembro poderão estar respaldados pela comunidade internacional ao tentar marchar até territórios do ‘Estado Palestino nas fronteiras de 1967’, como seria reconhecido pela ONU.

Também foram realizadas mobilizações dentro do Estado sionista. Em 10 de maio, como acontece há 14 anos, milhares de palestinos participaram do que o Comitê pelos Direitos dos Deslocados Internamente em Israel chama de “Marcha do Retorno”, entre os locais onde existiam duas das aldeias palestinas arrasadas, al-Damun e al-Ruways, no norte de Israel.

As mobilizações de março

O salto nas ações na comemoração da Nakba ocorre após terem sido realizadas mobilizações massivas, em março, na Cisjordânia e em Gaza. O centro dos protestos naquele momento era a exigência de que a Autoridade Palestina, que governa a Cisjordânia encabeçada pelo líder do Fatah, Mahmoud Abbas, e os dirigentes da corrente islâmica Hamas, que governa Gaza, terminem com seus confrontos e se unam para enfrentar Israel.

O jornal The Guardian, de Londres, noticiou em 15 de março: “Dezenas de milhares de pessoas participaram das manifestações em Gaza e na Cisjordânia exigindo o fim das divisões políticas e da ocupação israelense. (…) Os maiores protestos nos territórios palestinos desde que começaram os levantes na região, no início do ano, foram convocados por ativistas de base por meio do Facebook, Twitter e YouTube.
 
As facções políticas dominantes do Fatah e do Hamas autorizaram as marchas, mas muitos ativistas independentes reclamaram da tentativa dos líderes partidários de controlar os protestos para evitar que se impusesse uma revolta ao estilo egípcio.

Essas mobilizações deram resultado quase imediato: obrigaram as direções do Fatah e do Hamas a chegarem a um acordo, o que veio acompanhado da decisão do novo governo egípcio de abrir sua fronteira com Gaza (fechada pela ditadura Mubarak em 2006, colaborando com o bloqueio israelense). Esses sucessos estimularam o avanço da mobilização palestina.

A “reconciliação” entre Hamas e Fatah

Sob a supervisão do governo transitório egípcio, no dia 4 de maio o chefe do Fatah, Mahmoud Abbas, e o líder do Hamas, Khaled Meshal, assinaram no Cairo um “acordo de reconciliação”.

Segundo diferentes fontes, o Hamas aceitaria que Abbas continue como presidente da Autoridade Palestina e siga negociando acordos de segurança com Israel.

Abbas e a Autoridade Palestina têm se aliado a Israel e aos Estados Unidos há anos e têm colaborado com o bloqueio e os ataques sionistas à Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas. O Hamas, por sua vez, vinha recusando a perspectiva de um “Estado independente” negociado com Israel e com os Estados Unidos por Abbas e denunciava a Autoridade Palestina por seu papel de cúmplice no bloqueio à Gaza em conjunto com a ditadura egípcia de Mubarak.

Junto com as mobilizações de março em Gaza e na Cisjordânia, um fator importante que promoveu a “reconciliação” foi, sem dúvida, a queda de Mubarak no Egito. Seu governo foi muito importante para apoiar a orientação de Abbas e do Fatah de abandonar toda política de confronto e entrar nas negociações de paz com Israel e os Estados Unidos. Por outro lado, o bloqueio à Gaza por parte de Israel teria sido impossível se Mubarak não tivesse mantido fechada também a fronteira desta Faixa com o Egito.

Porém, com a queda do ditador, o novo governo egípcio, mesmo tendo ratificado o acordo de paz com Israel e o apoio à saída de um Estado palestino na Cisjordânia e em Gaza, anunciou, no final de abril, que daria alguns passos para a reabertura de sua fronteira com Gaza. Imediatamente foi marcada a reunião de “reconciliação” de todas as facções palestinas no Cairo.

Diante do acordo de reconciliação entre as frações palestinas, o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, declarou: “A Autoridade Palestina deve escolher a paz com Israel ou a paz com o Hamas, não há nenhuma possibilidade de paz com ambos”.

Por sua vez, o departamento de Estado dos EUA pareceu adotar uma atitude mais cautelosa e aberta ao declarar que “qualquer futuro governo palestino deve prometer renunciar à violência, cumprir os acordos assumidos no passado e reconhecer Israel” (fonte: IPS).
 
Um acordo para controlar a revolução

Como dissemos, a “reconciliação” foi recebida claramente como um triunfo pelas massas palestinas. E isso, sem dúvida, estimulou a participação massiva nas marchas realizadas nas fronteiras com Israel em maio.

Ao mesmo tempo, o acordo entre Hamas e Fatah tem um aspecto muito contraditório. Noura Erakat, advogada palestina no exílio, professora do centro de estudos árabes contemporâneos da Universidade de Georgetown, em Washington, e importante ativista pelos direitos humanos, publicou um extenso artigo no site Jadaliyya.com em 4 de maio, no qual diz: “A reconciliação entre Hamas e Fatah pode representar a primeira vitória do nascente movimento juvenil palestino do dia 15 de março.” Mas “se poderia dizer que a formação de um governo de unidade é uma tática preventiva para tentar conter o crescente descontentamento palestino e a crescente relevância dos protestos juvenis, em uma Primavera Árabe. De fato, no dia do anúncio (da reconciliação), forças de segurança do Hamas dispersaram violentamente cerca de cem alegres jovens que celebravam na Praça do Soldado Desconhecido, em Gaza. (…) Ibrahim Shikaki, um recém-graduado de Berkeley, nos Estados Unidos, e organizador juvenil que atua em Ramallah, comentou que o Hamas e o Fatah trataram de barrar os esforços dos organizadores inibindo a cobertura da mídia, acusando os líderes juvenis de receber fundos do exterior e mudando o centro dos protestos para as divisões fracionais, por medo de ‘perder o controle sobre o poder e a autoridade’. Se é assim, o descongelamento das relações por si só não será suficiente para conter o movimento queestá nascendo.”

Ali Abunimah, da Rede de Política Palestina – uma ONG com sede nos Estados Unidos que promove a reunificação de todas as forças palestinas na OLP e a campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções contra Israel – publicou, no dia 9 de maio, um artigo intitulado Reconciliação vazia na Palestina, que vai mais longe na crítica ao Hamas: “É difícil entender os cálculos dos líderes do Hamas: (…) Temem que a ofensiva de Abbas para conseguir que a ONU reconheça um Estado palestino em setembro ganhe peso e que eles fiquem de fora? Reconhecem que o ‘processo de paz’ não conseguirá nada, mas esperam evitar que a culpa seja atribuída a eles e, por essa via, herdar a condução do movimento nacional palestino do Fatah?

Também há muita especulação a respeito de que o contexto regional – especialmente o levante na Síria e a atual instabilidade no Irã – deixa os líderes do Hamas suficientemente preocupados com sua própria situação a ponto de correrem para abraçar e legitimar Abbas (…).”

Ali Abunimah acrescenta: “Saiba ou não, o Hamas pode estar tomando o mesmo caminho que a facção do Fatah de Abbas: comprometer-se a ingressar em um ‘processo de paz’ controlado pelos EUA sobre o qual os palestinos não têm nenhuma influência e nem têm a perspectiva de conquistar seus direitos. Em troca, o Hamas talvez espere ter um papel junto a Abbas para governar os palestinos que vivam sob permanente ocupação israelense na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Saiba o Hamas ou não, de fato entrou em uma coalizão com Israel e Abbas para administrar os Territórios Ocupados, no que o Hamas terá muita responsabilidade, mas pouco poder (…).”

Ainda que não diga explicitamente, por esta via o Hamas perde o elemento progressivo que ainda conservava: sua resistência em reconhecer Israel e sua decisão de continuar a luta por um Estado palestino em todo o território da Palestina histórica.

Em síntese, a “reconciliação” entre Hamas e Fatah estimulou a mobilização das massas palestinas. Mas essas direções estão transformando este acordo em um instrumento para que os palestinos aceitem algo que vai contra seus próprios interesses.

É preciso uma nova direção palestina

Nós, da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI), continuamos afirmando que a única perspectiva para defender realmente os direitos do povo palestino é a que estava inscrita na bandeira original da OLP: a luta pela destruição do Estado de Israel e pela construção de um Estado palestino laico, democrático e não racista, em todo o território da Palestina.

Os jovens que reivindicaram a unidade do Hamas e do Fatah já estão começando a ver que essas direções não oferecem nenhuma saída e que, pelo contrário, só buscam enganá-los e controlá-los. Para atingir seus objetivos, as novas gerações de jovens ativistas palestinos independentes que saem à luta sob a influência da revolução árabe terão que tomar em suas mãos a velha bandeira da OLP. E, para isso, precisarão indiscutivelmente construir uma nova direção, que retome o caminho da luta intransigente pela destruição do Estado sionista e pela construção de um Estado palestino laico em toda a Palestina, batalha abandonada tanto pelo Fatah como pelo Hamas. Nesse sentido, terão que enfrentar também o engodo, abençoado pelos EUA e pela ONU, de um pseudoestado palestino nos territórios ocupados.

Com essa perspectiva, continuamos impulsionando a campanha mundial de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) contra Israel, a qual aderiram centenas de organizações palestinas e de outros países desde 2005. Ainda que seja limitada em seus objetivos ao não reivindicar a destruição do Estado de Israel, esta campanha tem objetivos muito progressivos, como o Direito de Retorno para todos os refugiados palestinos e o fim de todas as agressões israelenses e do bloqueio à Gaza.
Publicado em Correio Internacional (Nova Época) nº 5

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