sex mar 29, 2024
sexta-feira, março 29, 2024

A "Geração à Rasca"

Artigo publicado no Dossiê Juventude da Revista Correio Internacional (Nova Época) nº 5, junho de 2011.
 
Enquanto escrevemos, milhares de trabalhadores, estudantes e desempregados acampam na Plaza del Sol, em Madri, e o seu exemplo é seguido no resto do país e da Europa. Protestam contra a lei eleitoral espanhola, mas também contra os planos de ajuste, expressando a raiva por uma crise que é paga pelos que não a criaram e pela desilusão com uma democracia fraudulenta.
 
Em Portugal, o “acampamento” da Plaza del Sol recordou as manifestações de 12 de Março, outra gigantesca mobilização que encheu as principais cidades do país, convocada em nome da “Geração à Rasca” (GaR). Tal como em Madri, este protesto não foi convocado pelas centrais sindicais nem pelos partidos de esquerda, que a desprezaram, mas por três jovens através das redes sociais.
 
Os mais otimistas achavam que alguns milhares se juntariam em Lisboa e no Porto. Mas, no dia 12, uma maré humana encheu as ruas de Lisboa – cerca de 200 mil pessoas – e do Porto – 80 mil. A combatividade, a quantidade de diferentes cartazes e a imaginação das palavras de ordem fizeram os mais velhos – que também compareceram – recordarem o 1º de Maio de 1974, no início da Revolução dos Cravos. Sentiu-se uma raiva enorme de alguns dos fundamentos econômicos e políticos do regime, como a precariedade, os baixos salários, o desemprego, mas também contra a alternância no governo entre os dois principais partidos – “PS e PSD é a crise que se vê”, cantava-se. A indignação popular tinha um alvo: o primeiro-ministro do Partido Socialista (PS), José Sócrates, que governa o país há seis anos, criticado e insultado por toda a manifestação.
 
Por isso, pouco depois, Sócrates renunciou. Astutamente, não assumiu que o fazia devido às manifestações e encenou uma comédia em torno da votação de mais um plano de ajuste, postergando sua saída. Assim, uma vitória estrondosa das massas não foi assumida por ninguém. Nem a maioria da esquerda se preocupou em explicar os verdadeiros motivos da queda do governo, pois em clima eleitoral não lhe convém dizer que as soluções vêm da luta e não do voto.
 
A continuidade da luta e o que se esconde por trás do “apartidarismo”
 
Depois de 12 de Março, uma reorganização molecular se iniciou na vanguarda. Em diversas cidades, organizaram-se núcleos da GaR. Porém, a inexperiência, os preconceitos e a ação da esquerda reformista estancaram-na temporariamente.
 
O protesto classificou-se desde o início como “apartidário”, o que serviu para alimentar os mais preocupantes preconceitos que acompanham esta onda de lutas: a desconfiança em relação aos partidos, aos sindicatos e, muitas vezes, a todo o tipo de organização estruturada, alimentando um espontaneísmo que enfraqueceu o movimento e o tornou manipulável.
 
A culpa deste preconceito é dos partidos do regime, inclusive do Bloco de Esquerda (BE) e do Partido Comunista (PCP). Porque a vanguarda apenas vê dois tipos de partidos: os que governam contra os trabalhadores e os que os representam de forma conciliadora, pensando que não são possíveis projetos partidários diferentes.
 
Mas não é só isso: depois do sobressalto de 12 de Março, esta esquerda apressou-se em desmontar a luta. O PCP continuou a desprezar o movimento. O BE, mais astuto, inseriu os seus dirigentes na cúpula do movimento que começava a se esboçar, defendendo aí que não se devia constituir um movimento novo e que os núcleos da GaR não deviam se basear em assembleias, pois esse seria terreno fértil para a infiltração dos partidos – mostrando a quem serve o preconceito antipartidos…
 
A fraqueza relativa dos que defendiam – como o Ruptura/FER – um novo movimento nacional, contra a precariedade, o custo de vida e o desemprego, baseado nas lutas de rua e na democracia de base, fez com que a linha do BE e do PCP imperasse e o movimento se desagregasse. Quando, dois meses depois do protesto, os organizadores convocaram uma assembleia “não deliberativa”, compareceram somente 50 pessoas.
 
Este é um exemplo de que o principal problema das lutas não é a “passividade inerente à juventude”, mas, sim, a passividade inerente à esquerda reformista, que não tem pudor em, cinicamente, alimentar-se dos preconceitos antipartidários dos jovens. Deste modo, o movimento que deu origem à manifestação à rasca foi (naturalmente, digamos) influenciado pelas ideias dos partidos da esquerda parlamentar (em particular do BE). Como disse Chico Louçã na VII Convenção do BE: os ativistas não devem fazer e preparar “novos 12 de Marços”, mas transformar o dia 05 de Junho, dia de eleições legislativas, num … referendo.
 
Também ninguém o ouviu dizer que as eleições não vão resolver nada e que somente as manifestações como as de 12 de Março podem fazer mudar a situação política num sentido mais positivo. Louçã, líder de um dos partidos que mais tem influência junto aos ativistas que dirigiram a manifestação, em plena Convenção do BE sugeriu o “voto” como o instrumento de “mudança”, ou seja, mais votos e deputados para o BE.
 
Talvez isso explique por que, desde 12 de Março, nunca mais houve novas manifestações. Todo o país foi, conscientemente, encaminhado para a armadilha eleitoral. Os ativistas, mesmo os de esquerda, podem não gostar dos partidos, e têm razões para isso, mas, na verdade, não deixam de estar sob sua influência e nem há como fugir dessa realidade. Então, a resolução do dilema não está em repudiar tudo o que “cheira” a partidos ou a sindicatos, mas em construir alternativas confiáveis.
 
Uma direção nova para uma nova onda de lutas
 
Uma onda de lutas da juventude trabalhadora e estudantil tem assolado a Europa. As ruas de Atenas foram o seu primeiro cenário, mas logo se fez sentir no poderoso Outubro francês, em que os jovens fecharam as escolas e se juntaram às greves, expandindo-se mais tarde à Itália e à Inglaterra, irrompendo agora na Espanha e em Portugal. As suas causas profundas são os planos que a burguesia europeia tem para superar a brutal crise que vive.
 
Durante décadas, amplos setores da classe trabalhadora europeia, sobretudo dos países centrais, garantiram direitos, inimagináveis para os trabalhadores dos outros continentes. Esses direitos nasceram de duras lutas da classe, que ameaçaram o capitalismo no centro da Europa e o derrotaram no Leste. Para controlar estas lutas, o stalinismo e a social-democracia fizeram um pacto com a burguesia: os trabalhadores (ou pelo menos suas direções) abdicavam da luta revolucionária e, em compensação, a burguesia garantia que uma parte substancial da mais-valia seria canalizada para o “Estado Social”. Também foi assim em Portugal, Grécia e Espanha, após a derrubada das ditaduras fascistas nos anos 1970.
 
Mas, devido à brutal crise econômica que explodiu em 2008 e que arrastou a Europa para a “crise das dívidas soberanas”, a burguesia, que já vinha desmontando o “Estado Social”, rasgou finalmente o pacto e deu um salto profundo na exploração. Por um lado, ataca os direitos que as gerações mais velhas mantinham. Por outro, garante que as gerações mais novas nem possam sonhar com eles.
 
Mas nada que assuste as direções reformistas, que continuam cumprindo com o pacto, como se a outra parte não o tivesse rasgado. E como as direções tradicionais não saíam à luta, os trabalhadores e a juventude saíram sem elas, inspirados nas revoluções árabes. Foi assim que chegamos às greves gerais gregas, aos confrontos nas ruas de Paris e Roma, aos acampamentos na Plaza del Sol e às manifestações da “Geração à Rasca”.
 
Este ascenso, e a reorganização que pressupõe, exigem reflexão aos revolucionários. Salvaguardadas as diferenças, podemos comparar a situação que desponta na Europa com as lutas que varreram o continente depois da 1ª Grande Guerra ou do Maio de 1968. Também nesses momentos havia instabilidade das instituições burguesas, que tentavam aplicar duros planos contra os trabalhadores, e uma disposição de luta destes, que contrastava com a capitulação das suas direções.
 
Sabemos desses momentos que, mesmo em crise, a burguesia se organiza, centralizada e internacionalmente, e que as direções reformistas, por mais frouxas que pareçam, nunca abdicam dos seus partidos para defender programas de derrotas disfarçadas. Nesse processo, alimentam-se das mais variadas mentiras. Hoje, alimentam-se de um sentimento progressivo da juventude – o repúdio aos partidos tradicionais e seu papel conciliador –, mas voltam-no contra a vanguarda, incentivando-a a não se organizar, a ser “espontânea” e “autônoma”, usando o fantasma da “manipulação” para manipular melhor.
 
Chegamos ao ponto em que vemos dirigentes partidários alertando contra a “infiltração dos partidos” nos movimentos, e organizando os seus militantes para defender essa política! A esquerda reformista estará senil, fazendo política contra si mesma? Não cremos. Alimentando o “apartidarismo”, os partidos que crescem à sombra das instituições burguesas, e que por isso não precisam ganhar a vanguarda, tentam afogar os ativistas em desconfianças, empurrando-os para o individualismo.
 
Por outro lado, a burguesia e o reformismo sabem muito bem que somente foram derrotados pelos ascensos de massas liderados por fortes partidos, organizados e disciplinados, e que o regime capitalista mundial somente esteve em xeque com a vitória do partido bolchevique na Rússia, em 1917. “Se lutarem, não se organizem; se se organizarem, que não seja em partidos; se for em partidos, que não seja com um programa revolucionário; e, se construírem partidos revolucionários, que não seja em escala mundial!”. Este é o mote do regime e de sua esquerda para deseducar quem luta.
 
A aposta dos revolucionários é o contrário: por mais massivas e combativas que sejam as lutas que hoje se levantam na Europa, elas não serão vitoriosas se não assumirem um programa revolucionário, socialista e internacional. E, para defender esse programa, é necessário seguir os ensinamentos da história: não há programa revolucionário sem partido revolucionário e não há partido revolucionário que não seja parte de uma internacional. Está na ordem do dia ganhar milhares de ativistas para este projeto na Europa. Caso contrário, acabarão manipulados e desmoralizados, as lutas serão derrotadas e as jovens gerações estarão condenadas à miséria e ao desemprego, obrigadas a recomeçar suas lutas do zero.
 
Leia os outros artigos do Dossiê Juventude:
 
 

Confira nossos outros conteúdos

Artigos mais populares