qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Frente à morte de Hugo Chávez

 

Hugo Chávez morreu e o impacto político é mundial. Não é para menos, pois sem dúvida o ex-presidente venezuelano surgiu como um importante protagonista das últimas duas décadas de história política dentro e fora de América Latina.
 
Estas são horas de muita dor e incerteza para milhões de venezuelanos que confiavam politicamente em Chávez e consideravam-no um líder identificado com seus interesses e anseios de melhorar sua qualidade de vida.

Também são muitos os ativistas sociais e militantes de esquerda que, honestamente, viam na figura de Chávez um dirigente genuinamente anti-imperialista e até socialista.

A LIT-QI entende essa dor e consternação, pois nenhum sentimento popular nos é indiferente. Mas mesmo no meio dessa dor, é necessário fazer uma reflexão sobre o que significou o governo Chávez e os desafios atuais da classe trabalhadora e do povo venezuelanos.

O que foi o governo Chávez?

A morte de Chávez recoloca todo o debate sobre o caráter de classe do seu governo e o regime político instaurado na Venezuela, e sobre suas verdadeiras relações com o imperialismo.

Este debate continua dividindo águas na esquerda mundial e se faz mais necessário nos momentos em que existe incerteza sobre o rumo que tomará hoje um chavismo sem Chávez.

Nossa posição é que o governo de Hugo Chávez nunca foi socialista. Seu governo foi burguês, isto é, a serviço de manter e defender o sistema e o Estado capitalista na Venezuela.

Isto não quer dizer que o governo capitalista de Chávez foi igual ao de Carlos Andrés Pérez e todos os anteriores que se deram no marco do regime do “Ponto Fixo” (AD e COPEI). Estes foram governos capitalistas completa e abertamente submissos ao imperialismo, que ficaram extremamente desgastados depois de décadas de pilhagem e corrupção e foram questionados pelas massas venezuelanas, dando origem ao Caracazo. O início da popularidade de Chávez ocorreu neste processo e com o golpe que tentou contra Pérez.

Por esta combinação de crise dos partidos burgueses tradicionais e ascenso operário e popular, o projeto de Chávez e seu posterior governo assumiram um caráter burguês de tipo nacionalista. Daí a necessidade de toda a retórica “anti-imperialista” e “socialista”. Por isso, seu governo teve que fazer algumas concessões (principalmente medidas assistencialistas através das Missões), mas muito mais limitadas que outros governos nacionalistas burgueses em décadas passadas, como os de Perón na Argentina, Cárdenas no México ou Nasser no Egito.

O que teve em comum com aqueles governos foi que, por seu caráter de classe, lhe era impossível ir até o fim em seus enfrentamentos com o imperialismo e, cedo ou tarde, acabava capitulando a ele.

Neste marco, todo o discurso sobre o Socialismo do Século XXI e os ataques retóricos ao imperialismo norte-americano (sobretudo nos tempos de George Bush) nunca corresponderam à sua prática política e estavam a serviço de confundir e esconder a mesma submissão e entrega de sempre.

As relações com o imperialismo

A realidade concreta mostra que nestes 14 anos de governo e regime chavistas, a Venezuela continua tão dependente do imperialismo como antes.

A dívida externa sempre foi paga por Chávez, de forma pontual, aos credores internacionais. Em termos totais, a dívida venezuelana atingiu recentemente a cifra recorde de 105 bilhões de dólares, o equivalente a 30% do PIB do país.

As nacionalizações que Chávez incentivou, tão difundidas por sua corrente latino-americana, sempre aconteceram de forma negociada e garantindo suculentas indenizações aos setores burgueses “afetados”.

E reduziram-se, em muitos casos, à mera compra de ações dessas empresas por parte do Estado, dando lugar ao surgimento de empresas mistas, que permitem às multinacionais explorar recursos naturais e energéticos conjuntamente com o Estado. Por essa via, empresas imperialistas, como a Chevron e a Exxon-Mobil, não só controlam e se beneficiam com a produção petrolífera do país, mas também passaram a ser proprietárias de aproximadamente 40% dela.

No entanto, nos últimos anos, até o tom dos discursos foi baixando. A verdade é que uma coisa foi Bush e outra é Obama, inclusive na retórica chavista. Basta recordar suas declarações durante as últimas eleições: “Se eu fosse norte-americano, votaria em Obama. E eu acho que se Obama fosse de Barlovento ou de um bairro de Caracas, votaria em Chávez. Tenho certeza”.

É verdade que na Venezuela há um “socialismo do século XXI”?

A realidade social é também contrária aos discursos oficiais. Como nunca foram adotadas medidas anticapitalistas de fundo nem se rompeu com o imperialismo, o povo venezuelano continua sofrendo os flagelos do desemprego, do desabastecimento, da alta inflação – que em 2012 chegou a 20% – e da extrema pobreza que, apesar de todas as medidas assistencialistas do governo, afeta 29,5% da população. Segundo dados oficiais de 2010, os 20% mais ricos da população detêm 45% da renda nacional, enquanto os 20% mais pobres recebem somente 6%.

Falar de socialismo do século XXI diante de tal realidade é ajudar à campanha mundial contra o socialismo feita pelo imperialismo desde a restauração do capitalismo na ex-URSS e nos Estados do leste europeu.

Como pode haver socialismo quando aumenta a taxa de exploração da classe operária e a economia privada floresce à custa da pobreza do povo e a burguesia concentra o grosso da renda nacional?

Esta realidade é inegável e as tão difundidas Missões não têm solucionado nem poderão solucionar os problemas de fundo, pois não passam de medidas compensatórias, propostas pelo Banco Mundial, baseadas em uma redistribuição mínima da renda do petróleo para aliviar a desesperante situação dos setores da população na extrema pobreza e conter, em alguma medida, possíveis inquietações sociais e, ao mesmo tempo, criar uma clientela política eleitoral favorável ao governo.

O outro lado da moeda desta política econômica é o surgimento e o fortalecimento de novos setores burgueses, completamente parasitários dos negócios estatais. Efetivamente, a partir das “empresas mistas” e da cooptação de numerosos dirigentes sindicais e sociais, uma nova burguesia se desenvolveu – conhecida como “boliburguesia”.

Esses novos ricos, que acumularam fortunas a partir dos negócios do Estado, têm como um de seus principais expoentes o ex-militar e atual presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabelo, proprietário de 03 bancos e várias empresas que têm contratos com o Estado.

Um regime autoritário e antioperário

Ao mesmo tempo em que se apoiava parcialmente no movimento operário e de massas, Chávez sempre tentou controlá-lo e amarrá-lo. Estimulou e fortaleceu uma burocracia sindical de características gângsteres e completamente subordinada a sua figura.

Neste sentido, toda a propaganda oficial e os discursos sobre a “defesa da revolução bolivariana” e a “construção do socialismo” diante dos “inimigos da pátria”, também estava (e está) a serviço de disciplinar o movimento operário e popular. E isto impôs a ideia de que, quem não está com Chávez está com a “contrarrevolução”.

Em 2006, Chávez deu um salto neste sentido, quando impulsionou a conformação do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), com a intenção de colocar uma “camisa de força” no movimento operário e na esquerda venezuelana num “partido único”.

Como consequência deste regime, todos os setores (muitos deles operários) que foram à luta foram vítimas de repressões brutais, assassinatos seletivos e perseguições políticas ou sindicais. Entre outros casos, podemos citar a repressão à Petrocasaem Carabobo, aos operários da Sanitários Maracay, aos operários da Mitsubishie a vários povos originários e setores camponeses que ocuparam terras de latifundiários, “bolivarianos” ou não.

Sem exceções, estes setores que lutaram contra as medidas do governo foram acusados de “desestabilizadores” ou “contrarrevolucionários”, da mesma forma que todos aqueles que se recusaram a entrar ou diluir-se no PSUV.

O apoio de Chávez a regimes genocidas

Todos estes fatos seriam suficientes para demonstrar que na Venezuela não existe, nem existiu, um socialismo e sim um governo que garantiu fortunas a um setor da burguesia, pagou religiosamente a dívida externa e continuou entregando riquezas ao imperialismo e, para conter o povo, combinou assistencialismo sustentado pelos recursos provenientes de períodos de bons preços internacionais do petróleo à, também, repressão direta a setores operários e populares que saíram a lutar.

No entanto, ainda devemos citar dois fatos que demonstram profundamente seu caráter de classe. O primeiro, e que demonstra a submissão de Chávez aos interesses do imperialismo mundial, é a vergonhosa colaboração com o governo reacionário de Juan Manuel Santos, sucessor do genocida Álvaro Uribe, lacaio dos EUA, entregando ativistas ligados às FARC (como foi o caso do jornalista Joaquín Pérez Becerra e outros lutadores sociais) ao governo colombiano, inclusive violando as normas judiciais vigentes na Venezuela para esses casos, tudo devido a um pedido direto de Santos. Como catalogar de anti-imperialista quem colabora com o principal lacaio dos EUA na América do Sul com a entrega de lutadores aos cárceres colombianos?

Por outro lado, quando estourou o processo revolucionário no Oriente Médio e norte da África, o governo “socialista” de Chávez declarou apoio incondicional a sanguinários ditadores como Gadafi e al Assad nos momentos em que os povos líbio e sírio levantaram-se em armas contra esses regimes. E o fez apresentando-os como “lutadores anti-imperialistas”, quando fazia muito tempo que não faziam outra coisa que não fosse prostrar-se diante do imperialismo. Isso causou uma grande confusão nos ativistas das revoluções de Norte da África e do Oriente Médio, que devido ao peso de Chávez (e dos Castro), identificam a “esquerda” como aliados das ditaduras assassinas que oprimem seus povos. Desta forma traiu essas revoluções populares e entregou, em bandeja de ouro, a luta pelas liberdades democráticas e pelos direitos humanos ao imperialismo.

Não é por acaso que tanto Santos da Colômbia quanto al Assad hoje lamentem a partida de Chávez e lhe rendam gratidão.

As perspectivas

A partir do desaparecimento físico de Chávez, o poder foi assumido por Nicolás Maduro, até então vice-presidente e sucessor designado diretamente por Chávez quando vivo. Novas eleições foram convocadas para 30 dias e mesmo que o resultado não esteja garantido, a maioria das forças políticas opina que o mais provável é que aconteça uma vitória eleitoral do chavismo e que Maduro seja eleito presidente.

O certo é que, ganhe quem ganhar, o novo presidente terá que aplicar uma série de planos de ajuste econômico, claramente impopulares, e sem a figura de Chávez para contrabalançar os confrontos de classe. E, para isso, o chavismo terá que intensificar as medidas totalitárias para frear as lutas e protestos contra esses novos ataques econômicos e sociais.

A direita tradicional venezuelana, abertamente reacionária e com alta vocação golpista, vê a morte de Chávez como uma oportunidade para levantar a cabeça e retomar o poder. Capriles e a velha burguesia venezuelana querem voltar ao poder para se beneficiar como agentes diretos do imperialismo, não representam saída para o povo e os trabalhadores. Capriles significa outra variante política capitalista pró-imperialista que continuará explorando o povo trabalhador, como já o fazem nos governos que têm há muitos anos (Miranda, Zulia, Carabobo, etc.). Seu programa é serem os melhores entreguistas do petróleo venezuelano aos polvos internacionais e defensores dos grandes empresários nacionais e estrangeiros. Capriles é mais disso e não oferece nada novo para os trabalhadores e o povo.

É necessário construir uma saída operária e socialista

Neste momento impõe-se a necessidade de uma profunda reflexão em todo o ativismo social e especialmente em toda a esquerda revolucionária e socialista, sobre o balanço do significado do governo de Chávez.

Este é um debate estratégico para todos aqueles que almejam uma verdadeira saída operária e socialista. A tarefa urgente é construir um terceiro espaço político, com independência de classe e de oposição, tanto ao chavismo como à direita tradicional neoliberal. Para nós, a única saída para solucionar definitivamente os problemas da classe trabalhadora e do povo venezuelano continua passando pela organização e mobilização independente de suas forças.

Precisamos de uma alternativa política que levante a bandeira do governo operário, camponês e popular, que exproprie a burguesia e o imperialismo, que nacionalize a sistema financeiro e o comércio exterior e que por essa via, inicie a construção de uma sociedade sem classes. Ou seja, a construção de uma verdadeira direção política socialista, revolucionária e internacionalista.

Para isto, é fundamental que a classe operária venezuelana confie única e exclusivamente em suas próprias forças e se aproprie de seu destino. Este é o único caminho para um verdadeiro socialismo.

Traduzido por Gleice Oliveira

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