qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Quem tem que fazer greve no 8M, por quê e como?

Muitas organizações feministas do movimento do 8M estão chamando uma “greve de mulheres”, isto é, que todas as mulheres participem de uma grande greve ou paralisação de todas as formas de trabalho realizadas pelas mulheres no dia 8 de março.

Por: Florence Oppen

A greve tem sido um instrumento de luta das mulheres trabalhadoras desde o início das manifestações do 8 de março no final do século 19 e início do século 20, porque com a greve as mulheres conquistaram duas coisas: em primeiro lugar mostrar que eram uma parte essencial da classe trabalhadora, e que, se parassem, não era possível continuar produzindo o mesmo e, segundo, usar a greve para conseguir suas reivindicações, ou melhor, arrancá-las do Estado e da patronal.

Existe um amplo acordo sobre a necessidade e legitimidade desta greve ou paralisação, que tem um caráter político muito marcado: contra a violência às mulheres, contra a exploração, a discriminação e todas as formas de opressão e por direitos reprodutivos plenos e igualdade salarial. Mas há um debate importante sobre quem e como parar. Quem tem que entrar em greve no 8M, por quê e como?

Vamos responder a essas perguntas a partir de nossa perspectiva socialista e revolucionária, pois acreditamos que as manifestações de 8 de Março constituem uma das expressões mais avançados da luta de classes atual, onde as mulheres são vanguarda indiscutível, e estão permitindo novas oportunidades políticas para a unidade de ação entre os diferentes setores, para a unificação das lutas e, acima de tudo, estão colocando na mesa reivindicações e tarefas chave da classe trabalhadora. Se conseguirmos avançar na sua resolução, seremos imparáveis.

A Paralisação de mulheres, a paralisação pelas mulheres e a greve geral

As paralisações massivas de mulheres que vimos no ano passado deram um conteúdo novo à tática da greve geral, pois pela primeira vez pararam as que nunca param nas paralisações gerais: as mulheres trabalhadoras e dos setores populares e pobres. Isto foi um avanço porque para as mulheres organizadas em sindicatos costumam ter mais dificuldades para fazer greve que para os homens, e as burocracias sindicais, que frequentemente não veem nem valorizam seu trabalho, não lutam por sua igualdade, não se preocupam com os obstáculos materiais que as mulheres têm que superar para fazer greve; mas também porque para muitas mulheres da classe trabalhadora e dos setores populares, como muitas mulheres imigrantes que vivem do trabalho informal, os sindicatos não as representam. A paralisação das mulheres conseguiu organizar por baixo um setor chave da classe trabalhadora que estava dividido e desmobilizado, seu setor feminino, e isso é uma vitória.

As mulheres conseguiram parar e ir massivamente às ruas porque deixaram de cumprir suas tarefas reprodutivas, além de não ir ao trabalho formal para aquelas que tem. Verónica Gago fala com razão de uma espécie de “revanche histórica”, já que a Paralisação de Mulheres conseguiu mostrar que “não há produção sem reprodução” ,e que até agora temos falado de greves gerais onde “o  ‘geral’ era sinônimo de uma parcialidade dominante: trabalho assalariado, masculino, sindicalizado, que excluía sistematicamente o trabalho não reconhecido pelo salário”.

Mas a Paralisação de Mulheres não pode continuar sendo uma Paralisação de Mulheres, isto é que só chame mulheres para lutar. O caráter feminista da luta tem que transitar ou abandonar a centralidade do sujeito social que são as mulheres, para transitar para seu conteúdo e estratégia efetiva: uma Paralisação geral pelas Mulheres como apresentam as companheiras argentinas do PSTU. Porque uma paralisação feminista que só chame as mulheres para lutar contra a opressão e exploração também é uma paralisação parcial, e para algumas, pouco feminista.

Nós, que continuamos participando na organização do 8 de Março, chamamos a que todas mulheres parem, e façam greve, mas ainda mais, chamamos para uma greve geral, total, pelas mulheres. Queremos que todos parem, todas e todes, sem importar o gênero, mas com o gênero na cabeça: já chega de violência e desrespeito para com as mulheres, já basta de leis que nos impedem de exercer livremente nossos direitos reprodutivos e nossa sexualidade, basta de desigualdade salarial e de pobreza, basta de opressão e exploração que tantos milhões de mulheres trabalhadoras sofremos.

Para que se celebre realmente uma paralisação pelas mulheres, é necessário que todas as centrais sindicais também assumam as paralisações e com força, se não for assim se dificultará muito inclusive a paralisação das mulheres, sem  falar dos demais setores.

Por isso nós da LIT-QI dizemos:

“Seremos a cabeça da luta, diremos o que precisamos, quais são nossas reivindicações mais urgentes e decidiremos como encher as ruas nesse dia, mas não queremos que as fábricas, escolas, comércios e empresas trabalhem sem nós, e sim queremos que estejam paralisadas!”

A greve geral não é de todo geral se as mulheres não param, a paralisação pelas mulheres não será uma paralisação geral nem vitoriosa se os homens da classe trabalhadora não se somarem a ela. Pelas mulheres trabalhadoras e contra a opressão, paremos todes.

A tarefa política que se apresenta com a paralisação dos cuidados

Uma das bandeiras desta nova forma de greve, a greve feminista ou realmente geral, é que inclui a paralisação não somente do trabalho assalariado, mas também de todas as formas de trabalho que as mulheres realizam. Isto é, inclui também o trabalho doméstico ou reprodutivo, e por isso se chama para uma “greve de cuidados”.

Por que realizar uma paralisação de cuidados? Algumas feministas argumentam que é importante “visibilizar” o trabalho reprodutivo das mulheres, essa forma de trabalho gratuito, ou de escravidão doméstica, sem a qual a reprodução social da classe trabalhadora seria impossível, um trabalho muito necessário para o funcionamento do capitalismo, mas que o próprio capitalismo não valoriza e do qual não extrai mais valia.

Nós acreditemos que visibilizar uma forma injusta de exploração é necessário, mas é muito limitado, visibilizar sem questionar, é uma forma de legitimar uma divisão social do trabalho que o capitalismo instalou em nossa sociedade, separando a fábrica e o lar. Como dizem as companheiras de Corriente Roja, não podemos “limitar-nos a proclamar greve de cuidados um dia para conseguir “um maior reconhecimento social do trabalho doméstico e de cuidados” ou “uma maior distribuição e responsabilidade social” do mesmo”.

Fazer isso confunde a raiz do problema e é totalmente insuficiente. Não somente queremos que se veja e se valorize, um dia ao ano, as milhões de horas de trabalho grátis que fazem as mulheres. Isso implica deixar intactas as estruturas de poder político e o sistema econômico no qual vivemos, e o 8 de março é justamente o dia que mais temos que questioná-las.

O capitalismo não pode resolver, em seu conjunto, o problema do trabalho reprodutivo não pago das mulheres, porque precisa desse trabalho invisível para se sustentar. Somente pode socializar o trabalho explorado não pago de maneira parcial, transformando-o em trabalho soperexplorado mal pago, como acontece com os restaurantes de comida rápida, as mulheres da limpeza ou as babás que cuidam das crianças. A única solução dentro do capitalismo para aliviar um setor de mulheres trabalhadoras do peso desse trabalho escravo, é através da contratação individual ou coletiva de mulheres imigrantes que ganham muito menos para suprir esses serviços.

Em suma, o que o capitalismo propõe como forma de “reconhecimento” e melhor “distribuição” do trabalho não pago que as mulheres fazem? A opção implícita no sistema é mais exploração e mais opressão: que as mulheres assalariadas brancas das classes médias superexplorem as mulheres (e às vezes homens imigrantes), indígenas ou negras para limpar, cuidar, cozinhar, lavar, consertar, etc.

Somente uma sociedade socialista, que reorganize de novo todas as formas de trabalho, o trabalho produtivo e o reprodutivo, com um critério justo e de igualdade entre os gêneros, com um método de democracia operária, e com o único objetivo de satisfazer nossas necessidades individuais e coletivas (e não de gerar lucro) poderá erradicar o trabalho escravo doméstico. Para isso, temos que organizar nossa classe para que tome o poder com essa perspectiva em mente.

Por isso temos que encarar essa luta desde hoje. Precisamos levantar reivindicações políticas e econômicas concretas que respondam à necessidade de acabar com a base material da opressão das mulheres, que é o trabalho reprodutivo não pago.

Precisamos de creches, restaurantes públicos, um sistema de saúde e residências para pessoas idosas que sejam públicos, gratuitos, de qualidade e para todos. Precisamos de licenças iguais de paternidade e maternidade e uma divisão de tarefas igualitária dentro de nossa classe. Não somente tem que visibilizar, tem que politizar e transformar nossa luta para conseguir uma sociedade realmente justa, e livre de qualquer forma de opressão e exploração.

Como possibilitar a paralisação de cuidados no 8 de março…e sempre?

Mas a consigna da paralisação de cuidados levanta outra tarefa de grande importância, e é a organização material dessa paralisação para que as mulheres possam parar. Justamente porque se trata de um trabalho que na sociedade não conta como tal, não basta declarar paralisação de cuidados, tem que organizá-lo pela base.

Muitas das tarefas de cuidados ou de trabalho reprodutivo que as mulheres fazem podem deixar de serem feitas por um dia, outras não. E então, como conseguir que as mulheres parem? Temos que organizar dentro de nossa classe uma socialização das tarefas que permita a participação das mulheres. Não somente todas as centrais sindicais  tm que chamar a paralisação e têm que parar os trabalhadores homens, como também  eles têm que se envolver ativamente, de maneira consciente e coletiva, em tornar possível a paralisação efetiva das mulheres.

Porque se na vida cotidiana a imensa maioria das mulheres tem hoje dois trabalhos (o trabalho pago e o não pago-reprodutivo), o dia da greve geral real e efetiva, para que as mulheres parem, há que se organizar uma série de serviços mínimos das tarefas reprodutivas, e tem sentido que esses dias de mobilização os homens da classe trabalhadora assumam essas tarefas reprodutivas como uma tarefa política, de luta, e que assim, a tornem visível.

Durante o 8M portanto, os homens deveriam organizar-se para apoiar a paralisação e encarregarem-se do cuidado dos filhos e membros idosos e enfermos de nossas famílias, de cozinhar e lavar, e demais tarefas necessárias. Mas de fato isso não deveria ocorrer somente no 8 de março, deveria ocorrer em cada conflito social, sindical e popular, deveria ser um reflexo organizativo de nossa própria classe: o reorganizar pela base as tarefas para conseguir uma participação igual de homens e mulheres em qualquer movimento social.

Como socialistas pensamos que temos que conseguir com que todas as organizações de nossa classe, começando pelos sindicatos, mas continuando com as associações de bairro, populares, se dotem de comissões de mulheres que proponham mecanismos permanentes para aumentar e assegurar a participação das mulheres trabalhadoras: serviço de creches, turnos de cuidados, cozinhas populares, divisão de tarefas domésticas, etc.

Não poderemos conseguir uma socialização igualitária e total de todas as tarefas domésticas enquanto vivemos em uma sociedade capitalista, mas isso não justifica não fazer avanços concretos que aumentem a politização de nossa classe em seu conjunto, e a participação ativa de seu setor mais oprimido e explorado: as mulheres trabalhadoras e pobres.

Tradução: Lilian Enck

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