sex mar 29, 2024
sexta-feira, março 29, 2024

A "lei da estabilidade": um novo massacre social


A necessidade de unificar as lutas para derrotar os ataques do governo preparando a manifestação do dia 27 de outubro.


O governo do primeiro ministro Monti apresentará ao parlamento uma lei financeira (chamada cinicamente de "lei da estabilidade", expressão “açucarada” que pouco se adequa a um Estado e a uma economia nacional que de estável tem bem pouco) que prevê um corte de cerca de 12 bilhões de euros nas despesas públicas. É um pacote semelhante àqueles que os primeiros ministros de outros países europeus estão lançando, da Espanha e Portugal à Grécia. Mas, enquanto naqueles países as manifestações de massas contra os cortes do governo estão na ordem do dia, aqui na Itália não parecem ainda provocar uma resposta à altura ao ataque em curso. É útil interrogarmos sobre o porquê disso, também a fim de apontar uma alternativa à grotesca situação de paz social que está acompanhando um dos mais pesados ataques da história à classe trabalhadora no nosso país.



Somente cacetadas: as cenouras para os trabalhadores acabaram


O ministro da educação Profumo, ao defender a proposta de aumentar 24 horas por mês a carga horária dos professores – coisa que levaria ao corte de outras dezenas de milhares de postos de trabalho que se somariam aos 180 mil postos de trabalho perdidos na escola graças aos cortes da ex-ministra Gelmini – explicitou a estratégia da sua ação e do governo do qual faz parte: "creio verdadeiramente que … devemos usar um pouco de cacetadas e um pouco de cenouras, algumas vezes devemos utilizar um pouco mais as cacetadas e um pouco menos as cenouras, outras vezes vice-versa, mas não muitas cenouras". O ministro esquece um detalhe importante: o governo não tem mais cenouras para distribuir aos trabalhadores, aos milhares de desempregados, aos estudantes.


{module Propaganda 30 anos – BRASIL}O que é demonstrado pelo último pacote financeiro, que prevê um corte de mais de um bilhão no sistema de saúde nacional, já pesadamente golpeado pela revisão de despesas de julho: foram reduzidas as despesas para a aquisição de bens, serviços e equipamentos médicos, ao que deverá ser somado outro redimensionamento dos leitos nos hospitais por medidas dos governos regionais (que sofreram uma redução de receita de mais de 2 bilhões, que se traduzirá em cortes nos serviços, de saúde em primeiro lugar). Se somarmos aos cortes de Monti aqueles de Tremonti [Ministro da economia de Berlusconi], se obtém que em um só ano a Saúde italiana sofreu cortes de cerca de 13,7 bilhões (sem contar os cortes das despesas de competência das regiões).


O serviço público com este pacote sofre ainda um pesadíssimo ataque: bloqueio dos contratos de trabalho (e dos aumentos) até 2014, fim da indenização de férias, adeus definitivo à recuperação das perdas do funcionalismo público. Em palavras mais simples, isto significa que os já miseráveis salários pagos aos funcionários públicos não só não terão aumentos, mas, ao contrário, serão reduzidos. Exceção, é claro, da cúpula (aqueles com retribuições em torno das centenas de milhares de euro), que nestes dias tiveram reconhecido como ilegítimo o corte de 5% dos seus salários por "despropositado efeito discriminatório".


A operação "céu escuro" – em virtude da qual é prevista a diminuição da iluminação durante as horas noturnas para economizar despesas com energia elétrica – completa este pacote: o céu sobre as cabeças de milhões de proletários é sempre mais sombrio.



Para quem vão as cenouras!


Enquanto o governo pede continuamente sacrifícios a quem não tem mais nem mesmo o dinheiro para comprar o pão, efetivamente existem alguns que continuam a receber suculentas cenouras. E não se trata somente dos "deputados" e dos "políticos", cujas safadezas são vistas por todos. Existem alguns que continuam a receber cenouras de ouro do governo, e o fazem sem que nenhum jornalista – nem aqueles da imprensa burguesa "iluminada", que desenvolvem uma cruzada contra a "casta dos políticos" – grite escandalizado. São os capitalistas da grande indústria, os banqueiros, os grandes acionistas, isto é aqueles que sempre receberam como presentes dos governos amigos – Prodi, Berlusconi e Monti – centenas de bilhões de euros, seja sob a forma de financiamentos diretos (como o dinheiro do plano de salvamento dos bancos ou dos incentivos à Fiat), seja sob a forma de financiamentos indiretos (como no caso das amortizações sociais, com as quais o Estado paga os operários ao invés destes serem pagos pelos patrões).

 

Para dar um exemplo recente, o famigerado decreto "Salva Itália", de dezembro de 2011, enquanto elevava drasticamente a idade da aposentadoria e introduzia o famigerado IMU (Novo imposto), alocava 700 milhões como "medida de apoio aos bancos no contexto da crise financeira". Assim, esta última "lei de estabilidade", enquanto arrancava o sangue com pancadas nas costas já castigadas dos trabalhadores, presenteia os investidores e especuladores com dinheiro: para os seus bolsos já cheios são destinados 790 milhões para a realização do Trem Turim-Lion e outros 1,2 bilhão de euros para uma grande obra em Veneza. Cenouras de ouro para os capitalistas que devastam o país, pancadas de tirar o sangue para milhões de trabalhadores.



O papel das burocracias sindicais


Mas retornemos à pergunta inicial. Porque, não obstante esse massacre social, na Itália não assistimos uma resposta de luta e de massas que vemos em outros país golpeados com medidas análogas? As lutas que existiram nestes meses foram várias e em alguns casos radicais: da dura luta dos operários da Irisbus e da Alcoa à dos operários da Jabil de Cassina de Pechi, das greves dos imigrantes às lutas dos operários da Esselunga e de Basiano, até as mobilizações dos operários da Fincantieri, dos não-Tav [Movimento contra o Trem rápido Turim-Lion], dos precários da escola, dos estudantes, dos trabalhadores de Taranto contra as demissões na Ilva. Mas são lutas que por hora permanecem divididas e fragmentadas, em alguns casos levadas a um beco sem saída pelas burocracias sindicais, que firmaram acordos rebaixados cantando a litania do "não podemos fazer nada diferente". 


É, paradoxalmente, o fato de que a classe trabalhadora italiana seja a mais sindicalizada da Europa que contribui para determinar esta situação. São cerca 15 milhões os sindicalizados nas três confederações sindicais reformistas Cgil, Cisl e Uil (6 milhões na Cgil, a maior numericamente). Isto determina um peso enorme dos aparatos burocráticos destas três centrais que – também em virtude da relação privilegiada com o Estado que protege os seus privilégios – têm uma grande capacidade de controle sobre a classe trabalhadora no nosso país. E estes aparatos burocráticos, que miram antes de tudo à própria conservação, estão pondo um freio fortíssimo às mobilizações. A radicalização das lutas é, de fato, vista como um inimigo a exorcizar por quem, nos aparatos burocráticos, vive de pequenos ou grandes privilégios: a conservação do status quo torna-se a premissa para a conservação deste estrato de parasitas.



As manifestações dos dias 20 e 27 de outubro


A Cgil, o principal sindicato italiano, em virtude da sua ligação com o PD (que apoia o governo Monti), não só se recusa a proclamar greves gerais contra as "reformas" das aposentadorias e do trabalho, mas também hoje – enquanto assina renovações contratuais que desmantelam de fato o contrato coletivo, como no caso do contrato dos químicos – se limita a convocar um ato no dia 20 de outubro em Roma, sobre a base de uma plataforma que é bem difícil de distinguir das declarações da Confederação patronal das indústrias: política industrial a favor dos investimentos, prorrogação das amortizações sociais, "afrouxamento" do pacto de estabilidade para permitir às cidades completar as obras de infraestrutura. A reivindicação mais "radical" é "o fim da taxação do décimo terceiro", como se alguns euros a mais permitisse resolver os problemas dos operários cujo salário não “chega” ao fim do mês. É uma manifestação de apoio ao PD e seus pacotes de governo e planos eleitorais, à qual participam muitos trabalhadores convencidos, infelizmente, que estão saindo às ruas contra o governo Monti.

 
No dia 27 de outubro, se desenvolverá, ao contrário, uma manifestação contra o governo – o "No Monti Day" – promovida pelo Comitê Contra a Dívida de Giorgio Cremaschi. É uma manifestação convocada de uma forma, infelizmente, não democrática, em parte um reflexo das burocracias sindicais: o Comitê Contra a Dívida é ainda de fato uma frente, no qual os líderes de vários partidos e sindicatos, cooptados por Cremaschi, decidem onde e quando convocar as manifestações. A importante ocasião de lançar um grande movimento pelo não pagamento da dívida também na Itália permanece, em grande parte, traída, porque não se criou, por vontade dos promotores, um real processo de construção de base nas cidades.



A manifestação do dia 27 de outubro é convocada a partir de uma plataforma reformista elaborada por Cremaschi e decidida por cima, sem que tenha ocorrido nenhum processo de discussão que envolvesse os milhares  de trabalhadores e jovens que concordam com a palavra de ordem do não pagamento da dívida e que poderiam ser envolvidos no desenvolvimento de uma real mobilização. É uma plataforma que reivindica a possibilidade de reformar o capitalismo no momento no qual este sistema econômico está em plena putrefação. É uma plataforma que, ao invés de reivindicar a expropriação sem indenização da grande indústria e dos bancos, propõe "fortes controles" nas multinacionais; uma "revolução pela democracia" e um "drástico corte nas despesas militares". É, de fato, um programa que pretende reformar o capitalismo com medidas neo-keynesianas, ao contrário de avançar reivindicações que impliquem a sua derrubada. Por isto o PdAC não subescreveu aquela plataforma (diferentemente de outras organizações políticas, que nas palavras se definem "revolucionárias", mas que ao contrário a aceitaram em silêncio em troca de um pouco de visibilidade midiática), mas se mobilizará para a manifestação e estará em Roma no dia 27 de outubro para propor o único programa realista diante da crise do sistema capitalista: unificar as lutas em uma greve geral europeia, expropriação sem indenização e sob controle operário da grande indústria e dos bancos, derrubar Monti por um governo operário.


Tradução: Rodrigo Ricupero

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