qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

A burguesia italiana "não para"! Coronavírus: o que não se faz para lucrar

Os governos são os comitês de negócios da grande burguesia: a atual situação de emergência está mostrando claramente quão verdadeira é essa frase de Marx. O governo Conte e os outros governos do mundo não escapam a essa regra. Só que, hoje, os negócios que eles representam são os de uma burguesia particularmente empodrecida, até incapaz, agora, de evitar uma matança em massa. Uma burguesia que não tem escrúpulos em sacrificar milhões de vidas humanas no altar do lucro.

Por: Fabiana Stefanoni
O mérito das greves
O decreto assinado por Conte em 22 de março, que prevê o fechamento temporário de algumas atividades industriais “não essenciais”, é parcialmente o resultado da luta de classes. Após a assinatura do Protocolo entre governo, sindicatos e Confindustria, tudo parecia fluir calmamente para os negócios dos capitalistas: os líderes da CGIL, CISL e UIL haviam garantido uma segurança impossível no local de trabalho e em muitas fábricas os trabalhadores foram chamados para voltar no dia seguinte (ou depois de alguns dias de fechamento para “higienização”). Uma onda de greves de operários – assim definida até pela imprensa burguesa – forçou várias empresas a mudar seus planos. Os burocratas sindicais tiveram que tomar conhecimento de um fato – as greves, justamente, – que eles próprios não desejavam nem esperavam. Muitas empresas que não queriam foram forçadas a fechar e o governo Conte, depois de ouvir os “parceiros sociais” várias vezes, finalmente decidiu pelo “fechamento das fábricas e das atividades não essenciais”.
Deve ser lembrado (e já o escrevemos em outros artigos): se chegamos a um fechamento – ainda que parcial e temporário -, não devemos agradecer a Landini ou Furlan: a única verdadeira pressão sindical foi a dos operários que impuseram greves por tempo indeterminado em muitas empresas do país, com altíssimas adesões, entre 80 e 100%. Em alguns territórios, governantes e capitalistas tiveram que constatar que, se não tivessem fechado suas fábricas, muitas teriam sido fechadas por operários com as greves.
Um decreto fraudulento
Mas o decreto de 22 de março é insuficiente e, acima de tudo, fraudulento. Em primeiro lugar, na longa lista de atividades essenciais (incluindo aquelas reduzidas após as greves de 23 de março), há várias que não são, absolutamente, essenciais: por exemplo, muitas empresas dos setores químico (ver produção de plástico) e têxtil produzem bens que não são de forma alguma necessários neste momento, muito menos a indústria militar (1). Não é só isso: muitas grandes empresas estão se preparando para mudar seu código e encaixar suas atividades entre aquelas consideradas essenciais; muitos outros pediram exceções às prefeituras. Como até o Fatto quotidiano de 26 de março denunciou, estima-se que cerca de 12 milhões de trabalhadores se enquadram nas categorias consideradas não essenciais (2).
Mas o principal problema é outro, é o fato de que não há nenhum limite de produção para as chamadas empresas “essenciais”, ligadas às reais “necessidades essenciais”. Para dar um exemplo: no setor de alimentos, existem grandes empresas que continuaram a produzir a toda velocidade, certamente não para atender às necessidades alimentares da população: eles o fizeram para o mercado internacional, isto é, para obter lucro.
Os casos das fábricas de massas De Cecco, Barilla ou Rana são emblemáticos: essas grandes empresas do setor de alimentos, por sua própria admissão, trabalham a toda velocidade desde o início da epidemia, muitas vezes também aos sábados e domingos. O encarte econômico do [jornal] Corriere Della Sera, de 23 de março, ostentava o fato de os empresários da região Abruzzo da De Cecco, nos últimos dois meses “tinha, produzido 340 mil toneladas de penne, tagliatelle e espaguete, 70 mil a mais de um ano atrás “devido a “um pico médio de crescimento de 25% entre fevereiro e março” (3).
Por esse sensacional aumento de lucros, grandes empresas como a De Cecco devem, em primeiro lugar, agradecer a campanha “Comprar Made in Italy“, lançada pelo ministro das Relações Exteriores Di Maio, que aumentou rapidamente a demanda internacional por massas italianas. La Rana Spa, graças ao crescimento retumbante das vendas, inclusive concedeu “generosamente” um aumento salarial aos operários que mais trabalham. Como dizer: aqueles que arriscarem suas vidas serão recompensados! Como declarou Ivano Vacondio, presidente da Federalimentare: “a produção de alimentos italiana está indo além do limiar de 75% do potencial de produção ao qual as nossas empresas estão acostumadas a operar”.
Não é preciso ser um gênio para chegar a uma conclusão simples: apenas em um número limitado de empresas, incluindo as da cadeia de suprimento de alimentos, os operários são chamados a trabalhar para satisfazer as “necessidades essenciais”. Eles estão na fábrica arriscando o contágio – e a vida – pelos lucros bilionários de seus patrões!
Aprendizes de feiticeiro
Obviamente, também na Itália, como no resto do mundo, a burguesia não é um bloco compacto e homogêneo. Desde que a crise econômica explodiu em 2007, ao contrário, viu-se intensificar internamente conflitos e lacerações: emblemática desse ponto de vista, foi a decisão da Fiat de deixar a Confindustria (2011). Hoje, com o agravamento da crise e os riscos de uma recessão sem precedentes (acelerada pela pandemia), as divergências tendem a se intensificar. Isso explica por que, atualmente, parecem surgir táticas diferentes e parcialmente opostas na frente burguesa para enfrentar a epidemia em andamento: fechar todas as fábricas por 15 dias e depois reabrir? estender o fechamento até o final do mês? não fechar nem um dia?
Mas, embora envolta em mil dilemas, toda a grande burguesia tem seu centro de gravidade permanente: o lucro. É por isso que os capitalistas italianos estão todos empenhados em tentar resolver o mesmo quebra-cabeça: como reiniciar a máquina da produção e do mercado o mais rápido possível, apesar de uma epidemia que promete ser duradoura?
Aqui, então, os CEOs de grandes empresas se desdobram para criar soluções que poderiam competir, pelo absurdo e pela crueldade, com as ações funestas (e desastrosas) de um aprendiz de feiticeiro. Não são poucos os que seguem o exemplo dos ricos empresários de Nembro e Alzano Lombardo, em Valseriana (responsáveis ​​por um massacre em massa): são aqueles que persistem em não querer fechar nem um dia.
Mas mesmo entre os que fecharam, muitos pensam em reabrir o mais rápido possível. As empresas que não estão entre as essenciais já estão se preparando para encontrar um truque: converter parte da produção para receber o cobiçado reconhecimento de “atividades essenciais”. Ao fazer isso, eles também receberão financiamentos estatais substanciais na forma de incentivos: o decreto “Cura Italia” aloca 50 milhões para empresas dispostas a produzir ventiladores, máscaras, óculos, jalecos e macacões de segurança.
Entre os tios Patinhas que oferecerão seus serviços ao épico (e lucrativo), empreendimento, encontramos alguns nomes que talvez sejam conhecidos de você: Armani, Gucci, Prada, Moschino, Ferrari, Calzedonia, Magneti Marelli, etc. (4). Todos ​miseráveis ​​que, justamente, precisavam de algum incentivo econômico (leia-se: financiamento público) do Estado … Não só isso: graças ao “truque” da conversão, é previsível que essas pessoas astutas chamarão os operários para trabalhar também nas linhas de produção habituais (a “Cura Italia” não o proíbe).
Há também aqueles que, não querendo converter a produção, já estão pensando em outros caminhos possíveis: a Ducati de Bolonha, como anunciou seu CEO, gostaria de reabrir imediatamente após a Páscoa, já que “essa parada é uma catástrofe” (5). Por este motivo, eles já estão pensando em contribuir generosamente para testes sorológicos em operários: os não infectados poderiam, assim, serenamente retornar ao trabalho.
É uma pena que agora esteja claro para todos – e de alguma forma implícito nas medidas tomadas pelo governo – que qualquer operário que saia de casa para ir ao trabalho corre o risco de contágio todos os dias: não há teste sorológico que garanta. Caso contrário, por que as mães deveriam ser proibidas de acompanhar as crianças pequenas na rua? Além disso, se os operários são forçados a usar o transporte público e trabalhar em ambientes fechados, nenhum teste poderá realmente protegê-los do risco de infecção.
A burguesia chama, o governo responde.
Murmúrio, murmúrio: a burguesia medita, mas não pode resolver o enigma. Como reativar os negócios em meio à pestilência? Eis que vem o vice-ministro da Saúde, Pierpaolo Sileri, que corre para ajudá-los: em breve as fábricas, que assinaram e aplicaram os acordos sindicais de segurança, poderão ser reabertas. Ou seja, aqueles acordos que preveem algo que é simplesmente impossível: conter a difusão do vírus com máscaras cirúrgicas (inúteis) ou com uma distância simples (inútil) de um metro entre um operário e outro. Não satisfeito, Sileri acrescenta que “talvez os trabalhadores menos frágeis e as mulheres, menos expostos à ameaça do Covid, poderiam retomar à produção” (6). Podemos imaginar o que Sileri pensa das mulheres operárias…, mas dizer que as mulheres correm menos risco de contágio, quando não há evidências científicas até o momento, é uma aberração.
E se não fosse possível reabrir depois da Páscoa? Um plano B já está sendo elaborado. Para ser mais precisa, trata-se uma medida extraordinária de apoio às empresas de cerca de 40 bilhões. Não só isso: aparentemente, para as empresas haverá uma garantia do Estado de 200 bilhões de crédito. Lembrem-se desses números e compare-os com os 600 euros, uma quota que o governo concedeu aos MEIs e aos comerciantes que foram forçados a fechar a loja. Ou compare-os com as migalhas nos vales refeição concedidos pelos municípios aos indigentes.
Centenas de milhares de trabalhadores já perderam seus empregos na Itália (assim como em outros países): dos educadores das cooperativas aos vendedores, dos trabalhadores domésticos aos cuidadores, às dezenas de milhares de trabalhadoras e trabalhadores sem carteira assinada que não sabem mais como sobreviver. Talvez haja um punhado de euros para eles no próximo decreto de abril: entre descontos e incentivos, em vez disso, mais ou menos 250 bilhões (!) é o dinheiro que o governo italiano terá dado, entre março e abril, aos riquíssimos capitalistas made in Italy.
Podemos facilmente prever que as burocracias sindicais (Landini na liderança) não dirão uma palavra sobre essa vergonhosa diferença de tratamento. Esperamos e tomaremos medidas para garantir que, mais uma vez, os trabalhadores e as trabalhadoras se organizem com greves, para rejeitar com luta as manobras da burguesia e de seu “comitê de negócios”.
(2020/04/03)
Notas
(1) Em relação à indústria militar, indicamos este artigo da Rede Disarmiamoli: www.disarmo.org/rete/a/47432.html.
(2) Ver o artigo de S. Cannavò, “Trabalhos ‘fundamentais’ básicos” apenas 200 mil a menos”.
(3) Ver artigo de D. Polizzi no suplemento A Economia do Corriere della Sera.
(4) https://www.ilsole24ore.com/art/da-miroglio-menarini-fabbriche-che-si-riconvertono-contro-coronavirus-ADLIFdD
(5) Ver a entrevista em Repubblica Bologna de 2 de abril.
(6) Ver o artigo de P. Russo em La Stampa, de 2 de abril, intitulado “Depois da Páscoa e por áreas. Há um plano para reabrir. ”
Tradução: Maria Teresa Albiero

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