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quinta-feira, abril 25, 2024

Israelenses que estão perdidos para a democracia

(Este artigo foi publicado no jornal Haaretz e expressa apenas o ponto de vista de seu autor)

Por: Gideon Levy, Correspondente do Haaretz

Os palestinos não venceram (e presume-se que nunca vencerão), mas Israel perdeu outra vez. Os restos de humanidade estão sendo apagados com uma velocidade assustadora e sem precedentes. Horrores estão sendo cometidos nos territórios ocupados com uma frequência e um grau nunca antes vistos.

As pedras ou facadas que poderiam justificar essas atrocidades não foram ainda criadas – e são recebidas com um dar de ombros pelo público de Israel. Sua exposição ao comportamento de seus soldados e policiais sempre é mediada pela grande mídia israelense, na qual pode-se contar que vai borrar, polir e ocultar o quanto for possível. Mas as redes sociais cospem as imagens, horror a horror. Uma olhada e você ficará constrangido; mais uma e a sensação de náusea combinada com fúria se apossa de você.

O que não aconteceu nas últimas semanas (além das facadas, que causaram ferimentos leves em israelenses): um bebê palestino de oito meses morreu, aparentemente por inalar gás lacrimogêneo em Beit Fajjar, ao sul de Belém. “Vamos lançar gás lacrimogêneo em vocês até que vocês morram. Crianças, adultos, idosos, todo mundo, todos – não vai sobrar um único de vocês“, latiu um oficial da Polícia de Fronteira no alto-falante de seu jipe blindado no campo de refugiados de Al-Aida, em nome de todos os israelenses.

Um outro jipe da Polícia de Fronteira deliberadamente atropelou um palestino que estava atirando pedras perto de Beit El. O que aconteceu a seguir é difícil de assistir: o palestino gravemente ferido jaz no chão, as tropas da Polícia de Fronteira o chutam e repelem violentamente as equipes de resgate palestinas antes que consigam atendê-lo.

Outro membro da Polícia de Fronteira, em um lugar diferente, atinge um jornalista que usava máscara de gás e ousava tirar fotos. Em outro lugar, spray de pimenta é lançado diretamente no rosto de um fotógrafo, que cai, seu rosto contorcido de dor.

Ahmed Manasra, o garoto de 13 anos que supostamente esfaqueou dois israelenses, ferindo-os gravemente, foi levado a uma audiência de prisão preventiva algemado. Ele está sendo acusado de tentativa de assassinato, mas os promotores estão tentando arrastar os procedimentos por mais de dois meses, para que Ahmed complete 14 anos. Aí ele poderá passar décadas na prisão se for condenado – e isso é praticamente certo. O acanhado promotor prometeu perseguir “terroristas” de “qualquer idade”.

Israel graciosamente se dignou a devolver os corpos de sete palestinos depois de um atraso nauseante que levou a estouros de fúria nos territórios ocupados. Os corpos de lutadores que foram baleados até a morte são despidos por soldados e policiais em público, as imagens de seus corpos nus compartilhadas nas redes sociais. A sede por demolir as casas de terroristas – rapidamente e em grande quantidade – não pode ser satisfeita. Um civil, Mashiah Ben Ami, gaba-se por ter disparado não menos que 15 tiros em um palestino que tentou esfaqueá-lo e rasgou sua camisa.

A discussão sobre uma política de atirar para matar, usando balas verdadeiras, em qualquer pessoa que esfaqueie ou use uma faca, qualquer que seja a periculosidade, nem sequer começou em Israel. E nunca vai ser feita. Mais de 70 palestinos foram mortos dessa maneira desde o começo do levante.

Esse levante é turbulento, e é a coisa mais previsível que já aconteceu por aqui. Ele não pode ser suprimido pela força, e os soldados e policiais que encaram a multidão furiosa e tentam fazê-lo só merecem pena.

Mas quando essa onda diminuir, durante o hiato até a próxima, nós teremos o desastre de verdade: observe os soldados, e especialmente a Polícia de Fronteira, note seu comportamento bárbaro, de tropa de choque, com todo mundo que está no seu caminho, e você vai entender o que nos aguarda e que caráter o país vai ter, se é que já não tem.

Aqueles que maliciosamente atropelam um adolescente e então cruelmente o chutam, que ameaçam matar em massa com gás e atacam equipes médicas e jornalistas, são cidadãos que estão perdidos para a democracia. Eles são kalgasim, como chamamos em hebraico (“invasores cruéis”). E aqueles que os acobertam, que os olham com apatia e indiferença, esses são seus cúmplices. Cúmplices totais.

Fonte: http://www.haaretz.com/opinion/.premium-1.683421?date=1446853111424

Tradução: Gabriel Tolstoy

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