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sexta-feira, abril 19, 2024

FMLN: de partido de esquerda a partido do regime burguês

Com este primeiro artigo queremos iniciar uma polêmica teórica, política, e ideológica, com todas as organizações da esquerda que se mantém fora da FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional), e com grande parte da base militante deste partido.

Trata-se da discussão sobre a necessidade de criar um novo partido de esquerda neste país, um dos temas que na esquerda salvadorenha está começando a ganhar espaço, diante da traição da cúpula da FMLN, que transformou a Frente num partido que caminha em um retrocesso claro rumo à direta. Assim, a necessidade de construir um novo partido com um sólido programa e princípios revolucionários socialistas, é uma tarefa que não é simplesmente um desejo da subjetividade de alguns indivíduos, acreditamos que suas causas são objetivas, ou seja, estão relacionadas com o desenvolvimento da situação política da luta de classes no nosso país.
 
Nós da UST (Unidade Socialista das e dos Trabalhadores) acreditamos que este debate se dará não só entre a base da FMLN e das demais organizações de esquerda, mas também polemizar com o MDP (Movimento pela Democracia Participativa), que aparece com uma proposta de construir um novo partido de esquerda. Por isso acreditamos que este debate coloca na ordem do dia, a discussão sobre a concepção de partido revolucionário a partir da concepção leninista, principalmente porque os reformistas estão querendo manter a concepção de um partido de esquerda com um programa de conciliação com setores da burguesia. Mantendo a mesma concepção e política que a velha burocracia que dirige a FMLN.
 
As origens revolucionárias da FMLN já não existem mais
 
A FMLN nasceu nos anos 80, fruto da unidade militar de cinco organizações político militares que combateram a ditadura militar e o exército da burguesia salvadorenha, financiado diretamente pelo imperialismo. Este nome deu origem a uma identificação do povo trabalhador e das organizações de massas, que com grandes expectativas apoiavam a luta contra a ditadura, com grandes mobilizações e greves.
 
No marco de um processo revolucionário na América Central, a luta que a FMLN dirigiu se tornou não somente democrática, ou seja, derrubar as ditaduras militares, mas também se tornou anti-imperialista, devido a sua dinâmica e seus objetivos.
 
Várias décadas se passaram e a atual burocracia governante da FMLN, prefere deixar para trás, na lixeira da história, estas heroicas lutas e os milhares de mortos que deram suas vidas pelo triunfo da revolução, e não por um pacto negociado com o governo e com o imperialismo. Foi aí que o comando daquela época, não só deu fim aos desejos revolucionários das massas, mas também aceitou sua nova condição como partido político, que obedeceria as regras do jogo dentro do capitalismo.
 
Desta forma começava uma nova etapa neste partido, onde tinha início o caminho de renúncia dos princípios revolucionários, e começava a erigir uma burocracia poderosa que usurparia o passado revolucionário.
 
Os avanços eleitorais distanciam a FMLN da concepção de partido revolucionário e de suas bases
 
Depois da assinatura dos acordos de paz, a direção da FMLN começava seu novo caminho rumo à preparação de seu aparato e para ficar pronto para as eleições, concorrer como deputados, prefeitos, e à presidência, tudo dentro da lógica e concepção burguesa da participação nestes processos, e depois para serem administradores diretos de uma pequena parte das instituições e cargos públicos dentro do Estado burguês salvadorenho.
 
Se a direção da FMLN tivesse optado por construir um partido revolucionário e socialista, a participação nestes espaços eleitorais teria sido feita em base a clareza de que serviam como táticas, ou seja, era somente meios para levar às propostas e programas revolucionários a maior quantidade de trabalhadores, e também denunciar a falsidade deste regime eleitoral.
 
Para um partido de concepção leninista, as eleições não são uma estratégia, mas como dissemos, é uma tática. A estratégia que a direção da FMLN renunciou foi a da organização e mobilização das massas trabalhadoras contra o capitalismo, que hoje em dia eles ajudam a sustentar com sua política no governo, e mantendo os mesmos ataques que a direita fazia contra os sindicatos mais classistas e lutadores.
 
A burocratização alcançada na assembleia legislativa e na administração das prefeituras distanciaram a FMLN de um regime interno de centralismo democrático, e de um programa revolucionário. No atual partido FMLN, a base é quem obedece e somente é levada em conta para as tarefas de propaganda eleitoral, manipulando a militância de forma utilitarista.
 
Em relação a este regime poderíamos defini-lo com as palavras de Nahuel Moreno[1]:
 
A necessidade de uma vida interna democrática tem a ver com a relação objetiva que o partido tem com o movimento de massas e com a dialética desta relação. Em primeiro lugar, o partido necessita de democracia porque a elaboração de sua linha política é coletiva. Não é obra de alguns indivíduos particularmente inteligentes ou preparados, mas do choque das opiniões de todos que compõem o partido; de todos estes militantes que expressam o setor do movimento de massas sobre o qual desenvolvem sua atividade. Porém uma vez elaborada a linha, ela deve ser confrontada com a realidade, o que é feito através da atividade militante de cada um dos núcleos e indivíduos e do partido como um todo.”
 
A realidade se encarregou de demonstrar que na Frente nenhum militante de base discute, muito menos decide a política do partido em nenhum organismo, por exemplo: a tão famosa convenção nacional é somente um show onde levantam as mãos os membros do partido mais próximos da cúpula do partido. A questão do regime interno e do programa é fundamental, já que este é o que define o caráter revolucionário de um partido que se disponha a lutar pelos direitos históricos da classe trabalhadora, referindo-se ao partido revolucionário bolchevique [2] Moreno dizia o seguinte:
 
A atividade principal do partido revolucionário não era a eleitoral, mas a luta de classes. É o partido do trabalho cotidiano, que intervém nas lutas de todos os dias da classe operária e das massas exploradas, as acompanha, tenta organizar e organiza o próprio partido na classe e nas lutas. Está nas batalhas da classe, em todas: tanto nas grandes como nas pequenas. Sempre tenta estar à frente delas, de dirigi-las e organizá-las ou, no mínimo, intervir nestas lutas espontâneas que a classe faz.”
 
A cúpula e seu partido, vermelhos por fora e burgueses por dentro
 
Acreditamos que este não é o partido das bases, ainda que na sua maioria esteja composto por militantes honestos e revolucionários, mas que continuam de mãos e pés amarrados pela cúpula. Grande parte desta base é testemunha da degeneração da direção e muitos deles já são conscientes deste processo, porém apesar disto muitos ainda alimentam esperanças de que a Frente mude de rumo, mas isto não é nada mais que apenas um bom desejo. A cúpula mantém o controle total dos espaços de discussão e de decisão do partido. A blindagem é tão dura, que hoje no governo é permitido subir nos seus planos como empresários, constituindo como uma nova burguesia que se veste de vermelho.
 
Enquanto as bases continuam sendo da classe trabalhadora que hoje está vendo que o partido da cúpula no governo, mantém as mesmas políticas de benefício para a burguesia e de obediência ao imperialismo.
 
Construir um novo partido revolucionário socialista e internacionalista
 
{module Propaganda 30 anos – MULHER}Sobre a derrota da revolução de 36 na França sob o governo de frente popular, Trotsky disse: “os operários foram incapazes de reconhecer o inimigo porque este se disfarçava de amigo”. Este problema da clareza do governo, sobre sua natureza de conciliação com a burguesia, pode ser o grande obstáculo para o avanço da revolução salvadorenha e por isso mesmo é o grande desafio para as forças que se reivindicam de esquerda revolucionária em El Salvador. Nós da UST fazemos um chamado às correntes e militantes de esquerda da FMLN, para que entrem no caminho da ruptura com a cúpula da FMLN, e para que discutamos um programa e um novo partido revolucionário, em alternativa à FMLN.
 
[1] Nahuel Moreno 1924-1987: um dos principais dirigentes trotskistas do pós-guerra, foi o fundador e o dirigente máximo do Movimento Ao Socialismo da Argentina, naquela época o maior partido trotskista do mundo e também da LIT-QI.
[2] Bolcheviques: derivada da palavra russa que significa maioria. No congresso de 1903 do Partido Operário Social democrata Russo, ocorrido em Londres, aconteceu uma ruptura em torno do tipo de organização revolucionária que devia ser formada. Lênin ganhou suas posições por maioria de votos; desde então sua tendência ficou conhecida como bolchevique. O outro grupo, dirigido por Martov, ficou em minoria, daí vem sua denominação de mencheviques. Os bolcheviques dirigiram a revolução russa de outubro de 1917.
 
Tradução: Mariana Caetano

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