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sexta-feira, março 29, 2024

EUA, Rússia e UE negociam para enterrar a luta do povo sírio

A Síria transformou-se na Palestina do século XXI. A “nakba”1 síria gerou até agora mais de 12 milhões de migrações internas, 4 milhões de refugiados externos e 400 mil mortos. A maior parte deles tombou sob a repressão do regime de Bashar al Assad por participar de alguma mobilização popular, ou foi vítima dos bombardeios indiscriminados contra zonas “rebeldes”, ou da brutalidade do autodenominado Estado Islâmico.

Por: Juan Parodi e Gabriel Huland

Muitos ativistas honestos, defensores da causa palestina e simpatizantes da primavera árabe, perguntam-se se o conflito sírio ainda pode ser considerado uma revolução popular, por causa das enormes complicações para descrever a situação e precisar os interesses em jogo.

A entrada da Rússia aumentou a sensação de caos, uma vez que diferentes analistas e a maioria dos partidos de esquerda fazem questão de apresentar Putin como um líder “anti-imperialista” movido por interesses contrários aos dos EUA, da UE, do EI, da Turquia e das monarquias do Golfo. Para alguns, até mesmo Assad seria um líder esquerdista progressivo, o que é um disparate completo.

A Rússia tem bombardeado a Síria desde o dia 30 de setembro e o balanço provisório de sua atuação revela suas verdadeiras intenções, apesar do discurso de “combate ao terrorismo”. Apenas entre os dias 29 e 30 de outubro, para que façamos uma ideia, os aviões russos atacaram pelo menos 118 alvos, quase todos alvos civis em zonas “rebeldes”. Por outro lado, o Estado Islâmico praticamente não foi atingido.

Segundo diferentes meios de comunicação independentes e organizações humanitárias, como a ONG Médicos Sem Fronteiras, muitos hospitais foram bombardeados, provocando um grande número de vítimas (pacientes e médicos). Em 27 de outubro, o quartel general do Exército Livre da Síria (ELS) em Alepo foi atingido por uma bomba fabricada em Moscou. A intervenção russa aumentou o número de refugiados que fogem para a Europa.

O governo norte-americano, junto a outros aliados como França ou Arábia Saudita, também está intervindo e bombardeando na Síria. Obama anunciou recentemente que enviará tropas de elite, cerca de 50 combatentes que atuarão como assessores militares. Esta intervenção também é extremamente cuidadosa para não atacar o regime de Assad.

O Observatório Sírio dos Direitos Humanos informou que pelo menos 3.650 pessoas morreram desde o início das atividades desta Coalizão Internacional na Síria há mais de um ano. Em ambos os casos, os mais prejudicados pelas bombas foram os civis e os grupos armados independentes que lutam sob a bandeira do ELS ou de alguma brigada opositora a Assad.

A conferência de Viena propõe a permanência do regime mediante uma saída negociada. Pela primeira vez desde o início da revolução e da posterior guerra civil, a maioria dos governos que estão intervindo no conflito sírio se sentará em uma mesma mesa para negociar e tentar chegar a um acordo.

Segundo o jornal El País, a cúpula de Viena contará com a participação dos ministros de Relações Exteriores da Alemanha, da França e do Irã, bem como da chefe da diplomacia europeia, do emissário especial da ONU para a Síria e de altos representantes da China, Iraque, Qatar, Líbano, Egito, Emirados Árabes Unidos e Omã. A lista de participantes em Viena expressa muito bem a atual situação no país árabe.

Nenhum grupo sírio, seja da Coalizão Nacional Síria (o principal grupo da oposição exilada) ou dos grupos rebeldes que atuam na região, foi convidado para a Conferência, o que é a prova mais contundente de que nenhum desses países está interessado em satisfazer as demandas da Revolução Síria.

A realidade é que nenhum desses países se importa realmente com as vidas sírias que estão sendo perdidas. Estão preocupados simplesmente com seus interesses políticos e econômicos. Este fato aterrador é a característica mais nefasta do atual sistema mundial em sua fase decadente. Um sistema que observou impassível como uma ditadura esmagava a sangue e fogo o legítimo levante de seu povo, e só intervém agora para proteger seus interesses geopolíticos.

O complicado objetivo da conferência é reconduzir a situação do país mediante uma negociação que permita ao regime atual sobreviver com a aprovação internacional graças a uma mudança cosmética, começando talvez pela saída impune de Assad e integrando algumas figuras “opositoras” bem controladas. Embora seja difícil, não é um acordo impossível.

Por um lado, a crise dos refugiados está complicando a vida dos governos europeus. E, por outro, todos os governos implicados estão interessados em enterrar definitivamente as reivindicações e a revolução que os sírios protagonizaram há 4 anos.

Embora em alguns momentos possa parecer que não, a Rússia, os EUA e a UE estão totalmente de acordo em impedir uma revolução vitoriosa no Oriente Médio. Para eles, o fundamental é recuperar a estabilidade na região e assegurar a existência de Israel, que garante os interesses imperialistas na região, bem como a boa relação com os países produtores de petróleo, não importando se são ditaduras teocráticas, como as do Irã e da Arábia Saudita, ou ditaduras laicas, como os governos da Síria e do Egito.

O povo sírio nunca foi escutado, não teve o direito de manifestar-se em nenhum momento, não foi um interlocutor válido para nenhuma das potências mundiais. O Oriente Médio e o Norte da África foram e continuam sendo palco de profundas revoluções sociais que ameaçam mudar a ordem política e econômica de países como Egito, Tunísia, Líbia, Síria e Bahrein.

Este é o verdadeiro medo dos políticos e das empresas multinacionais que atuam na região, ou seja, que seus benefícios sejam ameaçados pelas massas árabes, às quais só resta a alternativa de ir às ruas para protestar.

Uma revolução social vitoriosa nesta parte do mundo pode começar a questionar a dominação econômica e política das diferentes potências mundiais na região. Esta dominação econômica e política parasitária, existente em todo o mundo, chamamos de imperialismo, e é este sistema putrefato que devemos derrotar de maneira unificada em nível global.

Nota:

1. Nakba: êxodo palestino de 1948, onde cerca de 750.000 árabes palestinos (78% da população) fugiram ou foram expulsos de seus lares em razão da guerra árabe-israelense, após a criação do Estado de Israel (NdT).

Tradução: Rosângela Botelho

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