qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Chile| As dívidas dos trabalhadores, o resgate da LATAM e os Bancos

No El Mercurio do domingo (07/06) foram publicados vários dados e reportagens muito reveladores sobre como funciona a sociedade capitalista e quem são os verdadeiros “donos do mundo”.

Por: David Espinoza
O primeiro dado é: entre março e abril deste ano, no Chile, mais 120 mil pessoas entraram na categoria de “devedores inadimplentes”, ou seja, pessoas que estão com dívidas atrasadas. No total, em nosso país, são cerca de 5 milhões, quase um terço dos habitantes. Entre os maiores de 18 anos, 37% estão inadimplentes. Ou seja, a cada 10 pessoas, quase 4 tem dívidas atrasadas. A média da dívida por pessoa é de 1,8 milhões de pesos, aproximadamente 6 vezes o valor do salário mínimo. Dessas dívidas, 59% são com os Bancos.
O segundo dado: a LATAM, a maior companhia aérea “chilena”, que tem como seu principal acionista a família Cueto (amiga de Piñera), fez um pedido judicial nos EUA para reorganizar suas finanças. Sim, nos Estados Unidos, já que grande parte dos Bancos para os quais a Latam deve (credores) são norte-americanos.
LATAM tem uma dívida de aproximadamente, 10 bilhões de dólares, dos quais 7 bilhões são financeiros (empréstimos de dinheiro). Como a empresa se mantém quase paralisada pela pandemia, não existe fluxo de caixa e as dívidas vão vencendo. Segundo estudos do banco JP Morgan, a LATAM poderiam sobreviver até julho com o caixa que tem. A empresa já despediu mais de 1.850 pessoas desde o início da crise e reduziu o salário de grande parte de seu efetivo (mais de 40.000 trabalhadores) pela metade. Alguns dias atrás a empresa anunciou mais 2000 demissões no Brasil. Mesmo assim, a empresa, ainda tem um caixa de 1,3 bilhões de dólares. Para renegociar suas dívidas e manter a operação, LATAM precisa de novos investimentos de mais ou menos 2 bilhões de dólares.
A grande maioria dos credores da LATAM (a quem a empresa deve pagar os 7 bilhões) são grandes bancos estrangeiros ou Fundos de Investimentos estrangeiros, alguns deles com filias no Chile. Na lista estão: Citibank, Scotiabank, Bank of New York Mellon, Corporation, Itaú, BTG Pactual, vários Fundos de Investimentos japoneses, Banco Santander, etc. É importante lembrar que parte das ações da LATAM também estão diretamente nas mãos do mercando financeiro – Bancos e AFPs.
A empresa agora está negociando um resgate para não quebrar. Parte desses 2 bilhões que precisa vão vir da Qatar Airlines (um dos maiores acionistas), outra parte da família Cueto, e outra parte estão procurando nos governos de diferentes países. Ao governo chileno solicitaram entre 500 milhões e 1 bilhão de dólares como resgate. O governo já está discutindo o resgate e o mais provável é que este seja sob a forma de garantias, não de um empréstimo direto. Ou seja, o governo dará uma garantia aos credores da LATAM. Se a empresa não puder pagar suas dívidas, o Estado pagará com dinheiro de todo o povo que mora no Chile.
O terceiro elemento interessante para essa análise, que supostamente não tem a ver com as duas anteriores, é que o governo chileno aprovou, em abril, uma linha de crédito para as pequenas, médias e grandes empresas, chamada Crédito Covid-19. Esta linha de crédito tem como objetivo emprestar dinheiro para as empresas que estão sofrendo pela pandemia, para isso, o governo injetou 3 bilhões de dólares no Fundo de Garantia para Pequenos Empresários (FOGAPE), de onde os bancos privados poderão tirar o dinheiro para emprestar para as empresas com condições especiais. O governo não empresta o dinheiro diretamente para as empresas, empresta através dos Bancos, que cobram taxas de juros superiores às do Banco Central. Ou seja, os Bancos privados ganham dinheiro com os empréstimos. Alguns Bancos que estão fazendo empréstimos dessa linha de crédito são: Scotiabank, Banco de Chile, Santander, Itaú e outros – vários dos quais também são credores da LATAM.
Bom. Depois desta entediante exposição de números, onde queremos chegar? Aos Bancos.
Aqui tomamos 3 setores diferentes da sociedade. As famílias, as empresas e o Estado. Ao final, o dinheiro dos três setores termina… nos Bancos! Além disso, o governo chileno terá que se endividar para financiar seus pacotes econômicos. E pegará dinheiro emprestado dos Bancos (e o mais nefasto deles – o FMI).
Toda essa circulação de dinheiro que ao final se concentra nos Bancos é um dos principais elementos do que Lenin, o grande revolucionário russo, chamava de Imperialismo. Desde o início do século XX os bancos começaram a dominar praticamente todos os setores econômicos e nações, tornando-se donos das empresas e se transformando em grandes monopólios. Quando falamos de Bancos não estamos falando somente dos Bancos comerciais que nos empresta dinheiro. Os Bancos mais importantes são os Fundos de Investimento, como o norte-americano BlackRock, que tem em seu poder mais de 7 trilhões dólares, soma de dinheiro superior ao PIB da maioria dos países do mundo. Esses grandes monopólios estendem seu controle econômico sobre todos os países do mundo em associação com os Estados imperialistas, que são grandes representantes e defensores armados da dominação desses monopólios.
Nessa grande cadeia de circulação e concentração de dinheiro na mão dos grandes Bancos, que depois se repetem entre seus donos e acionistas, os Bancos  vão se associando a empresários das diferentes nações. É o caso, no Chile, da família Cueto, por exemplo, “dona” da LATAM. A família Cueto tem pouco mais de 20% das ações da LATAM. São seus maiores acionistas. Porém, não é dona da empresa, porque os verdadeiros donos são os Bancos, os credores. Tanto é assim que se a LATAM não pagar suas dívidas, os credores que ficarão com os aviões, lojas, carros e tudo que a empresa possui.
Esta lógica de associação entre os Bancos e as burguesias nacionais é totalmente favorável aos Bancos. As famílias burguesas nacionais, como a família Cueto, que estão entre as mais ricas do Chile junto com os Luksic, Matte, Angelini, Paulmann, etc., são nada mais que sócios menores dos bancos internacionais e instrumentos para que esses bancos suguem a riqueza de nosso país e a mandem diretamente para as nações centrais. A burguesia chilena é mais ou menos como uma cobradora de impostos e arrecadadora de dinheiro para os grandes Bancos internacionais, são os perkines da burguesia mundial.
Isso nos leva a conclusão que dessa burguesia nacional não podemos esperar nenhum projeto de país. Seu projeto é seguir saqueando o país para se enriquecer e enriquecer a grande burguesia mundial. A outra conclusão é que nossos principais inimigos não são somente as 10 ou 15 famílias que são “donas do Chile”. Os principais donos do pais são os grandes Bancos internacionais e empresas imperialistas. Qualquer projeto de independência nacional que não passe por enfrentar a burguesia chilena e o imperialismo é uma ilusão. Não existe possibilidade de liberação nacional, de ter um país verdadeiramente independente que tome as decisões sobre os rumos de sua própria economia sem romper com o imperialismo. Hoje, além do controle dos bancos, as principais empresas mineradoras, AFPs, pesqueira, etc., estão nas mais dos capitalistas estrangeiros.
Nossa luta atual, no marco da pandemia e da crise econômica, passa por coisas muito imediatas, como exigir o perdão de todas as dívidas das famílias trabalhadoras, o congelamento das contas de luz, agua, a proibição das demissões pelas grandes empresas, etc. Todas essas lutas são fundamentais para mobilizar os trabalhadores, organiza-los e também para poder conquistar pequenas vitórias, ainda que sejam muito parciais.
Porém, nossa luta também deve ser por exigir a estatização imediata de empresas como a LATAM, para que não tenhamos que assistir de mãos atadas como uma das principais empresas do país demite milhares de trabalhadores e ameaça quebrar por uma chantagem dos Bancos internacionais. O Controle dessa empresa não pode estar nas mãos de parasitas nacionais ou estrangeiros – como a família Cueto ou a estrangeira Qatar Airlines, totalmente submetidas aos Bancos. Para que sejam verdadeiramente nacionais, deve estar sob controle de seus próprios trabalhadores, que são os que movem diariamente a empresa. Uma empesa com um caixa de mais de 1 bilhão de dólares e que seja estatizada teria toda a capacidade de pagar  seus trabalhadores enquanto se mantenha a pandemia e retomar suas atividades quando passe a situação atual.
Nessa luta, devemos fortalecer a organização de toda a classe trabalhadora para tirar os empresários do governo e criar organizações operárias e populares que tenham condições de governar o país para colocar toda a economia nacional a favor dos interesses dos trabalhadores e do povo pobre. Os capitalistas já se mostraram totalmente incapazes de garantir nossa vida, nossa saúde, nosso emprego, e nosso futuro.
Links:
https://www.bloomberg.com/news/articles/2020-05-26/latam-airlines-files-chapter-11-bankruptcy-stymied-by-lockdowns
https://www.ft.com/content/f31defa6-96a0-4721-af51-273336890304
http://www.cmfchile.cl/portal/principal/605/articles-28817_img_fullres.jpg
https://www.24horas.cl/coronavirus/senado-aprobo-proyecto-que-capitaliza-el-fogape-para-dar-creditos-blandos-4102860
Tradução: Túlio Rocha

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