qui abr 18, 2024
quinta-feira, abril 18, 2024

“Soluções de mercado” para as mudanças climáticas, ou colocar a raposa para cuidar do galinheiro

Um conhecido jornalista especializado em informação sobre economia, García Vegai, descrevia assim em um de seus artigos, uma vinheta surgida no semanário norte-americano The New Yorker: “Sentado frente a uma fogueira, em uma espécie de coro da meia-noite, e detrás de uma paisagem apocalíptica, um homem trajado conta a três crianças: “Sim, o planeta foi destruído. Mas, por um espetacular momento no tempo, criamos muito valor para os acionistas”.

Por: A. L. Parras

E de tal paradoxo tirava uma conclusão: “Vivemos tempos em que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o final do capitalismo”.

Utopia socialista ou distopia capitalista?

Este dilema entre a preservação do planeta terra, da natureza e dos seres humanos e a continuidade do sistema capitalista não é novo por mais que a disjuntiva seja mais evidente a cada passo.

Em 1915 Rosa Luxemburgo lançava o célebre dilema: “Socialismo ou barbárie”. Para a revolucionária polonesa a humanidade encontrava-se frente à eleição entre a vitória do socialismo ou o fim da civilização.

Friederich Engels disse uma vez: ‘A sociedade capitalista se encontra ante um dilema: avanço ao socialismo ou regressão à barbárie.’…Temos lido e citado estas palavras com ligeireza, sem poder conceber seu terrível significado…”

Os ideólogos do capitalismo, sejam os convencidos ou os resignados, não duvidaram em catalogar de utópicas as ideias de Rosa Luxemburgo e dos marxistas revolucionários. Hoje quando não se tem como negar a ameaça que para a humanidade supõe a mudança climática que seu modo de produção gerou, frente à nossa “utopia” e nadando no cinismo, aferram-se à sua distopia, isto é, à sua sociedade fictícia indesejável em si mesma mas…capitalista.

As soluções do mercado” não estão funcionando

Um informe recente do FMI sobre as mudança climática, assinala como esta afeta os resultados econômicos e “…os danos esperados causados pela mudança climática não mitigados serão altos e a probabilidade de eventos de risco catastrófico não depreciáveis”. Entretanto, “O documento do FMI observa com tristeza que ‘as soluções do mercado’ para solucionar o aquecimento global não estão funcionando’”, afirma o reconhecido economista Michael Roberts.

Há que se tomar medidas urgentes, clamam os especialistas, enquanto alguns governos se somam à gritaria e se fazem magníficas reuniões internacionais que não passam de efeito propagandístico.

 “A crise climática é expressão da barbárie a que conduz um sistema social de produção, o capitalismo. Um sistema baseado na produção para o lucro, cuja base é a exploração e a opressão da mão de obra (os seres humanos), precarizando-a ou escravizando-a em não poucos lugares do mundo e o saque da natureza. Os capitalistas sempre atuaram como se a biosfera fosse um espaço inesgotável” (declaração do sindicato co.bas).

E efetivamente esse é o pano de fundo que converte em utopia reacionária ou distopia, como queiram chamá-la, toda tentativa de empreender a luta contra a mudança climática sem querer tocar no modo de produção capitalista que é a causa desta ameaça à humanidade.

Abrir novos nichos de negócio com a mudança climática  

Já são numerosas as instituições, entidades e revistas internacionais orientadas para facilitar os investimentos privados relacionados com a mudança climática. No mês de janeiro passado a agência Bloomberg publicava algumas das respostas de uma pesquisa com 7.000 grandes empresas do mundo sobre quais são os “riscos e oportunidades” ante o aquecimento global.

Algumas multinacionais farmacêuticas viam na mudança climática e suas consequências, um veio de negócio. Por exemplo, na medida em que a atual catástrofe climática origina um maior risco de diabetes, dizem, poderia incrementar a demanda de fármacos que  tratam dessa enfermidade. Outra das farmacêuticas via na “expansão do mercado para os artigos relacionados com  enfermidades tropicais, inclusive aquelas que são transmitidas pela água.

Segundo a pesquisa citada, as empresas espanholas acreditam que existam oportunidades “mudando o modelo de negócio”. Por exemplo, a empresa de Amancio Ortega, Inditex, vê benefícios em utilizar fibras que consomem pouca água; a cadeia de hotéis NH, vê o filão no crescimento dos edifícios verdes; BBVA o encontra nas opções que colocam os 700 bilhões de dólares anuais necessários até 2030 para criar infraestruturas sustentáveis; e Iberdrola entrando no barco das energias renováveis ii.

São muitos os empresários e grandes multinacionais que veem negócio na mudança climática. Isto explica a aparição de empresas como o Global Adaptation Institute (GAI) propriedade da multinacional de investimentos de hidrocarbonetos Natural Gas Partners Energy Capital Management, que assessora governos e empresários em como se adaptar e aproveitar a mudança climática e de cujo conselho assessor faz  parte o ex presidente José María Aznar,  “um político que passou de negar a mudança climática a ganhar dinheiro com ela” iii.

O GAI elaborou um atlas que ajuda as empresas investidoras a calibrar as possibilidades de negócio assim como o grau de facilidades que os governos dão para tais investimentos. Esta ferramenta “aspira converter-se no equivalente às agências de classificação de riscos na adaptação ao aquecimento (…) dos negócios climáticos” iv

 Colocar a raposa para cuidar do galinheiro

O Partido Socialista Operário Espanhol – PSOE acaba de apresentar pela boca de Pedro Sánchez e da Ministra para a Transição Ecológica, Teresa Ribera, as propostas para um “governo progressista” de “emergência climática”.   Para dizer em palavras das organizações ecologistas com as quais Sánchez e Rivera se entrevistaram: “Com isto não chegamos a cumprir o Acordo de Paris”; “Falta de concretização e ambição”. É bom lembrar “o pacote de medidas para colocar a Espanha na trilha de um ‘progresso sustentável’ e que ‘garanta a solidariedade’, fazendo frente à mudança climática”,  apresentado no mês de abril sem que se tenham notícias dele.

Lembrar as promessas de Zapatero, incluída a cúpula de presidentes autônomos para coordenar uma “estratégia geral de luta contra a mudança climática”, cúpula que nunca foi celebrada. Quem se gabou ante a ONU de compromisso na luta contra a mudança climática foi o próprio Zapatero que sob suas duas legislaturas (2004-2011) no Estado Espanhol (2007) aumentaram as emissões de gases de efeito estufa mais de 52% desde 1990 triplicando 15% de aumento permitido pelos acordos de Kyoto para o período 2008-2012v.  A chegada do governo Rajoy acabou destacando por ignorar tudo referente à mudança climática.

Mas basta passar em revista a atuação dos diferentes governos do PSOE e do PP em políticas de construção, de custos, de transporte, de energia…para ver que falamos de governos a serviço das multinacionais e dos bancos, de suas petroleiras, indústrias automobilísticas, energia, cimenteiras, petroleiras, etc…

A explicação não é nada complexa. Basta ver para onde vão os Presidentes de Governos, ministros/as, deputados, cargos públicos, diretores gerais…quando formalmente terminam seus mandatos. Felipe González acabou na Gas Natural Fenosa; José María Aznar na Endesa; o ex ministro de Interior e ex secretario geral do PP, Ángel Acebes acabou na Iberdrola; a ex ministra de Economia Elena Salgado na Endesa; Josep Borrell, depois de deixar em sua etapa anterior o Ministério de Obras Públicas, Transportes e Meio Ambiente e a presidência do Parlamento Europeu, atuava em Abengoa; o ex ministro de economia Pedro Solbes atuou na Enel; o ex ministro de Administrações Públicas Jordi Sevilla  assessor da PriceWaterhouse Cooper.

Tampouco faltam na lista os “nacionalistas”, como Roca Junyent que atuou na Endesa ou Juan María Atutxa, ex conselheiro do Interior do País Basco com o PNV, em Iberdrola Ingeniería y Construcción ou o ex ministro do Interior Josu Jon Imaz (PNV) na Repsol. É interminável a lista na qual não faltam tampouco os representantes do entorno empresarial franquista.

Esperar medidas resolutas “concretas e ambiciosas”, para empregar o termo dos coletivos ecologistas, de quaisquer governos burgueses, do PSOE, PP ou coalisões com eles é semear falsas ilusões que se pagam caro, porque não é possível deixar a raposa cuidar do galinheiro.

Notas:

i1 Miguel Ángel García Vega, colaborador habitual en “El País Negocios” escritor e chefe de redação da revista “Mi Cartera”

ii2 Cambio climático: el planeta ajusta cuentas con las empresas. M.A. García Vega El País 19/05/2019

iii3 Los Negocios del cambio climático. Jesús M. Castillo

iv4 Ídem

v5 Ídem

Tradução: Lilian Enck

Confira nossos outros conteúdos

Artigos mais populares