“A doutrina de Marx suscita em todo o mundo civilizado a maior hostilidade e o ódio de toda a ciência burguesa (tanto a oficial como a liberal), que vê no marxismo algo assim como uma “seita perniciosa”. E não se pode esperar outra atitude, pois em uma sociedade que tem como base a luta de classes não pode existir uma ciência social “imparcial”. De um ou outro modo toda a ciência oficial e liberal defende a escravidão assalariada, enquanto que o marxismo declarou uma guerra implacável a essa escravidão.”
Lênin
Por: Juan Parodi Jr.
- Introdução
A crise ecológica que o planeta enfrenta é um motivo de preocupação em todos os cantos do mundo. O movimento ecologista é um dos movimentos sociais mais amplos existente, praticamente todos os partidos fazem referência a esta questão e os filmes como “Interestelar” ou “Avatar” levam à mente de milhões mundos futuros imersos em graves crises ecológicas.
Os trabalhadores e as trabalhadoras não podem ficar alheios a esta discussão. Por um lado, a crise ecológica esconde um perfil de classe, no qual os ricos consomem os recursos naturais e os pobres pagam as consequências. Isso fica oculto a maior parte do tempo devido à forma como se costuma apresentar a questão ambiental: como uma questão que afeta a “todo o gênero humano” ou inclusive que só se preocupa com espécies animais e plantas, mas que não afeta as pessoas.
Por outro lado, a crise ecológica é a máxima expressão da decadência histórica do capitalismo, um sistema que chegou a seu limite e hoje descarrega sua crise sobre os trabalhadores e o planeta. Hoje em dia imperam respostas à crise ecológica global que não questionam o capitalismo. É tarefa dos marxistas entrar neste debate e demonstrar que não pode existir uma natureza que se recupere de seus males sob este sistema econômico e social.
A mudança climática vai acabar com a espécie humana? Pode existir um capitalismo “verde”? Que critérios tem que cumprir uma economia ecologicamente sustentável? Tentaremos responder estas e outras perguntas de maneira simples, mas rigorosa, para colocar um pequeno grão de areia para que os revolucionários possam compreender e dar resposta a estas questões a partir de uma perspectiva anticapitalista.
- Principais problemas ambientais
A crise ecológica global tem inúmeras expressões. Neste trabalho não vamos entrar nos temas locais senão que vamos enfocar nos principais problemas globais. Entre eles destacamos três aspectos. Por um lado, trataremos da mudança climática, talvez a questão mais candente e de maior impacto hoje em dia. Em segundo lugar, trataremos da perda da biodiversidade, quer dizer, da extinção de espécies. Este processo de extinção massiva é um indicador claro da destruição dos ecossistemas naturais. Em último lugar, revisaremos a “pegada ecológica”, um indicador que trata de quantificar o uso de recursos naturais que uma economia consome para sua produção.
Através destes três aspectos pretendemos dar uma informação clara sobre as implicações e os efeitos que a crise ecológica global está causando e ainda vai causar nos baseando nos estudos científicos mais atuais e completos em relação ao tema.
A mudança climática
O clima do planeta Terra está mudando. Na realidade, sempre esteve mudando. Houve períodos glaciares e calor se alternando várias vezes na história da Terra. Mas no passado estas alterações aconteceram por causa das mudanças na deriva continental ou das variações da orbita e inclinação terrestre em relação ao sol. A novidade é que agora acontece em uma velocidade muito maior que em períodos anteriores e que o faz devido à emissão de gases de efeito estufa (GEE de agora em diante) pela humanidade. Esta mudança global está trazendo (e trará) efeitos perniciosos para milhões de pessoas.
A mudança climática de origem antrópica (ação humana) é uma realidade inequívoca. É verdade que há um certo grau de incerteza e não conhecemos todos os detalhes, mas hoje em dia quem nega a responsabilidade humana na mudança climática global é claramente minoria. Na realidade este grupo irredutível não deve nos surpreender, a grande indústria sempre investiu generosamente em cientistas que lhe dessem razão. Ou, ao contrário, para assediar quem revelava verdades incomodas. Perguntem a Clair Cameron Patterson! [1]
O principal organismo internacional que o estuda é o IPCC (Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas), organismo da ONU, que periodicamente publica estudos a respeito. O IPCC estabelece que existe uma influência humana no clima devido à emissão do GEE (como o dióxido de carbono – CO²) Estes gases prendem a radiação da Terra e mantém o calor na atmosfera, como uma estufa. Na realidade este efeito é necessário para a vida, mas desde que começou a queima massiva de combustíveis fosseis, como o carbono ou o petróleo, a concentração destes gases na atmosfera não faz mais que aumentar e, com eles, a temperatura global. Concretamente, o nível atmosférico de CO² é 40% maior agora que antes da era industrial.
A mudança climática não é um problema do futuro, já está se manifestando claramente. Nas últimas três décadas, por exemplo, foram sendo batidos respectivamente os recordes de temperaturas desde que estes dados são medidos diretamente (1850). Outros efeitos que já se manifestam são a subida do nível do mar (+0,19 metros desde 1901) ou o degelo da camada de gelo que cobre a Antártida e o Ártico.
Este aquecimento global está produzindo e produzirá, com certeza, entre outros efeitos, secas ou ciclones mais fortes, redução no rendimento dos cultivos e perda dos recursos hídricos. Ademais a mudança climática alimenta outros problemas como a perda dos habitats. A selva amazônica, a maior do mundo, por exemplo, está ameaçada já que ao se aquecer perde umidade e se incendeia facilmente. No futuro a bacia amazônica pode se tornar uma savana.
A gravidade da mudança climática dependerá de até que ponto seguimos emitindo GEE. No melhor caso que o IPCC coloca, a temperatura global se elevaria 1º C até o final do século. No pior dos casos, quase 4º C. Talvez não pareçam cifras muito impressionantes, mas tem que esclarecer que se trata de temperaturas medias anuais. Para ter uma dimensão melhor do significado destes dados é necessário se referir aos efeitos que provocariam. Com um aumento de 4º C, por exemplo, é possível que a selva amazônica desapareça totalmente. Ademais, a partir de 2º C se abre a possibilidade de que ocorram efeitos não previstos. Poderia acontecer, por exemplo, que ao se descongelar o solo – que no mundo está, atualmente, permanentemente congelado, se liberem enormes quantidades de GEE que provoquem um salto abrupto no aquecimento global.
A emissão de GEE é em sua maior parte responsabilidade da queima de combustíveis fosseis como o carbono ou o petróleo para produzir energia e para fazer funcionar os meios de transporte, como os automóveis e os aviões. Entre estas duas atividades se totalizam mais da metade das emissões. Existem outras atividades que o afetam, como o desflorestamento.
Imagem 1: Mudanças previstas na temperatura global. À esquerda, no melhor cenário previsto pelo IPCC. À direita no pior.
Perda da biodiversidade
Talvez este seja o indicador mais espetacular dos que vamos explicar. Para isso nos baseamos no “Informe Planeta Vivo”, elaborado pelo WWF[2]. Para realizá-lo foram analisadas 10.000 populações de vertebrados. Pois bem, segure a cadeira, desde 1970 estas populações se reduziram em 52%. Quer dizer, se você tem mais de 40 anos, durante sua vida a humanidade reduziu a metade dos animais vertebrados do mundo. Há casos ainda mais agudos. Para as espécies de água doce, por exemplo, a redução é de 76%. E isso que a medição se compara com os níveis de 1970, quando já tínhamos exterminados muitos animais…
Mas como se fosse pouco, a extinção dos animais é um indicador do quanto golpeamos a natureza de conjunto. A maior causa da extinção é que se destrói diretamente o habitat onde a espécie vive. A conservação da biodiversidade e de seus ecossistemas é necessária para a manutenção de nossa espécie. A agricultura, por exemplo, depende disto.
Imagem 2: Descenso do Índice Planeta Vivo.
Pegada Ecológica
Usando este mesmo informe da WWF, passaremos a explicar a ultima parte deste primeiro capítulo. A pegada ecológica é um indicador de impacto ambiental que mede a pressão a que são submetidos os recursos naturais para “alimentar” uma economia determinada. Pode ser medida para um país, para uma pessoa ou para o mundo todo. E pode ser comparada com os recursos naturais que existem.
Há uns 45 anos consumimos mais recursos do que os que estão disponíveis. Quer dizer, derrubamos mais arvores que plantamos, pescamos mais peixes do que nascem, emitimos mais CO² do que é absorvido etc. Como consequência extinguimos espécies, acumulamos GEE na atmosfera ou contaminamos águas (especialmente com nitrogênio) e o ar (7 milhões de mortes provocadas por isto em 2012 segundo a OMS!).
Isto não significa que antes dos anos 70 não havia impactos sobre o meio ambiente, senão que a partir deste momento, “somando” todos os impactos que provocamos sobre os recursos naturais, ultrapassamos a quantidade de todos os recursos disponíveis sustentavelmente.
Atualmente necessitaríamos os recursos de um planeta Terra e meio mais para sustentar o que consumimos. Se continuarmos com a progressão, em 15 anos necessitaremos de três planetas.
Imagem 3: A linha representa o consumo de recursos naturais da humanidade. A área verde é a biocapacidade do planeta.
- Uma questão de classe
Até agora dissemos que intencionalmente “provocamos” estes efeitos. Provocamos? Quem o faz concretamente? É obvio que um camponês africano não impacta [negativamente sobre o planeta] da mesma forma que um multimilionário estadunidense. Ou este milionário como um trabalhador imigrante nos Estados Unidos.
Os três países com maior pegada ecológica por habitante correspondem ao Golfo Pérsico – Kuwait, Catar e Emirados Árabes Unidos – que sustentam um enorme consumo relacionado com seu petróleo. Nos primeiros postos costumam aparecer os países da América do Norte, Europa e os países ricos da Ásia. Do outro lado da classificação estão principalmente os países africanos e países asiáticos pobres. Acontece que os países ricos consomem mais recursos do que tem e os países empobrecidos consomem menos do que tem disponível. O primeiro país da lista consome 40 vezes mais por pessoa que o último! Quer dizer, os países ricos consomem os recursos dos pobres, ou em outras palavras, são imperialistas também na questão ambiental!
Dentro de cada país, as diferenças de classe também se expressam. Os trabalhadores e as pessoas humildes consomem pouco. Tem automóveis mais simples, viajam menos, vivem em pequenos edifícios. Os capitalistas e ricos fazem frequentemente longas viagens de avião ou em automóveis grandes e tem várias casas com jardim. É claro, é curioso comprovar que é difícil encontrar estudos sobre as pegadas ecológicas comparadas de distintas classes sociais, apesar de que tecnicamente não haveria nenhum problema. Os organismos internacionais com capacidade para desenvolver estudos não costumam investir nisso.
Do mesmo modo que o consumo não é divido igualitariamente entre todos os seres humanos, tampouco são os impactos. A população trabalhadora e pobre, especialmente nos países economicamente colonizados e empobrecidos, fica sempre com a pior parte. Um capitalista tem uma casa sólida em um terreno sem riscos. Um trabalhador pobre talvez tenha sua moradia construída precariamente em um terreno inundável. Um capitalista pode escolher em que parte do planeta viver, um trabalhador pobre passa verdadeiras penúrias se necessita emigrar. Um capitalista pode comprar comida de qualidade de qualquer parte do mundo. Um trabalhador pobre depende de mercados locais. Um capitalista importa petróleo e um trabalhador pobre talvez dependa de conseguir ele mesmo a lenha na floresta para se aquecer e cozinhar.
Os exemplos mais evidentes desta diferença encontramos em como uns e outros suportam catástrofes naturais. O terremoto de 2005 na Caxemira causou 86.000 vitimas; no Canadá aconteceu um em 2012, com características semelhantes ao da Caxemira e não houve nenhum morto.
A degradação ambiental é um problema de classe; nem toda a humanidade é igualmente responsável nem todos sofremos da mesma maneira suas consequências. Os capitalistas e imperialistas saqueiam os recursos dos trabalhadores pobres e dos países economicamente colonizados. Uns vivem consumindo “a todo vapor” e outros sofrem os efeitos da crise ecológica.
Hoje em dia já há muitos que sofrem as consequências da degradação ambiental. Um estudo de Jesus Castillo, professor de Ecologia da Universidade de Sevilla, conta entre 20 e 50 milhões os refugiados por causas ambientais no mundo.
Imagem 4: Acima os países com maior pegada ecológica. Abaixo os países com menor.
Leia a parte 2 deste artigo em:
https://litci.org/pt/ecologia/socialismo-e-ecologica
[1] PATTERSON, Clair Cameron (1922-1995). Geoquímico estadunidense. Em 1953 calculou a longevidade da terra em 4,550 bilhões de anos, baseando-se no pressuposto de que as pedras encontradas nos meteoritos seriam provavelmente de longevidade similar que ela. Em 1965 publicou o artigo “Entornos contaminados e naturais do homem”, que tentava chamar a atenção do publico sobre o aumento da concentração de chumbo no meio ambiente e na cadeia alimentar. Foi um dos opositores mais firmes da utilização do chumbo na elaboração dos combustíveis, pelo que foi perseguido pelas multinacionais que os tratavam e comercializavam.
[2] World Wildlife Fund: a maior organização conservacionista no mundo, cujo objetivo é deter a degradação do meio ambiente