ter abr 16, 2024
terça-feira, abril 16, 2024

Europa| Como vão financiar a saída da crise?

Na “Cúpula” que a CEOE (Confederação Espanhola de Organizações Empresariais) está fazendo entre os grandes empresários espanhóis foram tratados três eixos: um, na boca do representante da Inditex, “não se toca na reforma trabalhista”; dois, na boca de Botín e outros, os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, são cotados para baixo, tem que controlar os salários e as férias,” terão se puder e quem puder” disse alguém; e três, o representante da Ebro Foods, além de atacar contra a “paguita” do IMV (salário Mínimo Vital), afirmou que” os impostos não devem ter um caráter distributivo” e que “não podem aumentar para os empresários”.

Por: Roberto Laxe-Corriente Roja
Este milionário, filho de milionários, que fizeram sua fortuna com centenas de presos políticos do franquismo, colocou preto no branco como eles veem que a saída da crise deve ser financiada: menos “ociosidade” e que os impostos sejam pagos pelos de sempre, pelos trabalhadores e trabalhadoras.
A dívida que será gerada
A União Europeia emitirá uma dívida no valor de 750 bilhões de euros para financiar o “Plano Marshall” que estão negociando, uma vez que possuem dados de que a queda do PIB na União será de 12% e isso supõe perdas milionárias em todos os setores: pela primeira vez na sua história, a Inditex fechou o primeiro trimestre com mais de 200 milhões de perdas líquidas.
Uma emissão que, como impõe o Tratado de Maastricht, servirá para que os bancos e as entidades financeiras, fundos de investimento e demais façam o que quiserem, comprando-a. Tendo em conta que todas as constituições europeias tem a “prioridade absoluta” do pagamento dos juros da dívida, está claro que, de novo, nesta crise “ganham os bancos”.
A distribuição dos milhões: os bancos ganham
Se as negociações entre os diferentes estados da União forem bem sucedidas, encaminhadas pelo acordo entre as duas grandes potencias europeias, Alemanha e França, e o “clube dos frugais” (os “nórdicos”, Holanda, Áustria, Dinamarca,…) não impedirem, ao Estado Espanhol “cabe” 140 bilhões; o segundo depois da Itália, por serem os dois lugares onde a pandemia foi mais forte.
De acordo com a negociação, 77 bilhões seriam em subvenções a fundo perdido, e os 63 restantes em forma de empréstimos sujeitos às condições de devolução do artigo 135 da Constituição. A parte que seria alocada a fundo perdido teria condições a partir da Comissão Europeia: “não revogar a reforma trabalhista e sim aprofundá-la para reduzir o trabalho temporário e adotar novas medidas para garantir a sustentabilidade das aposentadorias” (Invertia, 27/05/20), além da adoção de “reformas estruturais”.
Antes de ver como vão financiar esta dívida, propor que a reforma trabalhista não seja revogada “mas aprofundá-la para reduzir o trabalho temporário” parece piada de mau gosto. A reforma trabalhista converteu o trabalho fixo em precário, que é outra forma de chamar o trabalho temporário. Ou na Europa não sabem que uma mesma coisa pode ser dita de diferentes formas, “trabalho precário=trabalho temporário”?
Sobre a segunda condição, “garantir a sustentabilidade” das aposentadorias. Todo sabem como fazem no famoso “clube dos frugais” (formado por Holanda Áustria, Dinamarca e Suécia), privatizando-as através da “mochila austríaca” ou qualquer outro mecanismo ligado aos fundos privados de aposentadorias e pensões, para depois capitalizá-los com base em investimentos na dívida dos Estados europeus.
Vejam, que coincidência! Encontramos aos do “clube dos frugais” negando que a dívida vá para subvenções a fundo perdido, mas para empréstimos aos Estados que comprarão entre outros, esses fundos privados de aposentadorias e pensões. Este mecanismo faz com que as aposentadorias de holandeses, austríacos, suecos, etc…dependam diretamente do roubo dos trabalhadores e trabalhadoras de toda a UE, de todos e todas. Não são apenas os trabalhadores e trabalhadoras do sul que pagarão os juros dessa dívida com seus impostos e os cortes nos serviços públicos, mas também aqueles/as que vivem no “clube dos frugais” e seus chefes, Alemanha.
Uma dívida se converte em um problema quando não há entradas para pagá-la; se uma pessoa ganha 3000 euros mensais e tem uma dívida de 1000, não há problema, tem uma liquidez de 2000 euros. Mas se os 3000 forem reduzidos para mil e se mantém a dívida, o problema é grande.
O “clube dos frugais” são os países mais endividados da Europa que têm que financiar, mas a União Europeia faz uma armadilha contábil, não conta a dívida privada criada ao privatizar os fundos de aposentadorias e pensões, e sim só a dívida pública; daí seu interesse em manter a pressão sobre os Estados do sul para manter a renda de seus fundos. Se estas rendas não continuarem entrando, toda sua estrutura contábil explodiria, com consequências terríveis sobre seus aposentados/pensionistas, que vivem dessa capitalização dos fundos privados.
Por isso os dirigentes políticos destes países apelam constantemente à xenofobia, a chamar de “vagabundos” os do sul; têm que esconder que são sanguessugas que vivem da poupança dos “vagabundos do sul”. E por isso o não pagamento da dívida é uma medida que dinamitaria sua estabilidade social.
Assim, em um movimento circular, os 140 bilhões, como o conjunto dos 750 bilhões de dívida que a União Europeia emitirá, tem que voltar às entidades financeiras que as compraram, acrescidas com os tipos de juros que os mercados financeiros impõem.
É o sonho de todo financista e especulador; por seguir a fórmula que Marx utilizava para expressar a circulação do capital: D (dinheiro) – M (mercadoria) – D’ (acréscimo do dinheiro) será substituído pelo D-D’.  Dinheiro produz dinheiro, sem passar pelo aparato produtivo. E depois falam da especulação no Estado Espanhol; pelo menos se construía algo (aeroportos ou rodovias), ainda que não servissem para nada.
O drama é que o dinheiro como forma monetária do capital, tem que gerar alguma relação comercial; não cresce nas árvores do nada, mas sai do trabalho humano, da produção de bens e serviços; e ainda que durante algum tempo possa parecer que não é assim, cedo ou tarde a queda dos lucros de uma empresa ou banco (as hipotecas subprime que eram fruto da venda a crédito de um bem necessário, a moradia, as pessoas que era sabido que não a podiam pagar) ou um vírus como agora, desmorona todo o edifício, e começam os problemas.
Mas em curto prazo e isto é o que interessa aos capitalistas, as empresas subvencionadas, os bancos de créditos e os fundos de pensões/investimento interessados distribuem lucros. O que pode acontecer no futuro não é de sua conta: atrás de mim, o dilúvio. “Os bancos ganham” é o lema de todo neoliberal que se preze.
Outras formas de financiar a saída da crise
A partir das forças progressistas se insiste que “o controle do déficit não tem que cortado e aplicado” (Alberto Garzón dixit), que resulta apenas em desmantelamento dos serviços públicos, e o que é imposto diante destas crises é aprender do passado – os cortes foram a causa da sobrecarga e em casos de colapso dos serviços sócio sanitários na pandemia – e “aumentar as entradas” para custear os custos da dívida. Dito de outra forma, estabelecer uma nova política fiscal.
Assim ressurge a “taxa Tobin” aos movimentos de capital financeiros, como se fosse uma medida revolucionária; falam de uma taxa “google” para as indústrias tecnológicas, impostos verdes para também combater a mudança climática. Em um renascimento das políticas fiscais que sustentaram o estado de bem estar, são propostos todo tipo de impostos aparentemente progressivos, como os citados.
Mas é pura aparência, pois que não se toca nas fibras fundamentais que foram introduzidas nos anos 80, quando a contrarrevolução neoliberal derrubou todos os sistemas impositivos progressivos e liberou os fluxos financeiros: os paraísos fiscais, os internos na UE (Holanda, Luxemburgo, as SICAVs no Estado Espanhol, …) e os externos (Panamá, Ihas Caimã, Bermudas, etc), e o fomento da utilização dos impostos indiretos; especialmente o IVA, cujo montante arrecadatório cresceu exponencialmente no sentido de substituir como meio de financiamento, os impostos diretos (IRPF), ou sobre as sucessões e o patrimônio. Neste sentido Madri e agora Andaluzia, são verdadeiros paraísos fiscais dentro do Estado, pois aboliram a cota autônoma de ambos os impostos, com o que os ricos tendem a transferir seu domicilio para Madri.
Por isso, sem acabar com os paraísos fiscais internos e externos qualquer aumento de impostos para os mais ricos e as grandes empresas, só será uma saudação à bandeira, pois com a liberalização no movimento de capitais não há forma de fazer com que esses impostos sejam pagos realmente; sempre encontrarão um lugar livre de impostos para se assentarem.
Em segundo lugar, o IVA, como o resto dos impostos indiretos entra em contradição flagrante com qualquer proposta de política fiscal progressiva. O IVA é um imposto sobre o consumo que a cidadania paga em última instancia. As negociações entre empresas e autônomos deduzem o IVA pago em cada fatura, enquanto que o consumidor final não pode descontá-lo para deduzi-lo.
É um imposto que só a classe trabalhadora paga, pois é o único setor social que não tem faturas que lhe permitam deduzi-lo, mas apenas folhas de pagamento e nas folhas de pagamento não é possível repercutir nenhum gasto em IVA. Por isso, qualquer política fiscal progressiva passa, primeiro , pelo seu desaparecimento e de todos os impostos indiretos pagos igualmente por qualquer pessoa, tenha o nível de renda que tiver.
Sem estas duas pré-condições, o desaparecimento dos paraísos fiscais e os impostos indiretos, tudo que se faça em questão fiscal é uma saudação à bandeira; se além disso  se propõe, como está sendo proposto a partir do governo, que seriam valores impositivos temporários, enquanto durar o período de crise para financiar o Estado, a saudação à bandeira passa a ser um insulto para toda classe trabalhadora.
Dentro do marco burguês existem outras formas de financiar o estado a partir destas duas pré-condições, e é recuperar a velha proposta de uma política fiscal progressiva, “que pague mais quem tiver mais”, sem nenhum tipo de imposto indireto que roube desde o estado, as folhas de pagamento dos trabalhadores e trabalhadoras.
O caráter retrógrado do regime de 78
A política fiscal no Estado Espanhol parte de uma mentalidade cristã, de que a tributação só serve para ajudar aos “mais fracos”, como faz Felipe VI “convencendo” seus pares de sangue azul, a “nobreza”, para que “dividam leite e azeite” entre os e as “mais desfavorecidas’. É uma comparação caritativa da política fiscal não muito diferente do que Amancio Ortega faz com as doações ou ao colocar os aviões da Inditex a serviço do Estado quando este precisa, enquanto tem sua fortuna em SICAVs ou paraísos fiscais. A política fiscal não pode partir desta concepção, que é a expressa pelo representante da Ebro Foods na cúpula da CEOE, pois se limitaria a ser “assistencial”, não de justiça social; que é bem diferente.
A política fiscal ou tem um objetivo redistributivo da riqueza gerada pelo conjunto da sociedade, ou é só assistencial. É o reconhecimento de que essa riqueza não surge do nada ou da herança de sangue como o dinheiro não sai dos caixas eletrônicos se uma pessoa não tem saldo; e sim do trabalho humano; assim foi estabelecido quando a burguesia fez sua revolução. No mundo burguês “avançado” a política fiscal se baseia em que o trabalho humano, seja do capitalista ou do trabalhador, é a fonte dessa riqueza; no mundo burguês “medievalizado” como o espanhol que não fez sua revolução burguesa, não existe esta concepção; para eles são os orçamentos gerais do Estado os geradores da riqueza, porque são os que financiam o núcleo duro do capital espanhol, o turismo e a construção: Madri é a capital onde esses orçamentos são aprovados, distribui o dinheiro a todos e todas habitantes do estado como se este tivesse brotado do Manzanares.
Uma política fiscal progressiva deve ter esse caráter e sob o principio de que “paga mais quem tem mais”, e não de uma forma temporária como alguns membros do governo avançam com o “imposto do Covid-19”, e sim permanente. Os ricos pagam mais porque acumulam mais riqueza fruto do trabalho humano, e ponto final. E se não quiserem, são expropriados, pois se esta crise  demonstrou algo é que a pandemia não foi freada pelos Ortegas, Florentinos, Roigs, Botines, e demais capitalistas, pequenos, médios ou grandes, que rapidamente aderira aos ERTEs ou às demissões em massa; e sim pela classe trabalhadora, com os profissionais de saúde na liderança.
Obviamente, como o regime de 78 tem como pilares justo essa concepção cristã da tributação, herdeira da que o franquismo aplicou ao longo de 40 anos com base nas “irmãs de caridade”, agora “ONGs”, é que ou se rompe com o regime, ou é impossível promover uma verdadeira tributação progressiva e democrática.
Tributação e transformação socialista da sociedade
O financiamento do Estado através da política fiscal, inclusive a mais progressiva, se baseia na existência da propriedade privada dos meios de produção, distribuição e financiamento; e fazer com que “pague mais quem tem mais” é estirar ao máximo seu caráter democrático que, cedo ou tarde, termina se chocando com essa propriedade privada, como acontece desde os anos 80 com o triunfo do neoliberalismo.
A queda da taxa de lucro que reduziu os lucros dos capitalistas está na base da crise dos anos 70 e para custeá-lo liberaram os fluxos financeiros; abriram as fronteiras para que o capital pudesse mover-se livremente por todo o mundo ao mesmo tempo em que modificavam a política fiscal, adquirindo um caráter mais regressivo; a arrecadação por impostos diretos e indiretos recai cada vez mais sobre as rendas do trabalho e não as rendas de capital e assim substituíram a taxa de lucro por isenção de impostos.
Sem entrar na análise marxista de que todo o dinheiro que existe em um Estado é fruto do trabalho operário, posto que só o trabalho assalariado gera riqueza e portanto a classe operária gera 100% da arrecadação, e admitindo a diferença entre as rendas de capital (lucros de empresários e autônomos que se baseiam na faturação que eles declaram) e as rendas do trabalho (que se baseia em critérios objetivos, as folhas de pagamento que são cobradas); hoje no Estado Espanhol 70% da pressão  dos impostos recai sobre estes últimos.
Até aqui a contrarrevolução neoliberal dos anos 80 conduziu; e agora os capitalistas, nas palavras do representante da Ebro Foods, não só não admitem nenhuma modificação mesmo temporária do mecanismo fiscal do Estado, mas querem também aprofundar na linha de que sejam os trabalhadores e trabalhadoras os que continuem suportando todo o peso do financiamento do Estado. Para depois pedir “ajudas e subvenções” pelas perdas!
O sonho dos “progressistas” de voltar à tributação progressiva dos anos do estado de bem estar é isso, um “sonho”, uma “ilusão” que morreu com o estado de bem estar, e que esta pandemia só pregou o último prego.
A queda abrupta da economia, que provocará uma queda de mais de 10% do PIB, uma taxa de lucro em decadência há anos que fazia com que os capitalistas buscassem outras vias para manter os lucros como a especulação sobre bens e serviços, com a dívida dos estados, com uma política fiscal que os eximia do pagamento de impostos, etc., traz para a  realidade essas “ilusões” de uma volta aos “bons velhos tempos” do estado de bem estar .
Isso acabou; a agressividade xenófoba do “clube dos frugais”, aliados ao PP, as declarações na cúpula da CEOE, a política da UE de “dar dinheiro com condições”, aponta no sentido contrario a essas “ilusões” reformistas. Aponta para um aprofundamento duríssimo das políticas da burguesia: têm muito a perder.
O caminho a construir é o oposto de fomentar essas “ilusões”. Certamente que não pagar a dívida ou estabelecer uma política fiscal progressiva seriam passos importantes nesse caminho, mas não podemos esquecer que nas condições atuais de decadência do capitalismo, essas medidas são impossíveis de serem adotadas se não for através da luta da classe operária pela transformação socialista da sociedade.
O capital e sua personificação, os burgueses, falam claramente: nenhum governo deixará de pagar a dívida e, menos que menos, fará uma política fiscal que toque em  nenhum euro de seus lucros; pelo contrario, tentarão socializar as perdas aumentando os impostos indiretos, em especial o IVA, e eximirão os capitalistas do pagamento de cotas do Seguro Social, etc.
Frente a isso, criar a menor ilusão de que a partir do governo podem ser criados “escudos sociais” sem dizer à população que a minoria exploradora exige justo o contrario, e que só lutando para expropriá-la será possível conquistar, é enganar a população e desarmá-la contra as políticas que com toda a clareza estão colocando sobre a mesa.
Uma nota final
No socialismo os impostos não existem, porque não existirá propriedade privada dos meios de produção, distribuição e financiamento; a sustentabilidade da sociedade será feita diretamente a partir do trabalho humano verdadeiramente livre da exploração assalariada, direto e associado em sua administração. Não haverá Estado para ser financiado, porque ao desaparecer a propriedade privada e as classes sociais não será necessário nenhuma ferramenta de opressão de uma parte da sociedade sobre outra.
Ao não haver intercâmbio de mercadorias que precise de dinheiro como quantificação do valor do trabalho, o mercado, terá desaparecido “o governo sobre as pessoas” através do Estado, sendo substituído pela “administração das coisas” sobre o trabalho associado. Os impostos só existem nas sociedades que se baseiam no dinheiro como forma de quantificar esse trabalho humano; sem o dinheiro, os impostos desaparecem. A transformação socialista da sociedade é seu último ato.
Tradução: Lilian Enck

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