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sexta-feira, março 29, 2024

EUA | Uma perspectiva socialista sobre o Plano de Estímulo pelo coronavírus

Em 27 de março, a Câmara de Deputados aprovou um projeto de estímulo histórico de 2 trilhões de dólares, com apoio quase unânime de ambos os partidos. Depois de negar a crise durante semanas, o governo está atuando, mas não para ajudar a classe trabalhadora.

Por: Florence Oppen
A crise da saúde pelo coronavírus está se convertendo também em uma crise social e econômica para os trabalhadores e trabalhadoras, assim como para as grandes empresas. Mais e mais greves de trabalhadores de base se espalharam como fogo, à medida que se torna evidente que o sistema capitalista no país mais imperialista do mundo, é incapaz de prover atendimento de saúde básica nem suprimentos como máscaras, kits de testes ou leitos hospitalares, sem mencionar os equipamentos mais caros como os respiradores.
Este resgate financeiro é o maior na história dos Estados Unidos, e tem sido apresentado como uma combinação de medidas para “todo mundo” desde os desempregados até as grandes empresas, “um auxílio financeiro para todos”. Quando na realidade, é uma combinação de uma ajuda gigantesca às grandes corporações, há apenas dois anos da grande isenção de impostos que Trump lhes deu, e apenas uma mísera parte aos trabalhadores.
Como socialistas apoiamos todas as medidas que beneficiem e aliviem os e as trabalhadoras, mas rechaçamos rotundamente o auxílio financeiro às corporações. Todo esse dinheiro poderia e deveria destinar-se a garantir serviços básicos aos trabalhadores e trabalhadoras, como acesso universal à saúde, licenças remuneradas a todos, e para a reconstrução de infraestrutura pública e remodelação de instalações de produção para desenvolver suprimentos médicos em massa, pois estão escassos agora. Nenhuma empresa deveria estar gerando lucros durante esta crise. Precisamos declarar uma emergência social, redirecionar todas as capacidades produtivas para as necessidades básicas e cuidados com margem zero de lucro e fazê-lo de forma democrática para que a classe trabalhadora participe na tomada de decisões.
A Estrutura e as Prioridades do Plano de Estímulo: Lucros acima das Pessoas
A comunicação oficial do governo moldou a análise do pacote de estímulo de tal maneira que parece que dá mais aos trabalhadores (30% do total de $600 bilhões) e pequenas empresas (19%) que às grandes corporações (25% equivalente a $500 bilhões). A realidade é muito diferente, já que o governo está investindo $454 bilhões na muito exaurida Reserva Federal (que gastou grande parte de sua poupança na crise de 2008). Este dinheiro, de acordo com um artigo no American Prospect, “será colocado em uma linha de crédito e será multiplicado por 10, criando um duto de $4,5 trilhões destinado às grandes corporações dos Estados Unidos .” [1] O que significa, para todos os efeitos, um fundo de suborno corporativo.
A enormidade deste auxílio financeiro tem sido subestimada, como algumas análises já argumentam : “não é um projeto de 2 trilhões de dólares, está próximo de 6 trilhões, e $4,3 trilhões deles se apresentam em forma de um morteiro dirigido aos CEOs e acionistas, quase sem condições”. [2] No fim, estão prometendo 17 vezes mais às corporações do que aos trabalhadores. A diferença entre o apoio dado às corporações em oposição ao dado aos trabalhadores é obscena. Como indica o American Prospect , enquanto a classe trabalhadora receberá “um pagamento comprovado de  $1.200 e um pequeno seguro salarial por quatro meses…as corporações recebem um montante transformador de dinheiro virtual para sustentar seu sistema e eliminar a concorrência”.  [3]
Um Novo Auxílio Financeiro para as Grandes Corporações
O Plano de Estímulo inclui $500 bilhões em empréstimos para negócios, o que inclui empréstimos a algumas das grandes corporações estadunidenses que se beneficiaram de lacunas fiscais massivas. Segundo um artigo do New York Times: “As companhias que receberão os maiores auxílios estavam, até recentemente, gozando de níveis de rentabilidade corporativa sem precedentes, graças a grandes cortes em impostos corporativos, fusões na indústria e a fuga de aumentos significativos dos salários para os empregados” . [4] As companhias aéreas receberão $ 50 bilhões, e a Boeing, se omitindo dos níveis absurdos de ilegalidades no desenvolvimento do 737 Max que resultou em centenas de mortes, receberá $17 bilhões de dinheiro público! Na mesma linha, grandes cadeias de hotéis como Marriot e Hilton receberão dinheiro público após ter gastado seus rendimentos em recompras de ações em vez de aumentar os salários e benefícios de seus trabalhadores.  O duplo escândalo deste auxílio financeiro não é que, mais uma vez, mais dinheiro é dado às grandes corporações, e sim que é feito sem colocar condições, como o requisito básico que seja pago pelo menos um salário digno de $15/hora para todos trabalhadores.
Um mísero auxílio financeiro para os trabalhadores
O mini auxílio financeiro para os trabalhadores é de curto prazo e está muito abaixo do mínimo necessário para superar esta crise. Consiste em três medidas: um pagamento direto e único de máximo $1200 para pessoas que ganham $75.000 ou menos ao ano e somas decrescentes para os que ganham até $99.999, com $500 adicionais por cada criança em famílias que sejam qualificadas, algumas medidas por desemprego e adiamento do pagamento dos empréstimos de estudantes federais. A medida mais cobiçada é com certeza o pagamento único. Entretanto, este dinheiro só permitirá, à maioria das famílias cobrir o aluguel de um mês, sobrando muito pouco. Nas regiões do país que sofrem crise de moradia, como na área da Baía de San Francisco, para muitas famílias provavelmente não dará nem para isso. Também excluí entre 30 e 40 milhões de assalariados (15% do total) que não estejam com impostos regularizados . [5] Mais do que um único pagamento, os trabalhadores necessitam ter garantido que as necessidades básicas (saúde, alimentação, moradia, etc) serão cobertas não importa o que aconteça.
 O assim chamado projeto de estímulo também aumentará o seguro-desemprego em $600 em todo o país por 4 meses. Agora, trabalhadores autônomos, temporários, e em férias coletivas poderão receber por este seguro – um desenvolvimento positivo. O problema é que mais de 3,3 milhões de trabalhadores já entraram com pedidos de seguro desemprego, e embora os $600 extras ajudem, só permitiriam aos trabalhadores desempregados aproximarem-se de seu salário original, o qual para começar sempre foi insuficiente. Trabalhadores que enfrentam encargos financeiros adicionais pela necessidade de cuidado médico e de estocar suprimentos para a quarentena, continuarão incapazes de fazer frente a estes custos.
Por último, o empréstimo de $350 bilhões para ajudar as pequenas empresas a manter seus empregados com salário é uma boa ideia, mas ainda está muito abaixo do que é necessário: “só o custo total da folha de pagamento para pequenas empresas estadunidenses é de $1,5 trilhões a cada três meses.” [6] Isto é, as pequenas empresas precisam 4 vezes mais dinheiro para enfrentar a crise sem demitir ninguém.
Precisamos de acesso universal à saúde e licença remunerada agora
Esta crise está agravando o conflito econômico que a classe trabalhadora dos Estados Unidos enfrenta. A grande maioria dos trabalhadores nos EUA vive sem sobra, o que torna impossível poupar, os obriga a entrar em constantes dívidas e os deixa incapazes de lidar com as consequências da crise global da saúde usando unicamente seus próprios recursos.
Os trabalhadores precisam de outro tipo de alívio: precisamos de acesso universal à saúde imediatamente com tratamento gratuito para todos, licença remunerada por doença em todo o país o que daria uma fonte de renda estável a todos e paralisação de toda atividade econômica não essencial para deter verdadeiramente a propagação do vírus. Adicionalmente, para superar esta pandemia devemos deter esta América a favor dos lucros, reorientar todas as instalações fabris para a produção de equipamento médico essencial e reapropriar de toda a infraestrutura existente para satisfazer as necessidades desta emergência. Os trabalhadores e trabalhadoras, por meio de seus sindicatos, associações, comitês e centros de trabalhadores, precisam estar na vanguarda da planificação e tomada de decisões sobre esta organização para garantir que as medidas de proteção e segurança sejam promulgadas.
Esta emergência nos lembra de que a única maneira de sair destas crises é organizar-se a partir das bases e organizar nossas ações a nível regional, estadual e nacional para construir uma política alternativa ao capitalismo neoliberal. Devemos conseguir que todos nossos sindicatos e organizações comuns formem uma frente única para mobilizar-se e reivindicar ajuda de emergência. Devemos seguir o exemplo de sindicatos como a CWA exigindo que a General Electric reorganize plantas de fábrica para produzir os tão necessitados respiradores, contratar trabalhadores qualificados e garantir sua segurança.
Além disso, um grupo de trabalhadores formou a Resposta à Crise dos Trabalhadores de Connecticut para formular uma solução para esta crise que priorize as necessidades da classe trabalhadora. O futuro imediato e nossa sobrevivência estarão em jogo nas próximas semanas e meses. Não podemos esperar até as eleições em novembro, devemos organizar-nos agora.
Notas:
[1] https://prospect.org/coronavirus/unsanitized-federal-reserve-loads-cannon/
[2] https://prospect.org/api/amp/coronavirus/unsanitized-bailouts-tradition-unlike-any-other/
[3] https://prospect.org/api/amp/coronavirus/unsanitized-bailouts-tradition-unlike-any-other/
[4] https://www.nytimes.com/interactive/2020/03/27/opinion/coronavirus-bailout.html?action=click&module=Opinion&pgtype=Homepage
[5] https://www.theguardian.com/business/2020/mar/26/us-stimulus-bill-worker-relief
[6] https://www.theguardian.com/business/2020/mar/26/us-stimulus-bill-worker-relief 
Original em https://lavozlit.com/a-socialist-perspective-on-the-coronavirus-stimulus-plan/?fbclid=IwAR3l7QoiOYwAjL_I3UATw7uRQyPwCA8-NY4fumVRqIju9lQPfMnv7pwT5Wc 
Tradução: Lilian Enck

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