qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Coronavírus e capitalismo: por que somos socialistas? (parte 1)

As nações civilizadas colocaram a si próprias em uma posição de bárbaros […] por todos os lados, encontramos a cada passo problemas que a humanidade está em perfeitas condições de resolvê-los imediatamente, mas o capitalismo é um obstáculo. Ele acumulou uma montanha de riquezas – e fez os homens escravos dessa riqueza. Resolveu problemas técnicos profundamente complexos – e bloqueou a aplicação […] por causa da miséria e da ignorância de milhões de pessoas e da estúpida avareza de um punhado de milionários. A civilização, a liberdade e a riqueza no capitalismo sugerem a ideia de um ricaço glutão que apodrece em vida, mas que não deixa viver o que é jovem. Mas o que é jovem cresce e, apesar de tudo, triunfará.

V.I. Lenin


Por: Ricardo Ayala, de São Paulo (SP)
O número estimado de desempregados em todo o mundo parece incalculável. São cifras que geralmente aparecem ao lado dos números de infectados pela COVID-19. A máquina da propaganda burguesa trata o desemprego como um fenômeno da natureza, tal qual o contágio, ou seja, seria inevitável diante da pandemia.
Contudo, se o vírus e os seus efeitos sobre o corpo humano constituem um fenômeno da natureza, não se pode dizer o mesmo da velocidade e da amplitude mundial de sua propagação nem das suas consequências sociais. A contrário, são consequências das relações sociais nas quais a humanidade reproduz suas vidas: o capitalismo. Neste momento, a miséria de todos os dias salta à vista: favelas que não podem garantir a quarentena dos que vivem apinhados, trabalhadores informais e precarizados que comem o que podem ganhar no dia.
Independentemente da cara com a qual se apresentem, seja a de Trump – enquadrado pela classe dominante estadunidense, que fez as contas e exigiu prolongar a quarentena –, seja a de Merkel, os capitalistas deixam cair suas máscaras: são todos genocidas a serviço do lucro. Isso sem falar em Bolsonaro, que o faz sem sutileza nenhuma. O capitalismo se mostra incapaz de deter o contágio generalizado e suas consequências sociais.
As relações sociais atuais, não apenas os governantes, estão em contradição com a vida. O dilema sobre parar a economia ou deter o avanço da pandemia é uma farsa, pois a economia nunca esteve a serviço da vida da maioria da população. Não se trata de uma maior ou menor intervenção do Estado na economia. O dilema que está colocado é: socialismo ou barbárie!
Um vírus que segue a rota das mercadorias
Um celular montado na China tem seus componentes fabricados em sete países. Já se foi o tempo em que o dono de uma grande empresa podia bater no peito e dizer: minha fábrica produziu este celular.
O fato de mais de 60% de todo o comércio mundial corresponder à troca de produtos (bens intermediários) entre as empresas utilizadas no processo de produção indica que o mundo é um organismo econômico único. As grandes empresas conseguem um superlucro com a dominação e a desigualdade entre os países, subdividindo a fabricação de uma mercadoria entre vários deles.
As relações econômicas entre Estados Unidos e China lideram essa cadeia produtiva. Não é mera coincidência que a primeira e a segunda economia do mundo estejam no centro da pandemia. O colossal trânsito de bens, serviços e pessoas não é apenas o meio do contágio viral, é também o eixo sobre o qual o capitalismo mundial gira e a chave para entender a propagação do vírus.
O marxismo denominou essa divisão social e mundial do trabalho de produção social. A expansão exponencial da produção social dentro de um país e a escala mundial são acompanhadas de uma profunda contradição: a apropriação privada. Essa imensa produção de riqueza na forma de mercadorias tem um objetivo medíocre: acumular lucros nas mãos de uns poucos indivíduos.
A demora para decretar a quarentena social não significaria desabastecimento de bens essenciais para a população mundial quando o vírus apareceu em Whuan. Porém interromperia a chamada “cadeia de valor”, ou seja, as exportações e importações dos componentes industriais entre as grandes empresas.
Não é a falta de comida, de energia, de água, tampouco de celulares, que atrasou as medidas para conter a disseminação do vírus pelo mundo. As grandes multinacionais (Walmart, Shell, General Electric, General Motors, Pepsi e IBM), presentes com força no país, e as mais de 400 empresas de alta tecnologia, que fornecem componentes para outras empresas, não quiseram interromper temporariamente a exportação e importação que sustenta a cadeia de valor mundial. Isso causou a disseminação do vírus. Parar a China teria um efeito imediato sobre os EUA: 20% das exportações chinesas vão para lá.
O pior é que esse genocídio premeditado é realizado num momento em que existe uma saturação de carros e celulares entre a população que pode adquiri-los. Em abril de 2019, existia 230 milhões de smartphones em uso no Brasil. Interromper sua importação por um período não provocaria a falta de aparelhos.
A produção social em escala mundial também se choca com as fronteiras dos Estados. Na medida em que a cadeia produtiva é mundial, as decisões dos Estados isolados se chocam com a concorrência entre as empresas: “não posso parar minha empresa se o meu concorrente seguir produzindo.” O que se impõe é uma corrida para o abismo, pois cada governo tomou decisões isoladas. A demora da Itália em decretar a quarentena enquanto ela foi decretada na China permitiu o avanço da pandemia.
A falência da mão invisível do mercado
Diante da falta de álcool em gel no Brasil, segundo maior produtor de álcool do mundo, os defensores do mercado como regulador da produção dizem: “Para que haja máscaras e álcool para todos, só há uma solução, deixar os preços subirem.” E os preços subiram 900%, mas o álcool em gel não apareceu na quantidade suficiente.
A frase acima também pode ser lida assim: “até que os preços do álcool subam o suficiente para que outras empresas migrem para produzi-lo, milhares de pessoas devem morrer.” Conclusão: o mercado capitalista demonstrou-se completamente incapaz de prevenir, deter e curar os afetados da pandemia, com um alto custo em vidas humanas.
O reconhecimento social do que se produz é pela venda ou pelo mercado. Assim, o que ocorre todos os dias em tempos “normais” – desperdício de mercadorias que não são vendidas, quantidades excessivas de produtos supérfluos e escassez dos necessários – converte-se em genocídio na pandemia.
A expansão da produção social aumenta a capacidade produtiva e desorganiza a sociedade na mesma velocidade. Não existe um planejamento para produzir de acordo com as necessidades sociais, pois os interesses da propriedade privada comandam.
Engels nos ensina: “O principal instrumento com o qual o modo de produção capitalista promove essa anarquia na produção social é precisamente o inverso da anarquia: a crescente produção com caráter social, dentro de cada estabelecimento de produção.” A organização da produção no interior de cada empresa cresceu de forma tão espetacular que os grandes monopólios concentram entre si 80% do comércio mundial.
Um exemplo disso é a indústria eletrônica: os produtos são desenhados para durar somente alguns meses para manter a produção ininterrupta. A velocidade de renovação implica uma grande escala de matérias-primas extraídas da natureza. Enquanto a maior parte da montagem dos produtos é realizada na China, 90% dos gastos em pesquisas são de empresas estadunidenses e europeias, e somente quatro empresas detêm 75% do mercado, resultando em desperdício, agressão ao meio ambiente e concentração da produção e dos lucros.
A sociedade não pode lidar com esta imensa potência produtiva sem um planejamento e, para impor o planejamento, a expropriação da propriedade é uma necessidade. A propriedade privada e as fronteiras nacionais não podem controlar essas forças produtivas. Por isso, de tempos em tempos, essas contradições explodem de forma violenta: guerra, catástrofe social e pandemia.
É possível planejar a luta contra uma enfermidade desconhecida?
Depois das epidemias de Ebola, SARS e MERS, a Organização Mundial da Saúde (OMS), no início de 2018, previu que uma nova pandemia surgiria em algum lugar do planeta, no qual a recente expansão capitalista ainda convivia com a vida selvagem. Em 2005, a CIA publicou um relatório sobre os conflitos mundiais, constatando que uma pandemia respiratória poderia atingir o planeta. [1]
Por que, apesar da capacidade produtiva, as principais potências imperialistas foram incapazes de planejar a produção de respiradores, aumentar os leitos de UTI, produzir insumos para os testes em escala mundial?
Ocorre que nenhum fundo de investimento, nenhum banco ou mesmo os Estados controlados por essas empresas investem na produção desses bens se o mercado não “demanda” no momento. Mas agora transformarão a morte num negócio lucrativo.
Afinal, o que é planificar a economia?
A imensa capacidade produtiva mundial está presa pelas decisões de um punhado de acionistas das grandes empresas, que integram a direção dos grandes bancos e dos fundos de investimento. Estes acionistas não têm nenhum papel no processo produtivo, seus executivos conduzem as empresas. Tampouco produzem de acordo com as necessidades sociais da maioria. Um pedaço de papel apenas, chamado de “ação”, dá a eles o direito de dispor do trabalho alheio na forma de lucros e juros. O único papel que desempenham na sociedade é o de parasitas.
A expropriação da propriedade privada significa organizar as imensas forças produtivas sociais em função das necessidades da maioria da população, presentes e futuras; centralizar os recursos disponíveis para suprir as necessidades de consumo, alimentação, saúde, moradia etc. No caso da pandemia, produzir respiradores, insumos para testes em massa, assim como os produtos necessários ao confinamento social.
Isso pressupõe que os trabalhadores governem. É necessário expropriar a propriedade privada das mãos desses parasitas. E planejar exige decisões coletivas, a democracia operária. São os próprios trabalhadores organizados que decidem sobre a utilização dos recursos construídos por eles mesmos.
Nossa luta pelo socialismo
Em 1916, Lenin explicava: “(…) as relações de economia e de propriedade privadas constituem um invólucro que já não corresponde ao conteúdo.”[2] Somente por meio da força é possível encaixar um invólucro que já não corresponde ao seu conteúdo. Por isso, com frequência, o pacote se rompe sob forma de catástrofes para a maioria da população do planeta.
Essa violência contra a humanidade e a natureza nos reservará tragédias ainda mais profundas. A inoperância diante do alerta climático e as próximas pandemias anunciadas só podem ser evitadas se forem destruídos os fundamentos sociais que as impulsionam.
Não há reformas que possam resolver as principais contradições do capitalismo. Os reformistas e suas promessas de humanizá-lo apenas conservam seu estado de decomposição de forma artificial, preparando o terreno para novas catástrofes. A revolução socialista pode liberar a potência social produtiva da amarra da propriedade privada.
NOTAS:
[1] “(…) o aparecimento de uma nova doença respiratória humana violenta, extremamente contagiosa, poderá desencadear uma pandemia mundial. (…) será, sem dúvida, numa zona de forte densidade populacional e de grande proximidade entre seres humanos e animais como acontece na China e no sudeste asiático.” O Novo relatório da Cia. Como será o mundo em 2025?, Ediouro, p. 188.
[2] V. I. Lenin. O imperialismo fase superior do capitalismo. Navegando Publicações,  p. 269.
 

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