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quarta-feira, março 27, 2024

Trotsky e a Itália de 1920

Apresentamos abaixo a contribuição dos companheiros italianos para os 70 anos da morte de Leon Trotsky. Na qual nos apresentam as análises de Trotsky, ainda na condição de dirigente da URSS e da III Internacional, sobre as lutas na Itália e o papel das correntes do movimento operário naqueles acontecimentos.
De Francesco Ricci, do PdAC
 
Trotsky e o setembro de 1920
 
Quando os operários italianos ocuparam as fábricas e estavam por tomar o poder
 
 
Continuamos com estas páginas, depois dos textos publicados nos números anteriores, a recordar o septuagésimo aniversário do assassinato de Trotsky (pelas mãos de um sicário stalinista). E queremos fazer-lo retomando uma atualíssima reflexão trotskista sobre a onda de lutas que, noventa anos atrás, em setembro de 1920, levou os operários italianos a ocupar as fábricas (a partir da Fiat) e chegar muito próximos da conquista do poder.
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1919-1920: o “biênio vermelho” da classe operária italiana
 
A chama operária de setembro de 1920 não foi um fato isolado. Aquele outono concluiu o que, em seguida, seria definido como o “biênio vermelho” porque foi marcado por uma onda sem precedentes na Itália de lutas revolucionárias. Aos anos 1919-1920 seguiu-se um “biênio negro”: depois do fracasso da revolução operária, a crise econômica empurrou a pequena burguesia (na ausência de uma hegemonia de sinal oposto do proletariado) a uma radicalização de massa à direita. É o período que se concluirá com o advento ao poder dos fascistas guiados por Mussolini.
Em setembro de 1920, um confronto sindical (por uma reivindicação de aumento salarial) será o estopim que colocará fogo na pólvora. No ano precedente ocorreu um movimento impetuoso contra o “custo de vida”, com motins de marinheiros, greves gerais, confrontos violentíssimos com os policiais que disparavam sobre os manifestantes; em julho do mesmo ano uma greve geral contra a agressão imperialista ao governo soviético paralisou o país; e depois, ainda, a “greve dos ponteiros (dos relógios)”. [O movimento ganhou esse nome quando os operários atrasaram em uma hora todos os relógios da Fiat em Turim em protesto contra os horários da jornada de trabalho] 
A força da classe operária se revelou nas cifras dos sindicalizados: em 1918 a CGL (Confederação Geral do Trabalho) tinha 250 mil inscritos, em 1919 um milhão e 160 mil, em 1920 chegava a dois milhões e 300 mil. O que faltava não era nem a força nem a combatividade. Faltava uma direção política e sindical consequente. No fim de agosto de 1920 os operários estão de novo em agitação. Nos dias seguintes ocupam as fábricas no chamado triângulo industrial: Milão-Turim-Genova. Na Fiat de Turim, o escritório de Agnelli (dono da fábrica) torna-se a sede do comitê de ocupação; e em algumas fábricas, entre as quais a Fiat, a produção continua, depois de expulsos os patrões e os dirigentes, sob a direção dos Conselhos Operários, estruturas de tipo soviético.
 
Os bombeiros reformistas e o nascimento dos comunistas organizados
 
Em 1919 e na primeira parte de 1920 a burguesia pôde contar, mais do que com as tropas do seu Estado (muitas vezes passadas aos insurgentes ou incapazes de afrontar uma mobilização daquelas proporções), acima de tudo com os dirigentes reformistas do PSI (Partido Socialista Italiano) e da CGL. Será em seguida o próprio D’Aragona (O Epifani da época) [Epifani é dirigente pelego atual da CGL] a dizer: «talvez tenhamos a culpa de ter concedido muito ao entusiasmo bolchevique das massas, mas certamente não nos pode ser negada a honra de ter impedido uma explosão revolucionária.» (1)
No entanto, apesar do seu zelo em frear as lutas, nem mesmo os bombeiros reformistas puderam impedir o incêndio maior: aquele de setembro. A faísca foi provocada pelos metalúrgicos, como explica Gramsci, falando da experiência de Turim: «os metalúrgicos formavam a vanguarda do proletariado de Turim. Dadas as particularidades desta indústria, cada movimento dos seus operários torna-se um movimento geral de massas e assume um caráter político e revolucionário, mesmo se em princípio este perseguisse apenas objetvos sindicais.» (2)
O grupo do Ordine Nuovo (jornal Nova Ordem) de Gramsci participa na primeira fila das lutas em Turim. Formam-se as “guardas vermelhas” nas fábricas, as metralhadoras são montadas sobre os tetos, se contam as munições. São mais de seiscentas as empresas ocupadas sobre as quais se vê içada a bandeira vermelha. Grandes manifestações paralisam o país: além das principais cidades industriais do Norte, também nas ruas de Bolonha, Florença, Roma ressoa o slogan “fazer como na Rússia de Lenin e Trotsky”.
Para Gramsci o instrumento social das lutas são os “Conselhos de fábrica” que tomam o local das “comissões internas”, constituídas por elementos oportunistas escolhidos pela burocracia sindical. Os Conselhos «concretizam a força do proletariado e as lutas contra a ordem capitalista e exercitam o controle sobre a produção, educando toda a massa operária para as lutas revolucionárias e para a criação do Estado Operário» (3). Não se tratava somente de uma promessa. Em Turim os Conselhos de fábrica tiveram um poder real. Em 3 de dezembro de 1919, como conta Gramsci, “a seção socialista, concentrava em suas mãos todo o mecanismo do movimento de massas, os Conselhos mobilizavam sem preparação alguma, no curso de uma hora, cento e vinte mil operários (…) que chegavam até ao centro da cidade e varriam das ruas toda escória nacionalista e militarista.” (ibidem). Os comunistas não tinham ainda um partido seu. Assim, as direções reformistas (Turati) e centristas (os maximalistas de Serrati) frearam as lutas, obtendo em troca consistentes aumentos salariais (até 20%) e até o pagamento dos dias de ocupação dos estabelecimentos. Os patrões estavam dispostos a amplas concessões (o que se manteve por alguns meses) para verem restituídas as fábricas que haviam perdido.
Será a experiência daquele biênio que empurra Bordiga, Gramsci e outros a organizar, poucos meses depois, a cisão de Livorno do PSI (4). Na convicção que sem um partido que buscasse a conquista do poder, nenhum movimento, nenhuma luta (por mais radical e revolucionária como aquela destes meses) podia vencer.
 
A análise da Internacional de Lenin e Trotsky
 
A Internacional Comunista acompanha e analisa a experiência revolucionária na Europa (a revolução spartaquista na Alemanha, de novembro de 1918 a janeiro de 1919; a onda revolucionária na Itália): a perspectiva da Internacional (ainda livre das mãos do stalinismo, que irá impor o isolamento e, portanto, a traição das outras revoluções como forma de proteção da burocracia) é aquela de romper o cerco à Rússia soviética graças à vitória de novas revoluções. A certeza de todo o grupo dirigente comunista internacional era de fato que não era possível construir o socialismo só na Rússia isolada. O caso italiano é acompanhado em particular, por conta da Internacional, por Trotsky. O leitor encontra nas páginas seguintes trechos de dois textos – daquele que era ainda (junto com Lenin) um dos dois principais dirigentes bolcheviques – onde analisa os motivos da derrota da revolução italiana. Trata-se de “Setembro de 1920: a revolução que faltou” (relatório de outubro de 1922, para o 5° aniversário da Revolução Russa) e de “A análise das correntes no movimento operário italiano” (discurso, em julho de 1921, na conclusão do III Congresso da Internacional Comunista) (5).
Oferecer aos nossos leitores estes textos nos parece um bom modo para relacionar os aniversários de dois acontecimentos de décadas atrás (os setenta anos da morte de Trotsky e os noventa anos do movimento de setembro de 1920): fatos antigos que, no entanto, lembram muito do nosso presente e, por assim dizer, esperam ainda um futuro. Quais outras soluções têm hoje os operários italianos, diante dos ataques de Marchionne, se não ocuparem as fábricas e fazer crescer uma nova onda revolucionária? A história do movimento operário nos oferece exemplos e preciosos ensinamentos, o primeiro entre todos: desconfiar das direções políticas e sindicais reformistas e burocráticas e construir o partido revolucionário que faltou em setembro de 1920, um partido sem o qual não existirá nunca nenhuma vitória efetiva para os trabalhadores. Um partido comunista, internacionalista, isto é trotskista.
 
Note
(1) Ver Batalha sindical, 25/9/29, citado em Del Carria, Proletários sem revolução, vol. 3, p. 83.
(2) No “Relatório” de julho de 1920 para o Executivo da Internacional Comunista, em Gramsci, A Nova Ordem, 19-20.
(3) ibidem.
(4) No Congresso de Livorno do PSI a maioria estava com os centristas (“comunistas unitários”) de Serrati: 98 mil e tantos votos; aos comunistas de Bordiga foram 58 mil votos aproximadamente; outros 15 mil à direita de Turati. No dia 21 de janeiro de 1921, Bordiga levou os comunistas ao vizinho Teatro São Marco, onde nasceria o novo partido. Um partido que, embora esteja “adoentado com todas as doenças infantis” (a constatação é de Trotsky e se refere ao extremismo de Bordiga), não tem nada a ver com o PCI dos anos trinta, conduzido por Togliatti (depois de expulsar a esquerda e abandonar Gramsci na cadeia) às posições do stalinismo, isto é à conciliação de classe com a burguesia e seus governos.
(5) Ambos os textos estão publicados nos Escritos sobre a Itália.
 
 
Setembr0 de 1920: faltou a revolução
 
(…) a classe operária havia tomado o poder, mas não existia nenhuma organização em condições de consolidar definitivamente a vitória (…)
 
Leon Trotsky, 1922.
 
(…) Recordam-se de 1919? Foi o ano no qual toda a estrutura do imperialismo europeu cambaleou sob o impacto da maior luta de massas do proletariado verificada na história, e no qual quotidianamente esperávamos a notícia da proclamação da República dos Sovietes na Alemanha, na França, na Inglaterra, na Itália. O termo “soviete” tornou-se popularíssimo, os sovietes foram organizados por todos os lados. A burguesia era atacada. 1919 foi o ano mais crítico na história da burguesia europeia. Em 1920, os levantes (podemos afirmar hoje retrospectivamente) diminuíram consideravelmente, embora se mantivessem extremamente perigosos, mantendo a esperança de poder conseguir uma rápida liquidação da burguesia, em poucas semanas ou meses. Quais eram as premissas da revolução proletária? As forças produtivas estavam plenamente maduras, como as relações de classe; o papel social objetivo do proletariado tornava este último plenamente capaz de conquistar o poder e de assumir o necessário papel dirigente. O que faltava? Faltava a premissa política, a premissa subjetiva, vale dizer a plena consciência da situação por parte do proletariado. Faltava uma organização à frente do proletariado, capaz de explorar a situação para a preparação técnica e organizativa direta da insurreição, da tomada do poder, etc. Isto é o que faltou.
 
Tudo se tornou tragicamente claro em setembro de 1920 na Itália. Entre os trabalhadores italianos, trabalhadores de um país que tinha sofrido mais duramente durante a guerra, um proletariado jovem sem a capacidade de um velho proletariado, mas também sem as características negativas deste último (conservadorismo, tradicionalismo etc.), entre este proletariado as idéias e os métodos da revolução russa encontraram uma enorme simpatia. O PSI [Partido Socialista Italiano], todavia, não tinha tomado em conta suficientemente estas concepções e estes slogans. Em setembro de 1920 a classe operária italiana, de fato, havia tomado o controle do Estado, da sociedade, das fábricas, das empresas, da imprensa. Que coisa faltava? Faltava uma migalha, faltava um partido que, apoiando-se no proletariado revolucionário, engajasse uma luta aberta com a burguesia para destruir os restos das forças materiais ainda nas mãos desta última, tomar o poder e chegar à vitória da classe operária. Na realidade, a classe operária havia conquistado o poder, mas não existia nenhuma organização em condições de consolidar definitivamente a vitória, e assim a classe operária foi jogada para trás. O partido dividiu-se em várias direções, o proletariado foi derrotado; e daquele momento, por todos os anos de 1921-22, assistimos a um terrível recuo político da classe operária italiana sob os golpes da burguesia já consolidada e dos esquadrões pequeno-burgueses, melhor conhecidos sob o nome de fascistas.
 
O fascismo é a desforra, a vingança realizada pela burguesia para compensar o pânico sofrido em setembro de 1920 e, ao mesmo tempo, é uma lição trágica para o proletariado italiano, uma lição sobre como deve ser um partido político, centralizado, unido e com as idéias claras. Um partido que deve ser prudente na escolha das condições, mas também resolutamente decisivo na aplicação dos métodos necessários na hora decisiva. Comparar eventos como aqueles da jornada do dia 20 de setembro na Itália com aqueles do nosso país [URSS] deve e deveria servir-nos para refletir sobre o nosso partido, que deve funcionar em condições incomparavelmente mais difíceis, isto é em condições de baixo e atrasado nível cultural, em um ambiente no qual predominam os camponeses (…)
 
Na Itália a situação também é mais grave. Depois dos fatos de setembro de 1920, a ala comunista, aproximadamente um terço do velho PSI, saiu da organização, enquanto o velho partido socialista, formado de uma ala da direita e de uma de centro, continuou a sua existência. Sob o ataque da burguesia, que confiou o poder executivo às mãos dos fascistas, os reformistas são levados sempre mais à direita, tentando entrar no governo, no qual o órgão executivo era e é constituído pelas esquadras fascistas. Isto levou a uma ruptura no partido socialista entre a ala direita e o chamado grupo de Serrati, que anunciou na conferência do partido a sua adesão ao Comintern [Internacional Comunista – IC]. No nosso congresso tivemos dois partidos: o nosso partido comunista italiano e o partido de Serrati, o qual (depois de executar um longo giro) hoje deseja ingressar nas fileiras da IC. A maioria deste partido está sem dúvida procurando praticar uma verdadeira atividade revolucionária. Neste sentido, existe certa analogia com o caso francês. Na França a perspectiva é de se chegar a uma unificação entre a ala esquerda e o centro, embora ambos pertençam ao mesmo partido. Os dois grupos são, sobretudo, duas tendências, mais do que duas frações, enquanto na Itália se trata de dois partidos diferentes.
 
Naturalmente não será simples a unificação entre eles, dado que a tarefa consiste na fusão da grande massa proletária destes dois partidos e ao mesmo tempo assegurar uma direção comunista revolucionária decidida. Daí resulta que, seja no caso da Itália, seja no da França, o trabalho a fazer hoje é, sobretudo, interno, organizativo, de preparação e de educação, enquanto o partido comunista alemão pode e deve superar já esta fase, como está fazendo, no sentido de uma atividade agitativa ofensiva, aproveitando-se do fato que os Independentes e os Socialdemocratas estão unidos e que esse é hoje o único partido de oposição. (…)
 
Análise das correntes do movimento operário italiano
 
Leon Trotsky, 1921.
 
A necessidade da luta contra os elementos centristas ou semicentristas surge de modo evidente na questão do Partido Socialista Italiano. A história desta questão é conhecida. O Partido Socialista Italiano sofreu, já antes da guerra imperialista de uma significativa luta interna e sofreu uma cisão. Em virtude deste acontecimento foi depurado dos piores chauvinistas [nacionalistas radicais]. Enquanto a Itália entrou na guerra nove meses mais tarde do que os outros países, e isto facilitou a política contra a guerra feita pelo Partido Socialista Italiano. O Partido não afundou no patriotismo e manteve a sua posição crítica contra a guerra e o governo. Aderiu, portanto à conferência antimilitarista de Zimmerwald, se bem que o seu internacionalismo fosse de natureza mais informe. Em seguida, a vanguarda do partido operário italiano empurrou ainda mais à esquerda os círculos dirigentes, e o partido entrou na III Internacional junto com Turati, que nos seus artigos e nos seus discursos procurava demonstrar que a III Internacional não era outra coisa que uma arma diplomática nas mãos da potência soviética, e que sob a cobertura do internacionalismo lutava pelos interesses nacionais do povo russo. Não é monstruoso escutar juízos do gênero da parte de um “companheiro” – se me é consentido chamá-lo assim – da Terceira internacional? O caráter antinatural do ingresso do PSI, na sua velha forma, na Internacional Comunista se demonstrou de modo mais clamoroso, durante a ação de massa em setembro do ano passado [1920]. O menos que se pode dizer é que o partido durante este movimento traiu a classe operária. Se nos perguntam como e porque o partido no outono do ano passado bateu em retirada e capitulou, enquanto ocorria a greve de massa, enquanto os trabalhadores ocupavam as fábricas, as terras etc., se nos perguntam que coisa contribuiu mais para esta traição (reformismo cínico, indecisão, estupidez política ou outro) seria difícil dar uma resposta. O PSI sofreu depois da guerra a influência da IC, permitindo que sua ala esquerda (correspondente à orientação das massas operárias) avançasse de modo mais aberto que a ala direita, mas o aparato organizativo permaneceu essencialmente nas mãos do centro e da ala direita. A agitação era conduzida em nome da ditadura do proletariado, do poder dos sovietes, pela foice e martelo, pela Rússia soviética etc. A classe italiana tomou a sério estas palavras de ordem e tomou o caminho da luta revolucionária aberta. Em setembro do ano passado o movimento chegou até as ocupações de fábricas, minas, latifúndios etc. Mas exatamente no momento no qual o partido deveria ter tirado todas as consequências práticas, políticas e organizativas, que surgiam da sua agitação, recuou assustado diante da sua responsabilidade, enfraquecendo a posição do proletariado e as massas operárias foram deixadas à mercê dos bandos fascistas.
 
A classe operária esperava que o partido, que a tinha chamado para a luta, assegurasse o sucesso do seu assalto. E este sucesso podia realmente ser assegurado, a esperança de uma vitória era plenamente fundada, porque o governo burguês estava então desmoralizado e paralisado e não podia depender nem do exército, nem do aparato da polícia. Naturalmente, como já dissemos, a classe operária acreditava que o partido, permanecendo à sua frente, conduziria a luta até o fim. Mas, ao contrário, no momento decisivo o partido se retirou, privou de direção e desarmou as massas. Então se tornou definitivamente e completamente claro que as filas da Internacional não podiam ter lugar para políticos deste tipo. O Executivo da Internacional agiu de modo absolutamente correto quando, em seguida à cisão que se verificou pouco depois no partido italiano, declarou que somente a ala da esquerda comunista pertencia à IC. Assim, o partido de Serrati, isto é, a maioria do velho PSI, foi expulsa da IC. Infelizmente (e isto encontra uma explicação nas circunstâncias particularmente desfavoráveis, mas talvez também nos erros de nossa parte) o Partido Comunista da Itália pôde contar no momento de sua fundação com menos de 50.000 inscritos, enquanto o Partido de Serrati conservou, pelo menos, 100.000, entre os quais 14.000 reformistas declarados (que anteriormente realizaram sua própria conferência em Reggio Emilia). Verdade que os 100.000 trabalhadores do PSI não são de modo algum nossos adversários. Se até agora não nos foi possível atraí-los todos às nossas fileiras, não é por culpa nossa.
 
A justeza desta avaliação foi demonstrada pelo fato de que o PSI, expulso da Internacional, mandou três representantes ao nosso Congresso. Que coisa significa isto? Os círculos dirigentes se colocaram com sua política fora da Internacional, mas a massa operária lhes obriga ainda a bater à nossa porta. Deste modo os operários socialistas manifestaram a sua orientação revolucionária e a sua vontade de estar conosco. Mas são dirigidos por homens que demonstraram não terem assimilado o modo de pensar e os métodos comunistas. Assim, os operários italianos que pertencem ao partido de Serrati mostraram ser, na maioria, de orientação revolucionária, mas de não ter ainda a necessária clareza política. No nosso Congresso estava o velho Lazzari. Pessoalmente é uma figura muito simpática, um velho combatente absolutamente sincero, um homem irrepreensível, mas de nenhum modo um comunista. Ele está completamente à mercê de concepções democráticas, humanitárias e pacifistas, e no congresso se expressou assim: «Vocês superestimam o significado de Turati. Vocês superestimam o significado dos nossos reformistas em geral. Vocês exigem que nós os expulsemos. Mas como poderemos expulsá-los se obedecem à disciplina do partido? Se nos houvessem dado motivo para fazer isso com um só caso de rebelião no partido, se tivessem entrado no governo contra as nossas deliberações, se houvessem aprovado o orçamento militar contra as nossas decisões, então poderíamos expulsá-los. Mas, caso contrário, não».
 
Já citamos os artigos de Turati, que vão completamente contra o abc do socialismo revolucionário. Mas Lazzari sustentava que estes artigos não são fatos, que no seu partido existe o direito à liberdade de opinião etc. etc. Então lhe respondemos: «desculpe, se para a expulsão de Turati necessitam que ele cometa um “fato”, isto á, que obtenha um ministério de Giolitti, então não há dúvida de que Turati, que é um político inteligente, não dará nunca tal passo, porque Turati não é um vulgar carreirista que aspira uma cadeira ministerial. Turati é um oportunista provado, um inimigo irreconciliável da revolução, mas, ao seu modo, é um político idealista que deseja, custe o que custar, salvar a “civilização” democrático-burguesa, e que por isso deseja derrotar as correntes revolucionárias da classe operária». Se Giolitti lhe oferecesse um ministério (e isto no próximo período ocorrerá provavelmente mais de uma vez) Turati lhe responderia mais ou menos assim: «Se eu aceitasse o ministério cometeria um daqueles “fatos” de que fala Lazzari. Assim que o tivesse aceitado eu seria imediatamente pego no “fato” e expulso do partido. E assim que fosse expulso do partido, também você, caro amigo Giolitti, poderia fazer o mesmo comigo, porque você necessita de mim apenas enquanto sou ligado a um grande partido operário; depois de cassado do partido também você me cassaria do ministério. Por isso não aceito o ministério; não presentearei Lazzari com o “fato” e permanecerei 0 líder “de fato” do partido socialista».
 
Esta é, mais ou menos, a argumentação de Turati. E tem razão, é muito mais previdente do que o idealista e pacifista Lazzari. «Vocês superestimam o grupo de Turati» replica Lazzari, «se trata de um pequeno grupo, como se diria em francês: uma quantidade negligenciável». Então lhe opuseram: «Mas se tomar em conta que enquanto você se apresenta aqui na Internacional em Moscou para pedir para lhe aceitar, Giolitti está já telefonando: “Sabe, caro amigo, que Lazzari foi a Moscou e talvez faça qualquer promessa perigosa aos bolcheviques em nome do teu partido?”. E sabe que coisa responde Turati? Diz-lhe seguramente: “Esteja tranquilo, caro Giolitti, é uma quantidade negligencíavel”. E tem incomparavelmente mais razão do que Lazzari.
 
Este foi nosso diálogo com os oscilantes representantes de uma grande parte dos operários italianos. Ao final se decidiu por um ultimato aos socialistas italianos: convocar um congresso em até três meses, expulsar neste congresso todos os reformistas (todos aqueles que se autodefiniram assim na conferência de Reggio Emilia), e unir-se aos comunistas sobre a base das deliberações do III Congresso. Quais serão as consequências diretas destas resoluções, não se pode dizer com precisão. Que todos os seguidores de Serrati venham para nós? Eu duvido. E de resto também não é desejável. Entre eles existe gente das quais não sabemos o que fazer. Mas o passo tomado pelo congresso foi justo. Foi projetado para reconquistar os operários provocando uma cisão entre os líderes oscilantes.
 
Tradução: Rodrigo Ricupero

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