qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Entrevista a um perseguido político moçambicano

Jojo Amade Ernesto, de 35 anos, natural da Ilha de Moçambique, ativista político social, membro fundador da organização Mentes Resilientes, mas conhecida por Movimento Mentes Revolucionárias, hoje é um perseguido político acusado do governo da FRELIMO, que tem entre suas acusações “insultar” o presidente da República. Nos deu esta entrevista onde explica como está a situação no país.

  1. Como a crise econômica de 2019 e a pandemia tem afetado a vida dos moçambicanos?

Não sei se se refere à um aspecto de desenvolvimento econômico, do qual não tomei parte, mas nunca saí do meu país. Mas interpreto a sua pergunta como uma regular:

Moçambique e seu povo sempre viveu de pobreza extrema que nunca conheceu melhorias substâncias na sua vida. O que anualmente muda, é o índice negativo que melhor  descreve uma pobreza aguda,  a situação de pobreza é catastrófica, desumana, que leva as pessoas a um retrocesso civilizacional  pois esta rouba-nos a dignidade humana, repare: em Março reportou-se a situação de fome que levou pessoas a comerem capim na região de Itoculo distrito de Monapo, sou o único ativista social que lá foi viver de perto a situação, ver pessoas comendo capim isso me rasgou os pulmões, foi um soco no estômago, por isso digo que a situação econômica de Moçambique, é catastrófica e desumana, em pleno século XXI não podemos aceitar que pessoas comam capim selvagem, a fome e miséria fustigou o nosso povo de tal maneira que é fácil ver milhares de  menores que se renderam nas estradas e bordeis para prostituição por causa de pobreza extrema, há relatos de parentes que  vendem suas filhas menores para casamentos ilegais por causa de fome. Aqui tudo vale para fintar a fome, incluindo perder a dignidade humana.

Por outro lado, com a chegada  da Covid-19 com a sua coroa de majestade, ficou ainda mais denunciado a penúria e pobreza extrema que são nossos companheiros eternos,  com a obrigação da Lei de fechar pequenos negócios, base de renda do sector familiar urbano, pre-urbano e até rural, a precariedade da administração da FRELIMO emporcalhada na destruição  e empobrecimento das famílias moçambicanas mostrou falta de agenda concreta para este país,  havendo situações de famílias que não conseguem uma única refeição ao dia por razões várias.

É difícil descrever este fenômeno penoso, diante de um poder político que até hoje e mesmo diante de tudo isto, ainda está preocupado em acumular para si e seus familiares, riquezas e mais riquezas, incluindo a milésima ajuda que vem de fora para o pacato cidadão, desviando-a para seu benefício e de seus amigos e familiares.

  1. Com o desemprego em alta e inflação dos preços dos alimentos, como as pessoas têm feito para enfrentar a crise?

Naturalmente guiado pelo instinto natural o ser humano tem de se adaptar para sobreviver.

Aliás, não enfrentam para ser honesto, porque a precariedade que se assiste remete a pensar que estamos de regresso aos anos 80, década do recesso econômico mais crítico que Moçambique já assistiu em que as famílias foram obrigadas a consumir tubérculos e ervas silvestres para se manter.

Aliás, como disse anteriormente, eu mesmo testemunhei há meses atrás, situação de famílias vivendo de capim selvagem para a sua manutenção.

O quadro é desumano e de grave violação do mais elementar direito humano.

  1. Como é a vida nas ruas? Todos podem vender ou tem privilegiados?

Boa e grande parte dos privilegiados são estrangeiros, têm os melhores lugares estratégicos, podem instalar uma pequena Infraestrutura onde eles escolherem e são protegidos, porque tudo funciona dentro do circuito de corrupção, pagando dinheiro aos oficiais governamentais responsáveis pelo controle da área.

Portanto, nos espaços municipais, esta prática é repudiada estando os vendedores em conflito com as posturas urbanas respectivas.

O que mais afeta é à capacidade das pessoas financiarem este tipo de fonte de renda visto que no tempo em que ficaram impedidos de fazer este comércio, usarão as poupanças para sua manutenção e agora que os mercados estão a reabrir as pessoas não tem renda para investir e não há políticas públicas econômicas para a recreação deste sector fundamental na esfera socioeconômica das famílias.

O Estado e as entidades creditarias assobiam de lado e só o funcionário público pode obter crédito na banca comercial por ter uma base fixa de pagamento do crédito, mas já se lá vai um comerciante sem garantias tangíveis a procura de crédito estes o mandam passear.

Em suma, a situação dos Moçambicanos é penosa, catastrófica e desumana.

  1. Como a Prefeitura tem tratado os vendedores ambulantes?

Essa é a parte que mais me dói, há em todas metrópoles políticas de ruralização do comércio de baixa renda, os vendedores de baixa renda está sendo empurrados para longe da cidade, um capitalismo selvagem que visa combater os mais fracos, o jogo funciona da seguinte maneira: expulsar o pobre com seu pequeno negócio para a periferia e manter as cidades somente os ricos, assim iludem a eles mesmos que há ricos e que o país está a desenvolver-se só porque evacuaram o pobre da área urbana.  é a teoria de combater a pobreza começando por combater o pobre e isolando este dos ricos, enfim, a prefeitura que nós chamamos de autoridades municipais, não passam de um vizinho incômodo, mas como não tens possibilidade de escolher o tipo de vizinho que gostaria de tê-lo, aí você tem de suportar todas asneiras desumanas criadas por estes senhores.

Concluindo, estes estafetas da prefeitura a partir do momento que empunham uma arma se julgam de leões na savana, oprimem os vendedores de baixa renda e os colocam em debandada, aproveitam-se dos seus produtos, enfim, eu não gosto de falar muito disto, pois me rasga o coração, peço a sua compreensão, faz tempo que perdi a paciência de estar sempre a assistir estas atrocidades cometidas pelos agentes da polícia municipal.

Infelizmente estamos longe de ter posturas camarárias solidária e de solidariedade em que o agente se sinta parte da sociedade e do problema e quando calha a vez dos cidadãos, são implacáveis, o cidadão  vê seus bens surupiados violentamente em nome de postura e ação camarária, mas que visivelmente é apenas um roubo facilitado pela Lei, pós numa apreensão legal não haveria espaço para violência, e deveriam registrar todos os bens a confiscar para que os sujeitos sejam responsabilizados a pagar multas ou coimas, ou por outra, havendo necessidade poder-se-ia  vender  em haste pública ou entregar para uma instituição beneficente,  mas o que se assiste é único premeditado roubo, contra o cidadão indefeso, cidadão pobre perpetrados por esses bandidos de políticos de meia tigela.

  1. Os trabalhadores têm liberdades em Moçambique? Tem direito a fundar sindicatos e suas organizações? Podem publicar seus jornais e boletins? Podem realizar manifestações políticas? Podem constituir partidos políticos?

Manifestações nem pensar, partidos políticos podem, mas o governo se empenha em ofuscar todos partidos políticos que depois terminam ao desaparecimento, estamos regressando ao Estado monolítico, os jornais independentes trabalham a meio gás, as perseguições aos jornalistas imparciais são simplesmente vergonhosas, há sempre relatos de assassinatos, raptos, sequestros, ou homicídio frustrado contra jornalistas de vários órgãos de comunicação social.  Há dois que as forças de defesa e segurança não dizem nada sobre o paradeiro do jornalista Abubacar Mbaruco, visto pela última nas mãos das FDS em Palma, região de conflito, em 2020 o jornal Canal foi incendiado na totalidade, recentemente o jornal Ikweli foi pisoteado com agressões verbais proferidas por um Quadro senior do partido FRELIMO e com grandes responsabilidades no Estado.

As questões sindicais em Moçambique são de uma complexidade terrível.

As vezes há sindicatos, mas que estão ali em cumprimento do desiderato legal de haver uma sindicância, sendo pouquíssimas aquelas que defendem real interesse pela qual foram constituídas pelas coletividades laborais dos mais diferenciados sectores de atividades.

A título de exemplo, o sindicato da função pública em Moçambique é gerido ou melhor manietado no interesse do governo do dia. Não é sindicato, mas tem esse nome e nunca funcionou, não defende patavina nenhuma das preocupações dos associados, ademais, os órgãos sociais destes são indicados a dedo, no respeito a mais sublime solidariedade com os interesses políticos governativos do sector público em Moçambique.

As outras áreas metalurgia, ensino, saúde, médicos, juristas e etc., as vezes e esporadicamente, mas não comumente, assiste-se um movimento sonante de sindicatos extra alienado, como foi o caso mais marcante, a greve da associação médica que reivindicou e conseguiu fixar um salário razoável entre outros direitos da classe, mas em consequência, o seu mentor acabou morto em situação de envenenamento jamais explicado pela justiça até ontem, talvez hoje o façam.

Então do ponto vista legal está lá, mas a prática essa dita que nada, mas nada mesmo funciona.

  1. É só a polícia municipal que reprime ou há outras forças policiais que reprimem?

Todos os oficiais portadores de armas são deuses do mal, sentem-se intocáveis, ou melhor, são mesmo intocáveis, eles podem cometer qualquer crime que seja, não lhes acontece nada, e eles sabem disso. Só quando a tal infração foi viral no media, o governo simula pretender fazer algo, mas termina com a famosa frase:. ESTAMOS A INVESTIGAR O CASO. ….

Basta ouvir estamos a investigar, é sinal de que o caso será engavetado, se forem mais pressionados transferem o agente para outra cidade, há vezes que até podem vir anunciar sua detenção que não houve…

Todas as forças. Dependendo do tamanho e envergadura das manifestações até a armada militar é solicitada para exibir força e extinguir qualquer tentativa de manifestação social, mesmo as menos concorridas e de fundo humanitário e/ou social.

  1. Você foi preso ou detido? O que passou com sua prisão? Você recebeu ameaças? Por que?

Fui preso por defender uma vendedora informal que brutalmente recebia pontapés da polícia, recebi todo tipo de humilhação, tive problemas de hemorragia interna no olho esquerdo. Tudo começou quando não resisti mais ver 8 homens treinados, perseguirem uma mulher indefesa, fraca e desprotegida, a derrubaram e tiraram o pouco que ela vendia, o meu espírito de suporte estourou e aproximei correndo aos agentes e pedi-lhes serem mais humanos, minhas palavras foram recebidas com rancor e fizeram-me de carne, assim iniciou as sessões de violência contra minha pessoa. Levaram meus bens, como telefones celulares e colocaram-me no carro onde passei a ser chamboqueado até chegar no comando, depois de 04 horas fui liberto com ajuda da impressa que se dirigiu ao local, exigindo explicações sobre a minha detenção.

Mas também já foi notificado pela polícia judiciária de cá por duas vezes, a chamada SERNIC e nas duas vezes recebi várias ameaças, incluindo chantagens de um processo elaborado que me obrigaram a assinar, onde sou acusado de insultar o atual PRESIDENTE da República. 

  1. A Justiça tem intercedido em favor dos mais pobres ou não?

[Risadas]…que justiça? Não justiça há nesta pátria, há vários exemplos e o litígio entre a mineradora Vale em Tete e Rubi Mining em Montepuez, Cabo Delgado são os mais sonantes. A título de exemplo recentemente dia 03 de dezembro em Inhambane, jovens protestaram contra a Mineradora SASOL e a polícia reprimiu, prendendo 7 deles. Esses jovens estavam apenas exigindo emprego e transparência na exploração do gás. Só isso.

Só posso lhe dizer que houve e tem se registrado abusos de poder, desvio de benefícios a terceiro, sonegação de direitos entre outras reclamações comprovadas e a instituição de justiça age em favor das companhias em prejuízo das comunidades, exatamente por estes projetos serem umbelados por figuras “importantes” do sistema político, nomeadamente indivíduos filiados ao partido Frelimo que tem dificultado a ação do judicial, que sempre se mostrou permissível a chantagem do poder executivo, numa captura para coatar as injustiças e encobrir o desrespeito às normas e leis aos consórcios e comunidades.

Nas zonas urbanas o poder judicial nunca intervém no roubo as populações perpetradas pelas autoridades municipais e em litígios de natureza social, em que o prejudicado é o cidadão e o promotor da discórdia, muitas vezes o poder político e seus membros.

Decorre agora, o julgamento das dívidas ocultas, mas não passa de uma farsa, onde os julgados são somente comissionistas, mas os mandantes que são ministros, Governador do Banco Central e antigo presidente, não constam na lista de arguidos, como é possível uma dívida soberana e os culpados serem técnicos que movimentaram papéis sob ordens superiores? Esta é mais uma prova de que a nossa justiça anda a reboque dos políticos.

  1. O que você espera que nós em outros países podemos fazer para apoiá-los?

A luta pelos direitos humanos é internacional, a luta pela democracia é internacional, a luta pela paz é internacional, a luta pelo o bem estar no planeta terra é internacional, um mundo melhor se precisa, é urgente, não podemos adiar o fim do sofrimento, portanto eu espero que vocês ajudem os outros povos a se despertar e ganharem o espírito de apropriação das suas riquezas do subsolo, emergir o sentimento de pertença por meio de contatos, seminários, formações etc.

Nós particularmente, apreciamos todo tipo de apoio, desde: moral, financeiro, didático, mídia, material e, fundamentalmente política-sindical.

Todo tipo de apoio que possa nos fortalecer nesta caminhada, gostaríamos de conhecer outros parceiros de luta para que possamos caminhar ombro a ombro, como disse: não podemos adiar o fim do sofrimento dos nossos povos.

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