qui mar 28, 2024
quinta-feira, março 28, 2024

Economia: Tudo depende das FAANGS

A economia mundial continua mostrando sinais significativos de desaceleração. Em abril de 2018, calculei que o miniboom de 2016-17 havia atingido o pico e que a economia mundial passaria por um fase de declínio do ciclo de Kitchin[1]. Além disso, isso mostrou que quase dez anos após o final da Grande Recessão, em meados de 2009, a economia mundial ainda estava presa em uma Longa Depressão, ou “estagnação secular” (no jargão keynesiano).

Por: Michael Roberts

No mês passado, os dados mostraram que a economia alemã, a potência da Europa, havia evitado por pouco uma “recessão técnica” no segundo semestre de 2018. Isso foi parcialmente causado pela desaceleração global no setor automotivo, devido a uma queda acentuada da demanda, juntamente com restrições às emissões de carros a diesel.

Agora, em fevereiro, a Comissão da UE reduziu suas previsões de crescimento real do PIB. A Comissão reduziu sua previsão de crescimento da zona do euro, feita em outubro passado, de 1,9% para 1,3%, citando a “grande incerteza” das negociações do Brexit, desaceleração do crescimento na China e o enfraquecimento do comércio global.

Ao mesmo tempo, o Banco da Inglaterra cortou sua previsão para as perspectivas econômicas do país na esteira de uma maior incerteza sobre o Brexit e uma desaceleração do crescimento global. A expectativa de crescimento de 1,2% para 2019 significa o nível mais baixo em uma década. A taxa de crescimento da zona do euro no último trimestre de 2018 já está lá.

Figura 1: Crescimento econômico da Zona do Euro.

O crescimento real do PIB do Reino Unido no quarto trimestre de 2018 (4T-2018) foi de apenas 0,2% em relação ao trimestre anterior. De fato, os setores da indústria e da construção civil tiveram uma contração. A produção industrial está encolhendo há seis meses. O PIB real em relação ao ano anterior (isto é, do 4T-2017 para o 4T-2018) reduziu para apenas 1,2% (já cumprindo a previsão do Banco da Inglaterra para 2019). Esta foi a taxa anual mais baixa desde 2012.

O investimento do Reino Unido em novas tecnologias, instalações e equipamentos também caiu drasticamente – caiu por quatro trimestres consecutivos e caiu quase 4% no comparativo anual. O investimento das empresas como porcentagem do PIB vem caindo há mais de três anos. A economia britânica está em greve de investimento. O risco de uma recessão absoluta no Reino Unido aumentou acentuadamente neste ano.

Figura 2: Crescimento econômico da Grã-Bretanha

O que está acontecendo na economia do Reino Unido não é devido à incerteza sobre o Brexit. É também devido à desaceleração global, particularmente na Europa e na China. O Japão está oscilando em uma recessão, com crescimento zero no último trimestre de 2018.

Figura 3: Crescimento econômico da Japão

A taxa de crescimento da China continua a desacelerar – embora seja ainda bem maior do que em qualquer uma das economias capitalistas avançadas.

Figura 4: Crescimento econômico da China

E, como apontei em um post anterior, entre as chamadas “economias emergentes”, a “emergência” está sendo substituída pela “submersão”. O PIB real da América Latina está se contraindo em bases anualizadas, segundo o banco de investimentos JP Morgan.

Figura 5: PIB real da América Latina, 4T-2018. Colunas: previsão; curva azul: real.

Mas, a chave para que esta desaceleração torne-se uma recessão completa (a economia burguesa define recessão como a queda do PIB real em dois trimestres consecutivos) é o comportamento da maior e mais importante economia capitalista, a dos EUA. Até agora, os EUA têm sido o líder do bloco, pelo menos entre as principais economias do G7, com uma taxa de crescimento real do PIB de 3% no final de 2018.

Figura 6: Crescimento econômico dos EUA

Mas, como muitos argumentaram, essa taxa de crescimento é “fake news”, como o presidente Trump costuma dizer. Ela foi impulsionada por enormes cortes de impostos para as corporações norte-americanas, que aumentaram os lucros em até 30% no ano passado. O impacto destes cortes desaparecerá em 2019. E isso já está acontecendo. De acordo com a previsão do Federal Reserve de Atlanta, o crescimento real do PIB dos EUA diminuirá para apenas 1,5% no primeiro trimestre de 2019.

Esta última previsão é uma queda enorme em relação à previsão anterior do Fed de Atlanta, que já havia baixado para 2%. Isso se dá por causa dos baixos índices de vendas no varejo anunciados na semana passada. Estes podem ter sido distorcidos pela paralisação do governo dos EUA em janeiro e por fatores sazonais, mas mesmo assim é claro que a economia dos EUA está começando a se juntar à da Europa, Ásia e América Latina em uma retração significativa.

O PIB nominal real continuou a enfraquecer nos EUA, e ainda mais na Europa e no Japão. A longa depressão continua.

Figura 7: A previsão do crescimento do PIB real a longo prazo (6 – 10 anos) atinge uma baixa histórica. Fonte: Consensus Economics

Na minha opinião, há dois fatores-chaves que impulsionam uma economia capitalista: 1) investimento do setor capitalista e 2) a lucratividade desse investimento. Este último decide o primeiro, após um atraso, de acordo com estudos empíricos, de cerca de um ano.

Tudo indica que o investimento global esteja  parando. Economistas do JP Morgan estão sinalizando uma desaceleração significativa dos investimentos globais no primeiro trimestre de 2019.  “Em suma, preocupamo-nos há algum tempo com que a queda contínua da confiança nos negócios globais levaria a uma desaceleração significativa no investimento em bens de capital. Isso parece estar acontecendo agora, especialmente após o aperto nas condições financeiras no 4T-2018. De fato, os dados que temos em mãos podem não revelar toda a extensão desse recuo”.

Os economistas do JPM citam a “confiança nos negócios” e o “endurecimento das condições financeiras”, o que significa que as empresas estão preocupadas com a lucratividade e as vendas futuras, além do aumento dos custos dos juros sobre a dívida. A guerra comercial entre os EUA e a China vai explodir? O Fed e outros bancos centrais continuarão a aumentar suas taxas de juros e, assim, “apertar” as condições financeiras?

Mas, em vez de considerar a psicologia dos capitalistas, é mais recompensador considerar as condições objetivas, porque estas últimas definem as primeiras. Globalmente, o investimento das empresas está em declínio (como parcela do PIB) desde o final da Grande Recessão. Este declínio relativo é liderado pelos EUA e pela Europa.

Figura 8: Formação do capital bruto como porcentagem do PIB. Linha azul: Zona do Euro; linha vermelha: EUA; linha cinza: China (% no eixo direito).

Muitas vezes, argumenta-se que o investimento no PIB é menor porque as corporações modernas não precisam investir tanto em ativos tangíveis como equipamentos, escritórios e fábricas, porque o investimento agora ocorre cada vez mais em ativos ‘intangíveis’, como patentes, direitos de propriedade intelectual e softwares (e até ‘boa vontade’). Mas, a prova para se chegar a essa conclusão permanece altamente duvidosa.

Depois, há a argumentação de que empresas como a Apple, Google, Microsoft, Amazon etc. simplesmente acumularam seus lucros como dinheiro [isto é, não investiram, ndt] ou utilizaram-nos para comprar suas próprias ações para melhorar o valor financeiro de suas empresas e aumentar os dividendos dos altos executivos. Mas, esta última explicação, em minha opinião, apenas confirma que a verdadeira razão para o investimento empresarial menor no PIB é que a lucratividade do capital produtivo globalmente permanece próxima ao ponto mais baixo do pós-guerra e para a maioria das economias ainda está abaixo do nível alcançado em 2006 ou final dos anos 90.

A figura abaixo mostra o nível de lucratividade do capital globalmente, conforme calculado por Esteban Maito em nosso recente livro, World in Crisis, Capítulo 4.

Figura 9: Taxas de lucro (%). Linha azul: Mundo; linha vermelha: Mundo menos a China; linha cinza: Núcleo; linha roxa: Periferia.

E abaixo é mostrado o declínio secular do crescimento real do PIB nas economias capitalistas avançadas, que acompanha a queda secular da lucratividade (calculado por Alan Freeman em um novo artigo[2].

Figura 10: Taxa média de crescimento anual do “Norte” industrializado. Linha azul: Crescimento anual; linha vermelha: Média móvel de 5 anos.

E eis o que aconteceu com a rentabilidade do capital desde o início da crise de crédito em 2007 e o consequente crash financeiro global e a Grande Recessão, seguidos pela fraca recuperação e pela Longa Depressão.

Figura 11: Variação da taxa de lucros sobre o capital líquido (AMECO), %. Coluna azul: Zona do Euro; coluna vermelha: Reino Unido; coluna verde: EUA; coluna roxa: Japão.

Durante todo o período, as rentabilidades da Zona Euro e dos EUA ainda estão abaixo do nível de 2007, enquanto a rentabilidade do Reino Unido é praticamente estável. Apenas o Japão mostra um aumento. No período de ‘recuperação’ de 2010-18, não houve recuperação da lucratividade nos EUA e na Zona do Euro. Mas no recente miniboom, houve algum aumento.

Na verdade, as grandes empresas de tecnologia americanas (FAANGs)[3] são a exceção que confirma a regra. Há setores inteiros de empresas capitalistas menores que estão lutando para obter receitas e lucros. suficientes para pagar suas dívidas, embora as taxas de juros tenham permanecido muito menores do que antes do crash financeiro global. Abordei essa questão de empresas zumbis em postagens anteriores, mas o assunto assumirá uma relevância crescente se as “condições financeiras”, como diz a JP Morgan, continuarem a se estreitar globalmente. De fato, de acordo com outro banco de investimento, o Goldman Sachs, o crescimento das vendas corporativas está em sua menor taxa (em uma base contínua de 10 anos) desde 1945!

Figura 12: Taxa de crescimento das receitas sofre uma queda junto com a queda do PIB nominal. Vendas brutas anuais (média móvel de 10 anos). Linha verde: EUA; linha azul: Europa; linha cinza: Mundo.

Se a taxa de crescimento das vendas for fraco e os custos de juros aumentarem, os lucros serão reduzidos. Os economistas do Goldman observam que, desde 2010, o crescimento do lucro fora dos EUA estancou. O único lugar onde os ganhos corporativos aumentaram é nos EUA. E isso, de acordo com a Goldman, é inteiramente devido aos ganhos das empresas de alta tecnologia. Tirando-se as empresas de tecnologia, os lucros globais são apenas moderadamente maiores do que antes da crise financeira, enquanto os lucros das empresas de tecnologia subiram acentuadamente (refletindo principalmente o impacto das grandes empresas de tecnologia dos EUA), impulsionados por uma combinação de forte crescimento de vendas e margens de lucro acentuadamente crescentes.

Figura 13: Esquerda: Ganhos globais e de empresas de tecnologia. Linha azul escura: Ganhos globais sem as empresas de tecnologia; linha azul clara: Empresas de tecnologia. Direita: Receitas líquidas, menos de empresas financeiras. Se as empresas de tecnologia forem tiradas, a diferença entre a receita das empresas dos EUA e da Europa cai para a metade.

[1] Ciclo de Kitchin é um ciclo econômico curto, com duração de cerca de 40 meses, descoberto por Joseph Kitchin na década de 1920.

[2] Alan Freeman, The sixty year downward trend of the economic growth in the industrialised countries of the world. www.thenextrecession.files.wordpress.com/2019/02/the_sixty-year_downward_trend_of_economi.pdf

[3] FAANGs: as empresas de tecnologia dos EUA. Acrônimo de Facebook, Apple, Amazon, Netflix, Google.

Tradução: Marcos Margarido

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