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sexta-feira, abril 19, 2024

Depois dos golpes militares: As Farc romperão o cerco?

Muitíssimas vezes os meios de comunicação colombianos anunciaram a morte do mais legendário guerrilheiro latino-americano, Manuel Marulanda Vélez. Entretanto, este sempre reaparecia poucas semanas depois, dizendo: “os mortos que vocês mataram gozam de boa saúde”. Só no dia 26 de março de 2008 a narrativa de Arturo Alape, “As mortes de Tirofijo”, pode ser concluída, quando um infarto pôs um fim à sua existência.

 
 
A exultante alegria e as comemorações jubilosas de todos os porta-vozes governamentais e da burguesia do país, a interrupção de reuniões de empresários para aplaudirem de pé raivosamente o sucesso da gigantesca operação militar desatada na madrugada do dia 22 de setembro contra o Comando do Bloco Oriental das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), especificamente destinado a matar seu comandante Víctor Julio Suárez Rojas, militarmente conhecido como Jorge Briceño Suárez ou “Gracioso Jojoy”, parecia indicar uma situação semelhante.
 
Após cada um dos demolidores golpes militares que as Forças Armadas desfecharam às FARC nos últimos anos, especialmente durante os oito anos do governo de Álvaro Uribe Vélez, não faltaram manchetes e declarações anunciando o “início do fim” das FARC. Paradoxalmente, cada um desses golpes parecia, ao contrário, afastar cada vez mais este final.
 
Enfraquecida a aliança social
 
A Colômbia camponesa, rural e atrasada, separada em regiões categoricamente diferenciadas econômica e socialmente, sem uma grande integração de seu mercado interno, com vias de comunicação praticamente inexistentes – que levava os alunos crioulos do maoísmo a falar de um país semifeudal – que viu nascer às FARC na década de 60 do século passado – como expressão da defesa de setores camponeses perseguidos pelos bandos armadas dos latifundiários, já não existe mais. O país, com uma população rural de 75% nessa época, foi transformado, num arrasador processo de desenvolvimento capitalista semicolonial à custa de sangue e suor, em um país urbano, com praticamente 80% de sua população residindo em grandes e médias cidades.
 
Essa guerrilha de profundas raízes camponesas, com apoio social, foi empurrada paulatina e sistematicamente – com muitíssimas desigualdades e altos e baixos – para áreas cada vez mais periféricas. Expressando assim o processo econômico e social do país. O campesinato pobre foi utilizado como força social para a ampliação sistemática da fronteira agrícola.
 
A cada novo ciclo de expansão econômica e violência política os empresários agrícolas, em profunda unidade com os latifundiários, apoderavam-se das novas terras já dominadas para o cultivo, produzindo simultaneamente dois deslocamentos: enormes massas que fugiam para as cidades transformando-se em mão de obra barata para o desenvolvimento capitalista e outras – menores – que cada vez mais retrocediam para zonas mais afastadas para abrir novas extensões de selva com seus cultivos de sobrevivência.
 
Nas últimas duas décadas a expressão mais dinâmica desse processo econômico e social esteve ligada a áreas de cultivo de coca. Ali as FARC reencontraram temporariamente um espaço social para manter-se e inclusive fortalecer-se. O campesinato pobre, usado pelo empresariado narcotraficante como força de trabalho para o cultivo de coca, começou a ser sistematicamente perseguido pelo Exército e pela Polícia que aplicavam a política oficial do Estado –imposta pelo imperialismo– de erradicação dos cultivos ilícitos. Vinculando-se ao “negócio”, convertendo-se em sócia dele em alguns casos, entrando, em outros, à cadeia de processamento e tráfico, sem se reduzir exclusivamente a atuar como protetores do camponês cultivador, as FARC chegaram e cresceram numericamente, em capacidade militar e econômica. Milhares de homens bem equipados militarmente demandam um aparelho logístico e financeiro que só pode provir de um massivo e generalizado apoio de amplas camadas da população ou do controle de um negócio suficientemente rentável.
 
Mas o controle sobre as áreas de cultivo de coca equivale ao controle de terras férteis. E burgueses e latifundiários, assim como durante o ciclo de violência dos anos 50 do século passado, armaram seus bandos paramilitares para controlar tanto o negócio como as terras. O resultado do surgimento dos paramilitares nas últimas duas décadas e meia é a melhor expressão deste fenômeno: mais de 6 milhões de hectares das mais férteis terras arrancadas a ferro e fogo das famílias camponesas e mais de 4 milhões de desalojados lançados às áreas urbanas.
 
Desde o ponto de vista do processo econômico social global não há a menor dúvida de que a “aliança de segurança social” da guerrilha ainda que não esteja completamente destruída, sofreu sim um debilitamento qualitativo. Por seu programa e por seu método a guerrilha camponesa não pode se transformar em porta-voz dos interesses e expectativas das enormes massas urbanas, desempregadas e que vivem nos bolsões de miséria. O que mais aspira é recrutar sistematicamente jovens para suas fileiras e executar ocasionalmente ações com claras características de terrorismo individual, entendida sob o conceito clássico marxista, não o conceito burguês imperialista de Bush e companhia.
 
Apesar disso, as agudas condições de superexploração impostas pelo desenvolvimento capitalista dominado pelas multinacionais, pelos planos de desenvolvimento de grandes projetos agroindustriais que obrigam ao arrebatamento de terra dos camponeses, os planos de mineração em grande escala que desalojam populações indígenas, afro-descendentes e camponeses, continuarão oferecendo um terreno fértil para o surgimento de núcleos guerrilheiros que, muitas vezes sem uma estratégia política nacional global e apoiando-se também em recursos econômicos relacionados ao controle de zonas de cultivo ilícito, mantenham suas atividades durante muitos anos.
 
Rompidos os laços políticos internos
 
Assim como outras organizações guerrilheiras como o EPL (Exército Popular de Libertação), o M-19 (Movimento 19 de abril) ou o Quintín Lame que negociaram sua desmobilização nos anos 90 — ou o ELN (Exército de Libertação Nacional) que mantém frágeis redutos de ação militar sem maior iniciativa política — politicamente as FARC se nutriram da luta democrática da população ante um regime político completamente reacionário.
 
A Frente Nacional pactuada pela burguesia e latifundiários para dar fim à chamada Violência dos anos 50 configurou um regime político reacionário, apesar de recoberto de um verniz democrático-burguês no qual se forjavam eleições, nas quais só podiam participar os dois partidos membros do pacto. A origem do M-19 localiza-se precisamente na fenomenal fraude eleitoral que garantiu o triunfo de Misael Pastrana Borrero nas eleições de 1970 quando um agrupamento político de liberais e conservadores com amplíssimo e sólido apoio popular liderado pelo ex-ditador Gustavo Rojas Pinilla, a Aliança Nacional Popular –Anapo– ganhou as eleições presidenciais.
 
Durante décadas o poder político foi exercido sob o regime de exceção do Estado de Sítio, com julgamentos militares a qualquer título dos ativistas políticos e sindicais e com uma violação sistemática de liberdades democráticas elementares. Ainda hoje atividades tão “normais” em alguns países “democráticos” como a fundação de um sindicato são perseguidas sem misericórdia pelos patrões, apoiados e respaldados pelos funcionários públicos estatais. Imediatamente a fundação de um sindicato são despedidos aqueles que encabeçam o processo e mais de uma vez produziu-se ameaças de morte, executadas por bandos contratados pelos mesmos patrões. Tanto é assim que se transformou em provérbio, no país, a frase de que é mais fácil criar uma guerrilha que fundar um sindicato.
 
Na década de 80 tal regime político, simultaneamente confrontado a partir de vários flancos, abertos pelas fissuras geradas através do surgimento de uma nova fração de classe burguesa formada no calor do negócio do tráfico de drogas que não estava integrada completamente às estruturas do regime, sem oferecer canais de expressão para a nova e massiva classe média que estava gestando o desenvolvimento capitalista nas cidades, mostrou elementos de profunda crise.
 
A “reengenharia” conseguida pela burguesia com a Constituição de 1991, antecedida pelas negociações de paz com várias organizações guerrilheiras (M-19, EPL) começou a gerar uma nova situação. Enquanto por um lado uma expressão política legal e pacífica, que aparecia identificada em aspectos programáticos com as FARC, – a UP (União Patriótica) – com cujo desenvolvimento eleitoral estava comprometido o Partido Comunista foi exterminada fisicamente, por outro lado a burguesia facilitou o surgimento do que atualmente é o Pólo Democrático Alternativo (PDA) – um agrupamento da enorme maioria da denominada “esquerda”; com um programa reformista que o converteu em um partícipe do regime político, lhe permitiu “governar” sem contradições maiores a capital nas administrações de Luis Eduardo Garzón e Samuel Moreno Díaz e manter uma importante fração parlamentar.
 
A guerrilha, e neste caso especificamente as FARC, começou a ver fraturado seriamente sua estrutura de segurança político interno. Grandes massas de população pobre e de trabalhadores das grandes cidades começaram a expressar suas expectativas democráticas através dos canais eleitorais respaldando, em alguns casos de forma massiva, aos agrupamentos políticos diferentes dos tradicionais partidos liberais e conservador, como o PDA. Assim como aconteceu com as camadas de direção sindical que durante décadas tinham simpatizado com as ações guerrilheiras. No lugar de aspirar inscrever-se nas filas guerrilheiras começaram a lutar com todas as suas forças por conquistar uma cadeira parlamentar colocando todo movimento das organizações de massas a serviço dessa tarefa.
 
Ao processo anterior devem-se unir os fenomenais erros políticos da própria guerrilha, que facilitaram seu isolamento político. Da prisão de membros das Forças Armadas conquistada em combate – aspecto que no confronto militar seria facilmente compreensível – passou à retenção quase indiscriminada de civis ou dirigentes políticos de frações burguesas locais; para terminar vagando anos pela selva com o “cadáver” político de Ingrid Betancur; sonhando ilusoriamente que com esse cadáver tinham a mais gigantesca carta de negociação em nível internacional, especificamente com o governo francês.
 
No final do governo de Pastrana em 2002, com o rompimento das negociações do Caguán, este processo começa a dar um salto qualitativo e, de forma massiva, a burguesia, através dos grandes meios de comunicação potencializa e mantém uma fenomenal campanha político-ideológica que abre o espaço de massas ao governo de Álvaro Uribe Vélez cujo programa e atividade durante oito anos poderia sintetizar-se na consigna de liquidação militar da guerrilha, especificamente das FARC.
 
São bem conhecidos os gigantescos sucessos militares do governo de Uribe Vélez frente às FARC. No entanto, assim como Marulanda Vélez, ao final de seu mandato ficou claro que, se por um lado não se poderia dizer que as FARC “gozassem de boa saúde” também não se podia dizer que estivessem mortas. O próprio Uribe, com seu linguajar atrevido, sintetizava-o ao assinalar, repleto de ódio e talvez de desilusão por não tê-lo conseguido: “a serpente continua viva”.
 
E “a serpente” continua viva e provavelmente seguirá anos mais, porque continua nutrindo-se também dos atropelos cometidos pelo aparato estatal em sua tentativa de conquistar pela via militar. Basta assinalar como, segundo cifras dos próprios organismos oficiais e das agências internacionais, milhares de mortos inocentes foram apresentados como “combatentes guerrilheiros” caídos. São os chamados “falsos positivos” [1], responsabilidade política direta do governo anterior, do qual o atual presidente Santos foi ministro de Defesa.
 
O rompimento da aliança internacional e um breve respiro
 
As décadas de existência das FARC, que as convertem na guerrilha mais antiga do mundo, não podem ser explicadas unicamente pelas condições econômicas, sociais e políticas do país. Elas foram condição e razão fundamental, mas, simultaneamente, as circunstâncias do meio internacional jogaram um papel decisivo. Também essas circunstâncias são um fator decisivo na hora de explicar sua situação atual.
 
Praticamente desde sua origem as FARC se uniram ao aparato estalinista mundial encabeçado pela burocracia soviética e expressado politicamente no país através do Partido Comunista Colombiano. Isso se converteu para as FARC em uma fonte de fortaleza política indubitável. Apareciam expressando ante os trabalhadores e camponeses pobres do país – na radical forma de luta armada– o que aos olhos desses trabalhadores e camponeses aparecia como a mais gigantesca conquista de seus irmãos de classe do mundo contra a burguesia e o imperialismo: o chamado “socialismo”.
 
A revolução cubana dos anos ‘60’ também fortaleceu às FARC, ainda que não diretamente, pois a simpatia que levantou em toda América Latina, na Colômbia — em sua expressão guerrilheira — canalizou-se através do ELN. Posteriormente a ascensão latinoamericana e a luta democrática anti-ditatorial, especialmente na América Central em 1979-1980, pareceram validar a estratégia política e militar das FARC com o triunfo sandinista contra a ditadura de Somoza e as possibilidades de acontecimento similar em El Salvador pela Frente Farabundo Martí.
 
Porém em 1989, com os processos de restauração capitalista dos chamados Estados Socialistas, com a definição estratégica de anos antes da direção castrista de romper laços com as organizações guerrilheiras do continente e reduzir seu internacionalismo à prestação de ajuda humanitária hospitalar a alguns quantos combatentes, com a decisão das organizações guerrilheiras centro-americanas de passar a serem administradores eficazes do capitalismo dependente do imperialismo em seus respectivos países (como o sandinismo na Nicarágua ou a Farabundo Martí em El Salvador) esse espaço internacional começou a se reduzir significativamente.
 
O Ascenso de massas que se apresentou em muitos países sulamericanos, encabeçado pela Venezuela com o Caracazo, expressado pelo triunfo eleitoral de Lula, a derrota de governos pela mobilização de massas no Equador e Bolívia, projetaram ao poder governos nacionalistas burgueses com características de reformistas e recobertos com uma linguagem antiimperialista, ofereceu um respiro temporário no meio internacional às FARC.
 
Do marxismo-leninismo em sua expressão estalinista, passou rapidamente ao “chavo-socialismo” e ao “bolivarianismo”, depositando toda a confiança nos novos dirigentes (Chávez, Evo, Correa). A qualidade de agente servil das políticas da administração Bush assumida pelo governo de Uribe Vélez durante seus oito anos facilitou plenamente às FARC essa mudança de discurso e permitiu-lhes contar com fronteiras relativamente permeáveis no sentido militar e político. As agudas contradições desatadas pelo imperialismo por seus ataques a esses governos faziam com que, nos fatos, houvesse uma sintonia entre as necessidades das próprias FARC e o discurso desses governos.
 
Agora, ao terminar o governo de Uribe, a burguesia colombiana definiu um ajuste com respeito a suas relações com a comunidade. Continuará sendo um agente de total e absoluta confiança do imperialismo – especialmente do norte-americano — mas mudando seu comportamento. Pelas conveniências econômicas e políticas deixará de atuar como o valentão do bairro que com punhal em mãos tentava dirimir suas contradições, para passar a atuar respeitando as normas de convivência interburguesa entre estados. É bastante possível que o bombardeio ao território vizinho (para matar Raúl Reyes no Equador) ou a ordem de seqüestrar em outro país uma pessoa para trazer a uma prisão nacional (seqüestro de Granda na Venezuela) se convertam em “vergonhosos” episódios do passado.
 
Santos abraçou novamente Chávez, Chávez começou a facilitar o pagamento de dívidas dos exportadores colombianos e, o que é mais importante, o governo equatoriano começou de novo a colaborar nas operações militares da Colômbia na fronteira — já antes tinham sido uma boa equipe quando facilitou a captura em Quito de Simón Trinidad, um importante dirigente das FARC — tal como foi reconhecido há poucas semanas quando depois do bombardeio a um acampamento das FARC onde foram mortos 27 guerrilheiros o governo colombiano publicamente agradeceu a colaboração do governo Rafael Correa.
 
De “aliançados” a “cercados”
 
Vistas assim as coisas, parecia que as “alianças de segurança” das FARC se transformaram em verdadeiros “cercos”. Seu momento atual poderia ser definido como de uma organização guerrilheira “cercada”.
 
O espaço social para uma luta transcendental que envolva amplas massas já não é o campo e as zonas agrárias do país. Paralelamente a este processo econômico social objetivo a burguesia está desenvolvendo amplos planos de investimento em vias, infra-estrutura, domínio territorial, que aprofundem esse isolamento e encurralamento social; buscando integrar às zonas comprimidas a um funcionamento – ainda que muito precário – do circuito capitalista. Parte disso são os planos massivos de assistência social, Famílias em Ação, Famílias guardas-florestais, etc.
 
Politicamente também procura cercar à guerrilha por todos os lados. Projeta-se abertamente às alas mais capituladoras e ajoelhadas à burguesia, como a expressada por Petro no Pólo Democrático Alternativo, e se copta politicamente setores da direção sindical como o Presidente da Confederação Geral de Trabalhadores, Julio Roberto Gómez, que apoiou a campanha do atual presidente Santos sendo membro da Direção Nacional do PDA. Atua politicamente contra quem não se encaixe no marco, como a senadora Piedad Córdoba a quem se sanciona disciplinarmente com a perda de seu mandato e 18 anos de inelegibilidade por supostamente “fomentar e promover” ações das FARC; devido a suas atuações ao lado de Chávez e por conta própria na busca da libertação de um conjunto de retidos pelas FARC; tentando por esta via aplainar os caminhos para uma alternativa de diálogo e negociação.
 
Militarmente, sem a menor dúvida, as FARC aparecem cercadas. A operação militar contra o Comando do Bloco Oriental, na qual morreu Jorge Briceño, supunha um combate militar prolongado e custoso com, segundo os analistas, milhares de homens que conformavam seus três elos de segurança “apertando” o cerco por terra, no meio de uma inóspita selva. Optou-se por uma mudança de estratégia: golpear diretamente o centro do anel com uma operação milimetricamente calculada, várias dezenas de aviões e helicópteros atuando; bombardeio prévio e desembarque de centenas de homens ao próprio centro do anel, para produzir uma explosão do mesmo por dentro.
 
Esta tática de manter o cerco e golpear o centro das alianças militares da guerrilha deu enormes resultados às Forças Armadas. Integrada com um trabalho cuidadoso de inteligência e de infiltração permitiu-lhe matar importantíssimas figuras do alto comando político-militar do próprio Secretariado. A luta contra a guerrilha das FARC converteu-se em um dos laboratórios mais importantes neste terreno para o imperialismo. Dezenas de assessores de todas as agências imperialistas participam diretamente no planejamento e execução das operações. Enquanto o acordo militar para o uso de sete bases perdeu vigência pela decisão da Corte Constitucional, assinalando que tal acordo deveria ter sido tramitado no Congresso, os dois governos coincidem em que existe tal integração de trabalho e que é secundário por agora se o acordo vigora ou não.
 
Um futuro incerto
 
São muitas as variáveis para que seja possível fazer um prognóstico sério do futuro das FARC. O governo de Santos assinalou, no momento de posicionar-se, que não mantinha fechada a porta para uma negociação; mas a partir de condições prévias onerosas e praticamente nenhuma oferta, convertia sua proposta realmente em um chamado à rendição.
 
Reiteradamente, e de forma sistemática durante as últimas semanas, através de Alfonso Cano, o Secretariado das FARC tem expressado sua disposição em negociar. Teoricamente tal negociação é possível pelo caráter fundamentalmente democrático das propostas programáticas das FARC; como se deu de forma similar com outras guerrilhas nos anos 90.
 
No entanto, as condições para abrir um espaço de negociação não parecem as mais favoráveis nem se expressam significativos setores burgueses a favor dessa opção no momento atual. O governo de Unidade Nacional de Santos agrupou quase a totalidade da burguesia em seu seio e fez da continuidade da política de Segurança Democrática de Uribe, cujo um dos componentes básicos é a busca de um esmagamento militar da guerrilha, uma bandeira comum; inclusive compartilhada por setores do Pólo Democrático, como o expressava [Gustavo] Petro no início de sua campanha presidencial.
 
A chamada “solução política negociada ao conflito social e armado” significaria a decisão do setor dominante da burguesia, de comum acordo com o imperialismo, de “negociar” alguns aspectos de seus projetos econômicos e sociais, o qual não aparece à vista. Significaria uma “negociação” do plano de desenvolvimento capitalista do campo através dos grandes projetos agroindustriais. Pelo contrário, o que aparece dos projetos governamentais é a tentativa de “integrar” às camadas camponesas a tais projetos – às quais se lhes “restituiriam alguns milhares de hectares de terra”– convertendo-os por esta via em um “cerco social” adicional à guerrilha.
 
É provável que as FARC sofram novos e duros golpes militares nos próximos meses. O cálculo no qual parece apostar a burguesia é conseguir que se aprofunde um processo de desmoronamento interno, oferecendo “condições favoráveis” à desmobilização de combatentes de base, golpeando muito duramente à cúpula, buscando desvertebrar sua capacidade de comando central para que comecem a atuar como estruturas separadas, cada uma evoluindo de acordo com seus próprios interesses.
 
Pela formação político-ideológica do estalinismo, pelo caráter exclusivamente democrático-revolucionário de seu programa, pela transformação social no seu interior por força da relação de anos com o negócio de cultivos e tráfico ilícito, não se percebem no interior das FARC setores sequer minoritários que avancem para repensar sua estratégia equivocada de décadas.
 
Tal mudança, hipoteticamente, abriria condições para canalizar para uma opção revolucionária dezenas de ativistas e lutadores honestos que expressam raiva, ódio e indignação contra o antidemocrático regime político colombiano e que olham com simpatia e ilusão para a luta das FARC. Essas camadas, fundamentalmente entre a juventude pobre e desempregada das grandes cidades, ofereceriam uma mina gigantesca para nutrir uma opção que, expressando uma proposta realmente revolucionária de luta anticapitalista, a impulsionasse através de métodos absolutamente diferentes dos utilizados pelas FARC durante décadas, isto é, impulsionando a luta e mobilização, com tarefas decididas democraticamente pelos participantes das lutas e mobilizações.
 
Seja qual for o resultado do processo atual, quase seguramente uma combinação de várias das possibilidades analisadas, a tarefa básica e fundamental dos milhares e milhares de explorados e oprimidos colombianos para solucionar suas necessidades continua proposta: enfrentar os planos econômicos e políticos da burguesia, expressados atualmente nas políticas do governo Santos. E para essa tarefa a luta guerrilheira não foi nem é atualmente a melhor ferramenta. É necessário avançar na construção e desenvolvimento de uma organização política que atue com um método operário, que não suplante a própria organização das massas em sua mobilização, que não deposite a menor confiança nos governos burgueses por mais antiimperialistas que se proclamem.
 
Desde o ponto de vista revolucionário, recusando os regozijos de celebração da burguesia pelos golpes militares impingidos à guerrilha, mas ao mesmo tempo assinalando clara e abertamente que a opção revolucionária passa pelo trabalho paciente e sistemático de organização e mobilização dos próprios trabalhadores e das massas, em ações democraticamente decididas por eles mesmos, fortalecendo seu nível de consciência e construindo nesse processo uma organização que cumpra um real papel de direção estratégica, há que chamar a uma reflexão sobre o momento atual da luta guerrilheira no país.
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NT:
[1] “falsos positivos” – assassinatos de civis inocentes para inflar números de baixas e apresentá-los em “boletins positivos” como guerrilheiros tombados em combate e assim obter premiações.
 
Tradução: Érika Andreassy

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