sex mar 29, 2024
sexta-feira, março 29, 2024

A questão da soberania nacional e a luta anti-imperialista na Rússia de hoje

Em duas áreas mais quentes da luta de classes nos últimos anos, a América Latina e o Oriente Médio, a luta contra a dominação imperialista (pela soberania e independência nacional) foi central. Todas as lutas nestas regiões tiveram um forte componente anti-imperialista. Na América Latina, pela recuperação dos bens nacionais que estão nas mãos de empresas multinacionais, como a água e o gás na Bolivia, ou petróleo na Venezuela, etc…

Ou lutas pelo não-pagamento da dívida externa, contra a privatização, acordos de livre comércio e de entradas de capitais multinacionais em seus países. No Oriente Médio, contra o saque do petróleo ou diretamente contra as ocupações militares, como no Iraque, na Palestina ou no Afeganistão, entre outros.

Por outro lado, na França, por exemplo, que vem de um processo crescente de lutas da classe trabalhadora, estas se deram em torno da jornada de trabalho, dos salários, dos direitos conquistados e assim por diante. Só quem fala da “defesa nacional” é a extrema-direita. A luta contra a dominação imperialista de seu país não tem lugar na França, exatamente porque a França é um país imperialista.

E na Rússia? As bandeiras anti-imperialistas e de independência nacional devem ser levantadas pela classe operária, como na América Latina? Ou são bandeiras da extrema-direita (que, de fato, aqui as utilizam)? É um tema importantíssimo, ainda mais devido ao crescimento atual dos movimentos nacionalistas de extrema-direita na Rússia.

O nacionalismo dos oprimidos e o nacionalismo dos opressores

O nacionalismo na Rússia tem dois aspectos, contraditórios entre si. Em primeiro lugar, é uma reação natural à abertura do país ao capital internacional, ao roubo nada pequeno de suas riquezas desde a restauração capitalista nos anos 80. A URSS foi a 2ª economia mundial, uma nação altamente industrializada, enquanto a Rússia agora é praticamente um país do Terceiro Mundo, com uma economia primitiva focada na exportação de matérias-primas para empresas multinacionais nos países imperialistas. A decadência do país e do enriquecimento da nomenclatura (burocracia) do Partido Comunista da União Soviética [1] foram resultados diretos desse roubo.

Mas esse roubo não ficará impune para sempre. A festa de viver das migalhas da restauração está em seu final. É o que anuncia a crise econômica mundial. E, cedo ou tarde, as massas exploradas pelos oligarcas da antiga nomenclatura vão reagir. Esta nova burguesia russa têm conciência disso e, por esta razão, financia esse nacionalismo ultrarreacionário, com base nos piores preconceitos da época czarista e da superburocracia estatal inchada, especialmente as forças armadas, além da classe média em crise. Tentam desviar o legítimo ódio contra o imperialismo e a oligarquia Russa a um ódio contra os “estrangeiros”, especialmente aqueles que vêm para as grandes cidades da Rússia para trabalhar por salários de fome como os tadjiques, uzbeques, quirguistões, vietnamitas, caucasianos, etc. Ou seja, o setor mais explorado da classe trabalhadora na Rússia.

Parece-nos que há, então, uma diferença muito clara entre o “nacionalismo” dos trabalhadores, que é uma reação à entrega do país ao capital internacional, o nacionalismo ultrarreacionario da burguesia e da burocracia, que visam a mascarar a semicolonização do país e desviar a atenção das massas, dividindo-as por sua nacionalidade. A triste ironia é que a burguesia e a burocracia russa, agentes diretos da restauração capitalista e da semicolonização do país, são hoje os que se apresentam como “nacionalistas” e “defensores da nação”, como o governo de Putin-Medvedev, o PC (Partido Comunista) e a extrema-direita.

O PC joga um papel ultrarreacionário, fazendo coro como o chauvinismo nacional, reforçando, assim, inclusive no seio da classe trabalhadora, as ideologias nacionalistas mais reacionárias. Para lutar contra “o imperialismo”, o PC, ao invés de unificar a classe trabalhadora contra a burguesia nacional e estrangeira, prefere, de acordo com a tradição stalinista, fazer uma frente com a burguesia nacional e pretensamente “anti-imperialista”. Assim, apóia, por exemplo, a repressão permanente no Cáucaso do Norte, criticando inclusive o governo de Putin-Medvedev por não ter um pulso “suficiente forte” para esmagar a resistência “anti-russa”. Nisso, não se diferenciam em nada da direita nacionalista.

Um grave erro da esquerda

Mas, refletindo a justa aversão aos nacionalistas e ao PC, parte da vanguarda de esquerda cai num grave erro. Passa a negar qualquer política que signifique, na prática, defender a Rússia em qualquer conflito, porque, no final, “não somos nacionalistas, somos internacionalistas”, dizem eles. Acreditam, refletindo a pressão liberal, que defender a Rússia em qualquer caso é uma política de direita, fascista ou stalinista. Ou seja, não capitulam ao nacionalismo burguês… capitulam ao imperialismo! E no marco em que a Rússia sofre há muitos anos uma grande ofensiva colonizadora por parte das grandes potências. Esse erro é muito grave e explica em parte o isolamento destes ativistas. De fato, enquanto o nacionalismo de extrema-direita cresce, como um subproduto distorcido da reação à entrada do capital imperialista no país, a esquerda se isola a cada dia ao não levantar um programa anti-imperialista na Rússia.

Uma parte importante do ativismo de esquerda não dá importância à luta contra a penetração do capital imperialista na Rússia, dizendo que a “burguesia nacional ou estrangeira são todas iguais”, como no caso de compra de ações pela Renault da França da AvtoVAZ. Não dão sequer qualquer importância à luta concreta contra a OTAN, como na ocasião de seus exercícios militares perto da fronteira com a Rússia no ano passado, quando havia que levantar bem alto a consigna: “Fora OTAN das fronteiras da Rússia” [2]. O mesmo aconteceu nas provocações que levaram à guerra da Ossétia, onde o imperialismo queria afirmar seu domínio sobre o Cáucaso. E, agora, o mesmo se repete com a nova onda de privatizações anunciada pelo governo Medvedev-Putin, com o fechamento de empresas nacionais, com a venda de ações das empresas russas nos mercados acionários em todo mundo, etc., processos que ocorrem sem resistência alguma. A esquerda, infelizmente, acredita que essas tarefas distraem a classe operária da sua luta central: a revolução socialista.

Na verdade, isso não tem nada a ver com a defesa de verdadeiros internacionalistas, para quem a luta contra o imperialismo é inseparável da luta pela revolução socialista nos países oprimidos pelos países imperialistas. Ou seja, a revolução socialista, em todos os países que sofrem a pressão colonizadora das grandes potências, passa inevitavelmente pela luta anti-imperialista.

Somente a classe trabalhadora pode livrar a Rússia de se tornar uma nova colônia. Poder-se-ia dizer que, lutando contra o imperialismo como o inimigo principal, realmente acabaria por capitular perante a burguesia nacional russa, tornando-se porta-vozes de sua política. Isso é um delírio total. O século XX mostrou, sem nenhuma margem de dúvida, o quanto a burguesia nacional é inconsequente na luta contra o imperialismo, que a luta contra o imperialismo e por defender a nação oprimida só pode ser realizada pela classe trabalhadora. Isso é muito claro na Rússia, onde todas as correntes burguesas, especialmente o governo Medvedev-Putin, são PRÓ-COLONIZACÃO, barganhando e lutando apenas pelo pagamentos por seus serviços ao imperialismo mundial. A luta contra a colonização russa é uma tarefa da classe operária!

Separar hoje a luta pelo socialismo da luta contra o imperialismo é equivalente ao equívoco dos mencheviques, que separaram a revolução burguesa da revolução socialista no início do século XX. O que permitiu que os bolcheviques tomassem o poder foi precisamente o entendimento de que as duas se combinam em uma única revolução, assim como a luta contra o imperialismo é parte integrante da revolução socialista nos países coloniais, semi coloniais ou em processo de colonização. E, assim, repetimos: a revolução socialista, em todos os países que sofrem a pressão colonizadora das grandes potências, passa inevitavelmente pela luta anti-imperialista e a Rússia não será uma exceção.

A questão da luta contra o imperialismo é mais atual do que nunca na Rússia

Não é possível a classe operária lutar pelo socialismo – ou, inclusive, pelos seus direitos mais mínimos – se não fizer parte da luta contra a penetração imperialista da Rússia. Não há nenhuma maneira de garantir empregos e salários se não se combate a semicolonização do país. Assim como nos tempos dos czares, toda a luta começava com: “Abaixo o Czar”.

Naquele tempo, alguém podia dizer: “não há que lutar contra o czarismo e, sim, pelo socialismo”. Pareceria, na melhor das hipóteses, um idiota bem-intencionado e, na pior das hipóteses, um agente do czar. E que dizer dos que hoje se recusam a lutar contra a ofensiva colonizadora do imperialismo na Rússia, “para não desviar os trabalhadores da luta pelo socialismo”?

A Rússia é hoje um país dependente, alvo da estratégia colonizadora dos países imperialistas. Se não se combate essa estratégia imperialista, o resultado será uma grande derrota para a classe trabalhadora: a transformação da Rússia em um país de economia primitiva e atrasada, caminhando a passos largos para se tornar apenas um exportador de matérias-primas para as empresas imperialistas. Um país onde tudo que seja mais elaborado tenha que ser importado, ou melhor, construído aqui usando mão de obra barata russa, mas sob o controle e nas mãos das multinacionais, como uma verdadeira colônia.

O declínio do país é o resultado direto da restauração capitalista e da ofensiva colonizadora. A semicolonização da Rússia avança através da abertura de mercados para a livre concorrência. E a livre concorrência é exatamente isso: ganha o mais forte, nesse caso, as empresas imperialistas.

Se a classe trabalhadora e suas organizações não tomarem para si a tarefa de combater a semicolonização da Rússia, o resultado é que deixará uma bandeira justíssima, a luta contra a penetração imperialista na Rússia nas mãos dos nacionalistas. E tão grave quanto, deixará o governo de Putin-Medvedev de mãos livres para prosseguir com seus planos pró-colonização, sem desmascarar sua política, permitindo inclusive (ironia das ironias) que pose como “defensor da pátria”. A classe operária russa tem que arrancar essas bandeiras das mãos dos nacionalistas e levantá-la bem alto, pois só ela pode levá-la adiante de forma consequente.

O que se tem que explicar para todos os trabalhadores russos é exatamente que a burguesia e a burocracia russa (materializada no governo Medvedev-Putin) são sócias menores do imperialismo e vão converter a Rússia em uma semicolônia das potências mais fortes, ou a classe operária vai enfrentar este processo e tomar o destino do país em suas mãos. Revolução ou Colônia, não há terceira via!

Por isso, as palavras de ordem como: Abaixo o imperialismo, Nacionalizar as empresas estrangeiras, Re-estatizar as empresas privatizadas ou que negociaram suas ações nas bolsas de valores de todo o mundo, Abaixo a privatização, Proibir as remessas de lucros das multinacionais e dos bancos, Abaixo a OTAN, etc, são consignas importantes na luta de classes nos países da América Latina ou do Orienrte Médio, mas são também consignas chaves para a vitória da luta da classe operária na Rússia de hoje. Ou seja, são NOSSAS CONSIGNAS!

_____________________

Notas:

[1] A burocracia estalinista cobrou caroa para restaurar o capitalismo, não por acaso que a russia seja hoje o 2 º ou 3 º país onde têm mais multimilionários do mundo
[2] Isso chama ainda mais atenção ao notar que quando os EUA enviaram sua 4 ª frota ao Atlantico Sul, faz dois anos, não houve dúvida em chamar “Fora Ianques da América Latina”.

Tradução: Guilherme Fonseca

Confira nossos outros conteúdos

Artigos mais populares