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quinta-feira, março 28, 2024

Convenção Constitucional: as demandas populares podem ser derrotadas pelos ⅔ e pela cozinha da “Nova Concertação”

A Convenção Constitucional vem funcionando a todo vapor. Estamos a meses do término do prazo para que os Constituintes redijam uma Nova Constituição. O prazo estabelecido na Lei 21.200 (Acordo pela Paz) é de no máximo 12 meses e terminará em 4 de julho.

Por: MIT – Chile

Na atual etapa da discussão, as Comissões temáticas estão debatendo e votando as primeiras normas constitucionais (por 50% + 1 dos votos), que depois devem ser aprovadas no Plenário por ⅔ (103 votos a favor). As primeiras normas constitucionais já foram aprovadas pelo Plenário. As normas rejeitadas voltam às Comissões para debate.

Nos últimos meses várias votações nas Comissões chamaram a atenção e desencadearam duros ataques do grande empresariado e seus representantes (políticos, jornalistas, intelectuais) aos deputados/as constituintes. Queremos mencionar aqui quatro Iniciativas que foram aprovadas na Comissão do Meio Ambiente, Bens Naturais e Sistema Econômico, que se encontram entre as que geraram mais agitação.

A primeira iniciativa importante foi proposta pela deputada constituinte Natividad Llanquileo e outros, e propõe o direito dos povos e nações pré – existentes à terra, território e seus recursos e bens naturais.  A iniciativa propõe a devolução das terras que tradicionalmente os povos originais ocuparam. Será formada uma Comissão especial, plurinacional e paritária encarregada do cadastro e devolução das terras, com autorização da Conadi. A norma também propõe a anulação de todas as concessões minerais, florestais, megaprojetos de energia elétrica e outras que tenham sido outorgadas sem consentimento das Comunidades que habitam esses territórios.

Essa iniciativa foi duramente atacada pelo grande empresariado. Nas palavras de um dos constituintes da direita na Comissão, Roberto Fontaine, a iniciativa é totalmente “maluca”. Veremos outros adjetivos criativos usados pelos representantes dos donos do país para falar contra as demandas populares.

A segunda iniciativa muito comentada foi a que revoga o atual Código das Águas, fazendo caducar os Direitos de Aproveitamento das Águas, inclusive sem indenizações, no caso da mineração, empresas florestais, agroindústria, empresas de saneamento e qualquer indústria que tenha feito uso intensivo. Essa norma foi apresentada por Isabel Godoy e outros/as. A norma também propõe que o uso da água seja redistribuído no prazo de 2 anos de acordo com a Nova Constituição, tendo como prioridade a manutenção dos ciclos naturais, a preservação dos ecossistemas e a subsistência e o bem estar das pessoas.

Tal norma também gerou uma forte reação do empresariado, em particular do setor agrícola. O presidente da Sociedade Nacional da Agricultura, Cristián Allendes Marín, referiu-se à aprovação da norma como uma “péssima noticia”, dizendo que tal proposta poderia afetar mais de 100 mil agricultores.

A terceira e mais atacada foi a Iniciativa proposta por Ivanna Olivares, com apoio da nossa companheira María Rivera e outros constituintes. Essa iniciativa propõe a Nacionalização das empresas da Mineração em Grande Escala do cobre, lítio e outros bens estratégicos. Tal iniciativa foi trabalhada a partir da Iniciativa Popular de Norma redigida por várias organizações, entre elas o MIT.

A proposta de nacionalização foi aprovada na Comissão com 11 votos a favor (dos 19 constituintes) e posteriormente foi amplamente atacada pelo empresariado. Bernardo Fontaine, o criativo defensor dos donos do país, disse que a Convenção entrou na “Fantasilândia”. Já Pablo Toloza, da UDI, disse que era a coisa mais “louca” que tinha visto na Convenção. Por sua vez, o presidente da Sociedade Nacional da Mineração, Diego Hernández, disse que essa norma era uma “barbaridade”.  Esses adjetivos não devem nos surpreender. Há poucos anos, vimos como Cecilia Morel, esposa de Piñera, qualificava as manifestações populares como uma “invasão alienígena”. Outras normas relacionadas à Nacionalização do Cobre foram aprovadas nas últimas semanas, incluída a Iniciativa Popular de Norma, que contou com mais de 24 mil assinaturas populares.

Outra iniciativa polêmica é a que propõe que o Estado chileno revise e se retire de todos os Tratados de Livre Comércio que vão contra a soberania popular.  Também propõe uma série de mecanismos democráticos para que a população possa informar-se e decidir sobre a aceitação ou não de um TLC. Da mesma forma, proíbe-se o uso de Tribunais internacionais para resolver controvérsias e propõe a saída do Chile do CIADI, o Centro Internacional de Acordo de Diferenças Relativas a Investimentos, o principal “tribunal” internacional que protege os investimentos estrangeiros em detrimento dos Estados nacionais.

As artimanhas do empresariado: o interesse particular apresentado como interesse geral

Além das desqualificações, o grande empresariado utilizou uma tática constante para atacar as demandas populares e as iniciativas de norma que propõem mudanças profundas no país. Sua tática é simples: apresentar seus interesses particulares como se fossem interesses de toda a população. Assim, dizem que a nacionalização da mineração em grande escala quebrará o país devido às altas indenizações que teremos que pagar, ou que desprivatizar a água significaria prejudicar mais de 100 mil agricultores e gerar fome, já que isso destruiria a produção de alimentos. E assim continuam com suas desqualificações.

Essa tática não é nova. A burguesia sempre a utilizou para defender seus interesses. Através de seus meios de comunicação, difundem essas mentiras para gerar desinformação e medo na população. Com isso, buscam que todos pensem que ao atacar seus privilégios seus interesses, estaremos atacando os interesses de toda a população.

Um passo à frente, “dois terços” atrás

Todas as normas aprovadas pelas Comissões deverão ser aprovadas ou rejeitadas pelo Plenário da Convenção. O maior problema é que no Plenário, essas normas requerem a aprovação de ⅔ dos constituintes, ou seja, uma maioria de 103 votos.

Esse quórum é uma das principais travas impostas pelo Acordo pela Paz à Convenção. Com esse “pacto”, o grande empresariado sabia que, inclusive tendo a minoria dos representantes, poderia manter o grosso de seus interesses intactos. Isso é o que vai acontecer agora. Assim, com a necessidade de aprovação por ⅔ e um tempo muito limitado para o debate e votações, toda a pressão é para que os constituintes cheguem a “grandes acordos”.

Qual é o problema dos “amplos acordos” para chegar aos ⅔ e cumprir os prazos? O problema é que os termos desses acordos serão colocados pela aliança FA-PS-PC (Frente Ampla, Partido Socialista, Partido Comunista), ou seja, pelo governo Boric, que está fazendo pactos com o grande empresariado.  O que estamos vendo é a gestação de uma Nova Concertação Social, agora apoiada em uma Convenção Constitucional que foi gerada a partir do protesto popular, mas que tem enormes travas para cumprir um papel histórico de transformação profunda do capitalismo chileno.

Evidentemente nada disso será simples nem fácil, porque existe um enorme descontentamento popular que continua vivo. A grande maioria da população quer mudanças reais na saúde, educação, direitos trabalhistas, acesso à água, etc. As pessoas estão cansadas de promessas e não se conformarão com um novo texto Constitucional e alguns pesos (moeda local, ndt.) a mais.

.É importante que a classe trabalhadora tenha a compreensão do que está acontecendo e do que vai acontecer nos próximos meses.  Na Convenção Constitucional, a tendência é que as negociações entre os partidos políticos e constituintes independentes prevaleçam sobre as demandas populares. A democracia da “Participação Popular” provavelmente será esmagada pela cozinha, como sempre aconteceu no Parlamento, se não mudarmos esse rumo. Por isto, valorizamos enormemente o Manifesto publicado por um grupo de Constituintes para convocar a mobilização social, rejeitar a cozinha dos partidos e pressionar a Convenção para apoiar as demandas populares.

Tradução: Lilian Enck

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