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sexta-feira, março 29, 2024

Marinha chilena: Ao serviço do povo ou da oligarquia? Carta aos marinheiros e às tropas das FFAA

Nas últimas semanas o caso da abordagem do deputado Hugo Gutiérrez (PC) pela Marinha voltou a colocar Gutiérrez e a instituição no centro das discussões.

Por: David Espinosa
O vídeo da fiscalização, provavelmente gravado por um marinheiro, foi rapidamente filtrado e publicado na internet. A declaração oficial da Marinha diz que Hugo Gutiérrez não quis entregar informações sobre onde ia e que a pessoa que o acompanhava não quis apresentar sua documentação. O vídeo mostra Gutiérrez visivelmente irritado e defendendo seu papel como fiscalizador e parlamentar.
O vídeo gerou muita discussão e foi o centro das atenções por alguns dias. Por uma parte, se voltou a manifestar o ódio contra o controle militar, muitos queriam enfrentar as FFAA, mas não são deputados como Gutiérrez. Para outros chamou a atenção a “arrogância” do deputado ao falar com os marinheiros, muitos por estarem já cansados dos privilégios dos parlamentares e de receber maus-tratos das autoridades.
É compreensível que muitos trabalhadores e trabalhadoras se afastem da atitude de Hugo Gutiérrez, já que sabem que a grande maioria dos parlamentares usa suas “prerrogativas” e seu “foro” parlamentar para negociações espúrias, corrupções e privilégios. Um morador da periferia ou trabalhador comum não poderia utilizar o mesmo tom do deputado falando com alguém da Marinha, pois seria rapidamente agredido ou levado a uma delegacia.
Depois da divulgação do vídeo, o deputado se defendeu em várias publicações em redes sociais, desafiando a Marinha a mostrar o vídeo completo, onde ele e sua família haveriam sido intimidados. O fato de que o vídeo tenha sido filtrado rapidamente demonstra que existe interesses, pelo menos de um setor dos militares, em destruir a imagem do deputado, que já vem sendo atacado ferozmente pela direita.
Nós, do Movimento Internacional dos Trabalhadores não confiamos nem um milímetro nas Forças Armadas e conhecemos seus métodos de atuação, suas operações militares e de inteligência em prol de garantir o Estado Burguês. Em outras oportunidades já nos solidarizamos com o deputado Hugo Gutiérrez ao ser atacado, apesar das profundas diferenças que temos com o Partido Comunista, e desta vez fazemos o mesmo.
O caso do deputado Gutiérrez é a ponta do iceberg. Sabemos como atuam as Forças Armadas e Carabineiros nos bairros, como mentem e falsificam, etc. isso não é novidade.
A oficialidade: Corrupção, privilégios e autoritarismo
Nos últimos anos todos vimos os vários casos de corrupção no interior das Forças Armadas e Carabineiros. Vimos como milhões de pesos eram gastos em cassinos, viagens e luxo com dinheiro da Lei Reservada do Cobre e dos cofres públicos, ou seja, dinheiro que é fruto da riqueza produzida pelos trabalhadores e trabalhadoras de todo o país.
Faz poucos dias novamente a Controladoria ordenou a Marinha a devolver aos cofres públicos 1,7 milhões de dólares, de gastos pouco transparentes pela intuição. A maioria dos gastos foram relacionados com viagens e gastos no estrangeiro. Tudo indica que viagens de oficiais com seus familiares à Disney e Punta Cana foram pagos com dinheiro público.
Esses casos de corrupção não são uma novidade. Não é uma novidade que tenha uma casta de militares que provem das famílias mais ricas do país utilizando o dinheiro público para obter privilégios. Os oficiais das Forças Armadas não são oficias por seu grande trabalho em defesa da “pátria” ou por seu mérito próprio. São oficiais porque nasceram em berço de ouro e puderam financiar seus estudos nas escolas de oficiais e porque tem relações estreitas com as famílias mais ricas do país. O filho de um trabalhador que entre nas Forças Armadas não pode chegar a ser oficial, já que essa vaga está reservada para as elites do país.
A cadeia de mando dentro das Forças Armadas reproduz a mesma lógica da sociedade. Nas Forças Armadas, os oficiais são ricos, tem poder e privilégios. Na Sociedade, as famílias mais ricas do país (Luksic, Piñera, Matte, Angelini, Paulmann) e os acionistas das grandes transnacionais são os que têm privilégios, poder, controlam as empresas, os partidos políticos, a justiça, etc. existe uma aliança de classe entre a oficialidade e a burguesia. E onde fica o povo trabalhador? Onde fica a tropa?
Todos os marinheiros e militares são corruptos, privilegiados e autoritários?
Não existem dúvidas que as Forças Armadas estão questionadas pela população. Muitos dos responsáveis pelosos crimes cometidos na ditadura seguem livres ou nunca foram castigados. Na “democracia” também vimos muitos crimes das Forças Armadas, principalmente depois do 18 de outubro, quando tropas do exército e infantes da Marinha foram utilizados para reprimir a população que tem lutado por aposentadorias dignas, por saúde, por melhores salários, etc. A burguesia e a oficialidade utilizam as tropas, os filhos da classe operária, para reprimir a seu próprio povo.
Além do crime e da repressão, cada dia se fortalece uma imagem de que todos os militares e policiais são corruptos. Isso é assim pelos inumeráveis casos de corrupção já citados. Mas esta é a realidade? O roubo de milhões de dólares para fazer viagens ao estrangeiro é uma prática de toda a Marinha ou do Exército?
Evidentemente que não. Os mais corruptos e privilegiados são os oficiais. Eles são os que lidam com o dinheiro, eles são os que conhecem todo o sistema administrativo das instituições para emitir recibos falsos, evitar mecanismos de transparência, fiscalizações, etc. eles são os que têm estreita relação com as instituições públicas e políticos para que não os fiscalizem. Para seu azar, nos últimos anos alguns militares e personagens públicos decidiram denunciar e investigar os casos.
A maioria da tropa das Forças Armadas não tem a mesma conduta que seus superiores. Muitos veem sua entrada nas Forças Armadas como uma possibilidade de ter um trabalho estável, um salário que os permita sobreviver e algum reconhecimento social (cada dia menor). Muitos marinheiros e soldados são obrigados inclusive a trabalhar em outros lugares para complementar seu salário – como seguranças privados em boates, etc. sabemos também que entre as tropas têm muitos que não estão contentes de ter que reprimir o povo trabalhador. O maior exemplo foi David Veloso, o valente recruta que se negou ir a Santiago para reprimir as manifestações.
A tropa das FFAA deve começar a se organizar
Novamente volta a se inserir a ideia de um golpe militar ou um autogolpe. Piñera o anunciou de forma indireta em seu discurso quando anunciou o Pacto pela Paz e a Justiça e também recentemente na Conta Pública. A burguesia chilena, junto com os EUA e a oficialidade tem uma longa tradição de organizar golpes militares e massacrar o povo quando começam a perder seu poder.
As famílias mais ricas deste país e seus governos (não somente Piñera, todos os governos anteriores também foram controlados pelos ricos) não querem satisfazer nenhuma das reivindicações do povo. Com muita luta, barricadas, enfrentamentos, conseguimos recuperar 10% de nossos Fundos de Pensões… os outros 90% seguem em suas mãos.
O povo trabalhador já não quer esperar. Estamos cansados. Vamos seguir lutando para recuperar tudo.
Sabemos que a tropa do Exército, da Força Aérea e da Marinha, inclusive milhares de Carabineiros têm muito o que dizer e não compartilham do que faz a oficialidade. Sabemos que vocês têm muito o que dizer sobre o que está acontecendo no país e muitas propostas para reformar as Forças Armadas.
Nós do MIT defendemos muitas das reivindicações que sabemos que vocês discutem diariamente. Acreditamos que é fundamental acabar com todos os abusos e privilégios dos oficiais no interior das Forças Armadas, permitir a organização e deliberação da tropa, melhorar as condições de trabalho, acabar com as escolas de oficias e criar um único escalão, castigar a todos os corruptos e responsáveis por assassinatos, violações e mutilações contra o povo.
É necessário que a tropa e a sub oficialidade possa participar e ter candidatos no processo Constituinte sem que sejam castigados pelos oficiais ou pelo Estado. Tudo isso somente pode ser conquistado se vocês se organizem e começarem a se relacionar com as organizações do povo trabalhador.
Os marinheiros e o povo
Da barricada popular, dizemos: o verdadeiro aliado das tropas é a classe trabalhadora. Somos nós, seus irmãos, pais, mães, sobrinhos, filhos e filhas, os que estão lutando por um país melhor, sem desigualdade, sem exploração, sem opressão. Devem deixar de reprimir a classe da qual provem.
Defendemos nossos direitos a autodefesa. Não seguiremos pacificamente aguentando que nos arranquem os olhos, nos assassinem e torturem. Sabemos que muitos militares e policiais não têm acordo com a violência do Estado, mas seguem cumprindo as ordens de seus superiores.
Queremos dizer claramente: organizem-se! Ainda que seja clandestinamente. Conversem com o povo, estudem, informem-se! Não permitam novos massacres contra a população, não permitam novos golpes militares!
Recuperem o exemplo dos marinheiros e demais militares que se organizaram contra o golpe militar de 73. Recuperam o caminho dos que fizeram a rebelião da Esquadra de 1931, os bandejaços dos anos 60 e 70.
Da barricada operária e popular, dissemos: se vocês passam para o nosso lado, poderemos lutar para construir um país melhor. Essa mesma exigência do fim da corrupção e o direito a deliberação total, não poderão ser garantidas unicamente através de projetos de lei e a confiança no parlamento, um parlamento financiado e controlado por grandes empresários, os mesmos empresários que se colocam lado a lado com a oficialidade e com isso organizam uma FFAA ao serviço de defender seus privilégios colocando vocês, a tropa, contra suas famílias e contra a classe da qual provêm. O povo trabalhador chileno já entendeu grande parte do papel do parlamento e as instituições, por isso sabemos que somente a luta muda a vida. Se vocês se unem com a gente contra todos os de cima, podemos avançar na luta para construir um país onde toda a riqueza produzida pelos trabalhadores não termine nas mãos de umas poucas famílias, um país onde não tenha mais privilégios, onde o dinheiro do cobre seja utilizado para financiar a saúde, a educação, onde as aposentadorias de nossos velhos não sejam sequestradas pelos milionários.
Com a palavra: A tropa.
Tradução: Túlio Rocha

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