seg mar 18, 2024
segunda-feira, março 18, 2024

Palestina: A arma da fome no genocídio em Gaza

Por Soraya Misleh

Empurrada para fora de suas terras, sem hospitais e medicamentos, com suas casas destruídas, sem alimentos, água, energia elétrica e enfrentando balas e bombardeios sionistas até mesmo quando tenta chegar a um punhado de comida. Esta é a trágica realidade da população palestina na estreita faixa de Gaza, que vive um genocídio por parte do Estado terrorista de Israel há cerca de cinco meses.

Massacre

O “massacre da farinha”, neste 29 de fevereiro, que escandalizou o mundo é parte do uso sionista da arma da fome para avançar em seu projeto genocida e de limpeza étnica. No norte de Gaza, palestinos famintos cercaram um dos poucos comboios humanitários e foram alvejados. Mais de 100 homens, mulheres e crianças perderam a vida e cerca de mil ficaram feridos. Seu crime foi tentar não sucumbir à fome.

Em sua decisão, no dia 26 de janeiro último, de que é plausível a ação da África do Sul contra Israel pelo crime de genocídio, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) apresentou como uma das medidas a garantia do acesso à ajuda humanitária. Não obstante, esta diminuiu ainda mais na sequência dessa ordem. Israel, um Estado fora-da-lei, obviamente, continua ignorando solenemente todas as determinações do tribunal.

Bloqueio sionista

Quinze mil toneladas de alimentos encontram-se paradas na fronteira egípcia, com colonos sionistas servindo como linha de frente para impedir a entrada humanitária. Chegaram a fazer “raves” para passar o tempo, enquanto matavam milhares de fome.

O que chegou nos últimos dias foram 400 sacos de farinha, algo como uma sacola para cada mil ou mais pessoas. O desespero dos palestinos em acessar essas migalhas foi a oportunidade para as forças de ocupação israelenses cometerem um novo massacre, como parte do genocídio.

Massacre e fome

Morte por não ter o que comer

Todo o setor que permitia a autossustentação, em meio ao criminoso bloqueio sionista por 17 anos da estreita faixa, da pesca aos hortifrutis e pães, foi destruído nos últimos cinco meses. Grama e forragem animal passaram a ser as únicas possibilidades no cardápio. Para matar a sede, água contaminada e salgada.

Como nos campos de concentração

As imagens são terríveis. Crianças esqueléticas que lembram as cenas registradas em campos de concentração durante a Alemanha nazista evidenciam uma realidade que a humanidade jamais deveria aceitar que se repetisse. “Nunca mais para todo mundo”, como enfatizam milhares de judeus antissionistas nas ruas dos Estados Unidos, da Europa, do Brasil.

Entre as mais de 13 mil assassinadas no genocídio, 16 crianças morreram de fome nos últimos dias em Gaza, segundo documentou a Agência Anadolu. Entre eles, Yazan al-Kafarneh, de apenas dez anos de idade, que pereceu na última segunda-feira, 4 de março, após dez dias internado no Hospital Kamal Adwan, no norte da estreita faixa.

Somam-se, ainda, na macabra lista, bebês como Mennatallah Abu Amerah (seis meses), Sahar al-Zebdaa (40 dias), Khaled Ahmed Hijazi (dois anos e meio), Mohammed al-Zaygh (45 dias), Mahmoud Ghaben (um ano), Ibrahim al-Batesh (três anos), Anwar al-Khoudary (nove meses), entre outros. Não são números, são vidas.

Catástrofe

E milhares de outras estão em risco. Conforme a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), os níveis de insegurança alimentar são catastróficos para a totalidade da população de Gaza – cerca de 2,4 milhões de palestinos, sendo 40% crianças.

Uma a cada seis crianças enfrenta quadro agudo de desnutrição. Vale lembrar que a realidade na estreita faixa já era de dramática crise humanitária, em meio ao criminoso bloqueio sionista imposto nos últimos 17 anos, além dos bombardeios massivos e a conta-gotas. Em 2015, a ONU chegou a declarar que Gaza se tornaria inabitável em cinco anos. O genocídio por parte de Israel aprofunda esse fosso a níveis alarmantes.

Soldados do Estado de Israel detem civis palestinos

Migalhas para Gaza, armas pra Israel

Ação midiática para encobrir mãos manchadas de sangue

As imagens do “massacre da farinha” aceleram o isolamento internacional por parte do Estado sionista. Numa tentativa de conter danos, Estados cúmplices começaram a despejar, por ar, migalhas aos palestinos. Caso do Egito, que jogou 60 toneladas. O Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas despejou, neste 5 de março, com a ajuda da Jordânia, o suficiente para alimentar 20 mil pessoas (seis toneladas).

Mais recentemente, a Jordânia já havia feito isso outras vezes. Numa delas, juntamente com a França, os aviões jogaram a ajuda humanitária no mar. As vidas palestinas aparentemente não valeram sequer ligar o GPS. O povo faminto tentava resgatar os alimentos nadando e buscava matar a fome com o que conseguiu, mesmo encharcado de água do mar.

Os próprios Estados Unidos começaram a despejar alguma ajuda por via aérea, enquanto seguem fornecendo suas armas assassinas ao Estado de Israel. Uma ação midiática para tentar encobrir suas mãos manchadas de sangue, que expõem suas entranhas. Mas o povo palestino não esquece e não se engana. Caiu definitivamente a máscara dos inimigos da causa palestina, apontados pelo revolucionário palestino Ghasan Kanafani.

A decadência do imperialismo, cuja crise se agudiza, avança. Manter o apoio está se tornando insustentável, graças à heroica resistência palestina, que tem pautado gigantesca solidariedade internacional.

A causa palestina, símbolo das lutas contra a opressão e exploração em todo o mundo, tem colocado em xeque toda a cumplicidade histórica, que possibilitou a Israel se sentir à vontade para buscar sua “solução final”.

Genocidas

Governo Lula precisa romper acordos com Israel

É nesse marco que Lula tem aumentado o tom em relação ao morticínio promovido por Israel. Em entrevista na Etiópia, no dia 18 de fevereiro último, durante sua participação na 4ª Cúpula da União Africana, ele observou que o que ocorre em Gaza não é guerra, mas genocídio: “O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu. Quando Hitler resolveu matar os judeus.”

A agressão e humilhação que se seguiram, por parte das lideranças do Estado de Israel e suas entidades no Brasil – acompanhadas, vergonhosamente, pelo coro do oligopólio midiático e por bolsonaristas –, foram tamanhas que forçaram Lula a convocar o embaixador do Brasil em Tel Aviv a retornar para consultas.

Após a declaração de Lula na Etiópia, o Estado racista e colonial de Israel partiu em tal grau para suas ofensas a ponto de declarar Lula “persona non grata” e dizer que ele “envergonha o Brasil”. Lula não voltou atrás em sua declaração, o que arrancou do silêncio artistas, intelectuais e parlamentares. Artistas como Caetano Veloso e Chico Buarque manifestaram seu apoio aos palestinos.

Agora, para ser coerente, Lula precisa romper definitivamente relações econômicas, militares e diplomáticas com o Estado racista de Israel e expulsar o embaixador sionista do Brasil – como reivindicam milhares de vozes que se levantam em solidariedade internacional. Meses antes, este embaixador já havia protagonizado a afronta de ingressar no Parlamento acompanhado do colega genocida Bolsonaro e se reunir com seus asseclas no Congresso Nacional.

Acordos militares

Até o momento, o Brasil anunciou a pretensão de suspender os acordos militares (não romper; ou seja, retomaria as relações com o Estado colonial e de apartheid perante um cessar fogo). É urgente ir além, pondo fim à vergonhosa marca adquirida nos últimos 14 anos de quinto maior importador de tecnologia militar sionista. Isso, vale reiterar, é ser coerente com o reconhecimento do genocídio.

Dívida

O Brasil tem uma dívida histórica com o povo palestino. O diplomata brasileiro Osvaldo Aranha, racista e eugenista de carteirinha, presidiu a sessão especial da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 29 de novembro de 1947, que recomendou a Partilha da Palestina, em um Estado judeu e um árabe, delegando ao projeto colonial sionista mais da metade daquelas terras. Um sinal verde para a limpeza étnica que culminou na Nakba (catástrofe palestina cuja pedra fundamental é a formação do Estado racista de Israel em 15 de maio de 1948).

A orientação era que o Brasil votasse favorável, preservando sua aliança com o imperialismo emergente dos Estados Unidos. E foi o que fez. Essa cumplicidade, à exceção de um breve recrudescimento, jamais cessou. Romper acordos e relações é finalmente começar a liquidar essa dívida histórica, atendendo à campanha central de solidariedade internacional ao povo palestino, o Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS).

Resistência

Além da demora nessa ação, equívoco é tentar se justificar alegando referência somente ao governo Netanyahu – como se não tivesse a ver com um projeto colonial e racista de Estado. Ainda, anteceder sempre a defesa de que se trata de genocídio com argumento bastante deseducativo: a confusão de que ação da resistência legítima seria terrorismo.

Isso tem sido repetido por muitos apoiadores da declaração de Lula que quase pedem desculpas por dizer o óbvio – a despeito de as diversas fake news sionistas sobre o 7 de outubro já terem sido devidamente desmentidas. É necessário rechaçar a ideologia que segue equiparando resistência a terrorismo.

Israel e os crimes contra a humanidade

30 mil palestinos foram assassinados desde outubro

O “massacre da farinha” foi um novo escândalo numa lista interminável de crimes contra a humanidade, que seguem acontecendo. Entre eles, o bombardeio do Hospital Al Ahli, em 17 de outubro de 2023, e de dezenas de outros.

Apenas 12 dos 36 hospitais em Gaza estão parcialmente em operação, para atender milhares de vítimas, mulheres grávidas e doentes em geral. São 50 mil gestantes à espera da sua vez de dar à luz nessas condições. Cento e oitenta têm trazido seus bebês ao mundo diariamente e, quando precisam de cesariana, estas ocorrem sem anestesia.

O mesmo ocorre com milhares de amputados em função das bombas genocidas de Israel, muitos dos quais são crianças. Não há medicamentos, insumos, energia, combustível. Falta tudo. Setenta e cinco mil feridos graves enfrentam a dor nessas condições deploráveis. A morte está à espreita para toda a população palestina na estreita faixa.

Uma nova fase da contínua Nakba se desenrola aos olhos do mundo, com requintes de crueldade inerentes a esse projeto que se constitui um crime contra a humanidade. Apenas nos últimos cinco meses, já são mais de 30 mil palestinos assassinados, sem contar os milhares de desaparecidos sob os escombros.

Mas não serão apagados do mapa, como mostra a resistência heroica há mais de 75 anos. E quem não se colocar, agora, efetiva e concretamente, do lado certo da História haverá de responder lá na frente.

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