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terça-feira, março 19, 2024

Bélgica: das eleições às ruas…

As eleições terminaram e os novos burgomestres foram nomeados, mas isto não foi o que acalmou o episódio que seguiria, à espera do 26 de maio de 2019. Contra toda expectativa, estas últimas semanas, o descontentamento tomou as ruas. E a odiosa política xenófoba instalada no governo fez vacilar um pouco a “estabilidade” tão esperada pelos patrões.

Por: LCT Bélgica

As eleições comunais mostraram – de forma deformada, como em todas as eleições dentro desta “democracia” – um certo rechaço à política do governo federal e a vontade de mudança em uma parte importante da população. De fato, o PS continua sendo o primeiro partido em Valônia, apesar de todos os escândalos de corrupção, controlando cidades e comunas muito importantes, com bons resultados em Bruxelas.

Écolo (partido político ecologista da região francófona da Bélgica) tem êxito em quatro comunas de Bruxelas e como Groen  (partido político ecologista da região flamenga da Bélgica) faz parte das grandes maiorias no sul e no norte do país. Igualmente, os bons resultados de listagens cidadãs e outras independentes em algumas comunas.

Entretanto, o Vlaams Belang (partido político de direita ou extrema-direita de Flandres, região flamenga da Bélgica) se coloca à frente da cena em numerosas comunas em Flandres, e a N-VA (Nova Aliança Flamenga), De Wever (seu líder) progride, ficando como o mestre do jogo na Antuérpia. A distribuição do poder fica estável, atrativa e bem entre as mãos dos partidos da patronal.

Apesar da confiança que os trabalhadores depositaram nos partidos de “esquerda” com seu voto, não é esta alternativa a que irá mudar a situação do povo. Um dia depois das eleições, o trabalho entre bastidores continua para garantir as reformas exigidas pelas patronais, a privatização dos serviços públicos, a redução dos encargos patronais, a reforma das aposentadorias, etc.

Bannon ou Marrakech

É verdade que o Pacto migratório da ONU foi a oportunidade para a N-VA colocar um pé no formigueiro. Há alguns anos, o imperialismo tem confrontado o desafio do fluxo sem precedentes das migrações causadas por suas guerras devastadoras, e em 19 de setembro de 2016, a Assembleia Geral da ONU adotou por unanimidade uma Declaração de Nova York para os refugiados e os migrantes. O presidente da Assembleia, Miroslav Lajčák, afirmava então, cinicamente, que se tratava “de obter as vantagens da migração e mitigar os riscos”. 1

Em 2 de dezembro de 2017, depois de ter perdido a maioria na Câmara, durante as eleições da vice-presidência, Trump decide retirar o apoio dos Estados Unidos a esta iniciativa, mas finalmente, em 13 de julho de 2018, os demais 192 Estados, onde está a Bélgica, mediante a voz de seu Primeiro Ministro, chegam a um acordo sobre um “Pacto mundial para migrações seguras, ordenadas e regulares”, depois concordam em uma reunião em Marrakech nos dias 10 e 11 de dezembro para adotar o texto.

Não obstante, nos últimos meses, a extrema direita se organiza em um anti Marrakech, sob a direção de Steve Bannon, com alguns pequenos êxitos: a retirada de vários países da Europa. Por sua parte, Bolsonaro esperou somente sua posse para retirar também o Brasil do acordo de Marrakech.

Em 8 de dezembro sábado passado, o Vlaams Belang, extasiado com seu êxito eleitoral, acolheu nos salões do Parlamento Flamengo uma reunião anti-imigração desta extrema direita internacional, com a presença de Bannon, Marine Le Pen. 2 E uma manifestação contra Marrakech foi anunciada via redes sociais, em 16 de dezembro, a dois passos do Parque Maximiliano. No mesmo sábado 8, a N-VA retira seus ministros do Governo, depois de uma semana de dupla disputa bastante mediatizada com seus antigos sócios suecos, doravante estigmatizados do “governo Marrakech” em vista das eleições de maio de 2019, onde ela quer reconquistar um eleitorado voltado para o Vlaams Belang.

 “O poder de compra, a segurança, o clima”

Michel (Charles Michel, Primeiro Ministro belga) não tem problema em substituir os ministros desertores. Em particular, Maggie De Block pode perfeitamente substituir Theo Francken na qualidade de Secretário de Estado de Asilo e Migração. Na quinta-feira passada, Reynders (Didier Reynders, ex Vice Primeiro Ministro) já havia manifestado que a política migratória definida no acordo de Governo De Block na gestão passada, “não é muito diferente do que fazia Maggie De Block no passado de governo”.3

E os antigos acionistas se acomodam para salvar os móveis: um governo de “assuntos regulares”, até as eleições de 26 de maio de 2019, nas quais cada um será livre para preparar-se à sua maneira. “Os assuntos regulares? Oh vocês sabem, na Bélgica temos o hábito, é quase uma tradição. (…) É um conceito sobre o qual não podemos legislar. Podemos então, durante este período fazer todo o necessário.” 4 Sem problemas para que a Bélgica assine em Marrakech. Em outros tempos, Reynders ponderava “de fazer votar 15 milhões de euros de garantia para ajudar a Grécia (durante) os dois terços de 2010 em assuntos regulares”.5 O tratado de Maastricht foi assinado em 1992 por Mark Eyskens e Philippe Maytadt, e o tratado de Lisboa em 2007 por parte de Guy Verhofstadt, todos ministros de assuntos regulares. Um pouco justificados.

No domingo, o primeiro Conselho de ministros em assuntos regulares anunciava as prioridades do governo sob belas palavras de “poder de compra, segurança, e clima” marcando assim a continuidade. O show de sábado ao redor de “Marrakech” escondeu ante a mídia, que no mesmo dia, mil Coletes Amarelos, desejosos de recuperar um poder de compra em baixa, após o oportunismo dos patrões, foram confinados em uma emboscada, seguido da captura da metade deles. Na terça feira seguinte, a Bélgica defendeu as posições elitistas de Trump na Conferencia sobre o clima na Polônia, contra a opinião de 70 000 belgas que desciam às ruas de Bruxelas dois dias antes para defender um planeta a serviço de toda a humanidade.

E depois de ter fechado a porta na cara, a N-VA já havia assegurado que votará “todas as decisões que tiveram como objeto o acordo político antes da queda do governo”.6 Poderemos discutir se o “governo de Marrakech” é o mesmo de antes com outros ministros, ou se é diferente. Isto faz parte da campanha para maio de 2019, e tudo isto é tão imprevisível como os tweets de Trump. Mas De Wever sabe que há pão na mesa para os Jobs Deal (regressão, subsídio de desemprego, salários pela produtividade, etc) as pensões e outras necessidades, e ele confirmou na segunda 10: “Estes bons pontos, queremos aprová-los. Absolutamente, quero eleições antecipadas”.7

Nesta luta de classes, os trabalhadores não param de defender-se

A Frente sindical comum prevê uma concentração em frente à sede da FEB (Federação de Empresas Belgas) para sexta 14, às 11 horas. Entretanto, Robert Verteneuil (Presidente da FGTB- Federação Geral do Trabalho da Bélgica) teme que “as greves sejam em muitas empresas”. Quanto à FEB, Pieter Timmermans (CEO da FEB) está “tranquilo pelo fato de que haja um governo” (…) O “Jobs deal”(contrato de trabalho), a energia, o orçamento de mobilidade e outros, encontram-se a alguns metros da chegada, portanto, verdadeiramente espero que o Parlamento possa votar essas reformas”.

Os Coletes Amarelos constituem uma confirmação de que os temores de Verteneuil são justificados. O copo de água está cheio. Uma raiva cresce na população, principalmente entre os setores mais precarizados, trabalhadores que não podem pagar o aluguel, a calefação, os medicamentos, nem comer corretamente, enquanto os parlamentares abusam de suas indenizações de milhares de euros para ocupar posto na “representação do povo” com remuneração exorbitante.

Ao longo destes quatro anos de Governo de Michel, os trabalhadores não pararam de se mobilizar, de tomar as ruas, de ir à greve para defender-se contra a luta feroz da classe patronal para fazer-lhes pagar o peso da crise. As grandes lutas desde antes da colocada em cena do Governo de Michel, com greve geral, foram cuidadosamente desviadas pelas direções sindicais para manifestações, sobretudo simbólicas.

A reforma para as aposentadorias ilustra muito bem a situação. As discussões em grande medida aceitaram rapidamente o principio próprio de que se deve trabalhar alguns anos a mais, limitando a discussão a uma lista de trabalhos pesados. Nenhum plano de luta consequente se pôs em marcha, e depois dos discursos incendiários, estas direções se limitavam à espera de “um sinal positivo por parte da patronal” o que significa somente assegurar sua presença nos diferentes órgãos de concertação, como o Grupo dos Dez (G 10), para negociar com os patrões a portas fechadas. Não obstante, os trabalhadores voltaram à carga. A recente greve de bpost demonstrou que os trabalhadores podem obter resultados quando eles superam a desmobilização de uma burocracia sindical. E Ryanair, Deliveroo, Aviapartners evidenciaram que a luta ultrapassa as fronteiras da Bélgica.

Devemos exigir das direções sindicais o apoio para os Coletes Amarelos, de participar nas ações, de defendê-las contra a repressão do governo patronal. E com eles, avançar para mudar, não uma equipe na Rua de la Loi, mas este sistema que explora a imensa maioria com somente um click dos acionistas e chefes de empresa toscamente remunerados.

Todos juntos, contra este sistema, pelos trabalhadores, pelo socialismo!

1 RTBF, 19.12.2018 à 17h07
2 Agence Belga , 07.12.2018
3 Didier Reynders, Le Soir 6.12.2018
4 Yves Leterme, Le Soir 13/01/2011
5 Le Soir 22/01/2011
6 Jan Jambon – Le Soir 10.12.2018
7 L’Avenir, 10.12.2018

Tradução do espanhol ao português: Lilian Enck

 

 

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