ter mar 19, 2024
terça-feira, março 19, 2024

China e Coronavírus: O mundo não será o mesmo!

A China encerrou a primeira onda de contágio. Discute-se agora se e quando ocorrerá a segunda onda. Ao mesmo tempo em que os EUA se tornaram o epicentro da pandemia, seguem as trocas de acusações entre os dois países. Trataremos da China não apenas por ter sido o primeiro país infectado e por estar adiantado na dinâmica da pandemia, mas também porque há uma verdadeira propaganda tanto em defesa do governo chinês quanto contra. Mas sabem o que unifica grande parte da imprensa, alguns da esquerda como os stalinistas, e setores diversos da direita? A ideia equivocada de que a China é um país de alguma forma socialista.

Por: Júlio Anselmo
Diante disso, entender o próprio processo da pandemia na China nos ajuda a encarar os desafios políticos que a nova realidade impõe aos trabalhadores no mundo. Para isso, somos obrigados a desfazer diversos mitos impulsionados pelos stalinistas e pelos distintos setores da burguesia.
1) A suposta eficácia chinesa no combate à pandemia
O povo chinês não é responsável pelo surgimento do vírus. Muito menos se trata de um plano chinês para dominar o mundo, como diz a ultradireita. Trump, Eduardo Bolsonaro e outros, fazem uma campanha xenofóbica, racista e preconceituosa contra a China para esconder seus próprios erros. Entretanto, ao mesmo tempo que denunciamos esta campanha reacionária, não podemos de maneira nenhuma eximir das responsabilidades o governo chinês.
Principalmente, no surgimento do vírus, houve demora em aplicar as medidas necessárias para controlar o contágio. Não foi dada a devida importância aos estragos que poderiam causar e também se esconderam informações. Estes erros custaram pelo menos mais de 3 mil mortes, e chegou a mais de 80 mil infectados na China.
O país mais populoso do mundo conseguiu conter a primeira onda do surto em suas fronteiras. A partir daí, abre-se mundialmente uma discussão sobre a suposta eficiência da China no combate à pandemia. Podem nos objetar que, independentemente do que digamos, a China superou a pandemia e que as medidas tomadas se mostraram eficazes. Muitos especialistas pelo mundo, por conta disso, fazem um elogio geral ao governo chinês. A OMS comemora: “De muitas formas, a China está definindo um novo padrão de resposta a surtos”.
A questão é que muitos igualam a suposta eficiência com as medidas autoritárias e ditatoriais, já que este é um traço específico do capitalismo na China. Ao passo que, inclusive, já há uma discussão se será importado pelos outros países, ou seja, uma exportação do autoritarismo e bonapartismo chinês, encontrando fora da China aonde se apoiar, basta vermos no crescimento da ultradireita reacionária e ditatorial em vários lugares.
A pergunta é: os ataques à liberdade de expressão são necessários para combater eficazmente o contágio? As medidas extremas de controle social também? A repressão, atrasos nos dados e na percepção da crise ajudaram o caso chinês? Um triplo não! Ou a eficiência nas Filipinas foi maior ainda porque o governo liberou atirar em quem violasse a quarentena?
A preocupação do governo não era com as condições de vida dos trabalhadores. Quando perceberam que o custo de um número altíssimo de mortes seria pior e afetaria mais os lucros dos capitalistas, mudou-se de postura. Como todos os países capitalistas do mundo, calcularam o que daria menos prejuízo: salvar as vidas ou parar a economia?  Esta característica é fruto de como as coisas funcionam no sistema capitalista, é um traço geral de todos os países hoje.
É verdade que a China foi o primeiro país a se deparar com o vírus, o que cria dificuldades pelo pioneirismo de ter que enfrentar um vírus novo que provoca uma doença nova. Mas, a China não precisava ter sido pega desprevenida. Bastava o governo ouvir a previsão, e elas ocorreram, dos especialistas chineses.
Também é verdade que,, comparado aos negacionistas como Trump e Bolsonaro, a China até que foi rápida. Mas comparada a outros países capitalistas pode ser considerada mais lenta. Não se trata apenas da velocidade. Mas sim o fato de que a China tenha corrigido seu rumo após os erros dos primeiros meses, que seja mais ou menos eficiente depois, não sirva para esconder todos os fundamentos que geraram e permitiram uma crise sanitária da proporção que tomou.

Cidade de Wuhan, primeiro epicentro da pandemia

A China se inclui no rol dos países capitalistas que são responsáveis pela pandemia no sentido de que vivem de uma exploração predatória da natureza, que destrói o meio ambiente e aumenta a probabilidade de aparecimento de patógenos que antes estariam em seus repositórios naturais. Aqui não há relação com as práticas milenares culturais da china, mas sim com uma forma social de produção.
Nas palavras de Xi Jinping: “A eficácia do trabalho de prevenção e controle demonstrou mais uma vez as vantagens significativas da liderança do Partido Comunista da China e do sistema socialista com características chinesas”. O presidente da China esquece-se de três coisas. Primeiro, os erros e a responsabilidade do governo na pandemia e que é possível que haja uma segunda onda de contágio no país com uma envergadura pior. Segundo, que a liderança a qual se refere é na verdade uma ditadura com censura e ataques às liberdades democráticas. Terceiro, que o socialismo de características chinesas significa na verdade capitalismo com uma feroz ditadura sob controle do Partido Comunista da China.
2) As responsabilidades do governo chinês na pandemia
Percorreremos o próprio processo da pandemia na China, para por fatos e dados mostrar a responsabilidade da ditadura capitalista chinesa na pandemia.
A falta de transparência das informações
O primeiro caso documentado da doença foi em 17 de novembro. No entanto, só um mês depois foi confirmado pelo governo a existência de uma “pneumonia de origem desconhecida”. Em 31 de dezembro, o Comitê municipal de saúde de Wuhan, anunciou 27 pacientes infectados. Houve a demora na constatação da transmissão entre humanos. Apenas em 20 de janeiro quando Zhong Nanshan, que comanda a Comissão Nacional de Saúde da China, fez a primeira confirmação de contágio entre humanos, na China Central Television (CCTV).
O próprio prefeito de Wuahn, Zhou Xiangwang, na TV estatal chinesa, admitiu ter escondido informações sobre o surto e ofereceu sua renúncia. Isso aconteceu, segundo ele, porque a legislação chinesa proíbe a divulgação de tais dados sem autorização do governo central. E o Conselho de Estado só tomou sua decisão no dia 20 de janeiro. “Todo mundo envolvido na nossa epidemia está insatisfeito com o compartilhamento de informações”, disse.
A demora em tomar medidas
A letargia dos burocratas chineses é comparável ao ritmo moroso que a OMS alertou o mundo. Não à toa, Xu Chen, embaixador chinês na ONU, afirma que “a OMS tem plena confiança na China”. E demonstra a demora da China em adotar as medidas extremas necessárias quando, já em plena epidemia, no dia 31 de janeiro (quando já havia 259 mortos) afirmou: “Não é necessário entrar em pânico inutilmente, nem tomar medidas excessivas”,
Não é coincidência que vários dirigentes, como o prefeito de Wuhan, foram demitidos. A confissão é do próprio Ma Guoqiang, secretário do Partido de Wuhan que também foi demitido: “Sinto-me triste e culpado agora. Se tivéssemos tomado medidas antes, os controles teriam sido melhores e a influência teria sido menor em todo o país. ”. A tristeza dele não é nada diante do sofrimento do povo e dos trabalhadores chineses.
Médico tenta alertar e sofre repressão
Na verdade, a coisa piora ainda mais! O governo literalmente reprimiu quem tentasse alertar sobre a situação. O caso do médico Li Wenliang é emblemático no que diz respeito ao papel que cumpriu o aparato estatal. No dia 30 de dezembro, o médico avisou amigos sobre a nova doença ao se defrontar com ela no hospital onde trabalhava. A mensagem disseminou-se. Foi repreendido pela polícia que o acusou de divulgar boatos. Foi liberado após assinar uma declaração, na qual admitia seu erro e se comprometia em não reincidir. Lembremos que a pena poderia ser de até 7 anos de prisão. Em 7 de fevereiro, morreu de coronavírus contraído enquanto tratava pacientes.
Homenagem ao médicoLi Wenliang

Sua morte e história foram o estopim para um grande descontentamento nas redes sociais, o que acabou pressionando o regime, em especial a cúpula estatal. Assim, como resposta, o governo foi obrigado a fazer uma mea-culpa. Reabilitaram Li Wenliang, condecorando-o depois de morto. Este caso, diante da repercussão que teve e como forma de acalmar os ânimos do povo, culminou na demissão de vários funcionários e dirigentes de Wuhan , capital de Hubei.
A corrupção na Cruz Vermelha
Diante da situação caótica enfrentada pelo sistema de saúde em Wuhan e também sob riscos de desabastecimento na quarentena, a solidariedade percorreu a China e muitas doações chegaram a Wuhan, capital de Hubei, epicentro da pandemia.
De acordo com a rede de TV estatal CGTN, foram recebidos mais 3100 yuans (401 milhões de euros) em dinheiro, mais 9 mil caixas de máscara, 7 mil vestuários de proteção e 80 mil óculos de segurança. Mas a Cruz Vermelha de Hubei diz ter apenas 36 mil máscaras. Metade delas foi parar em um hospital particular especializado em fertilidade e cirurgia plástica, enquanto apenas 3 mil foram para um centro médico de Wuhan, segundo a própria CGTN.
Tal descalabro levou a que Zhang Qin, dirigente do Partido Comunista Chinês (PCCh) e chefe da Cruz Vermelha de Hubei, fosse demitido, repreendido e punido com uma sanção administrativa. Esta não é a primeira vez que a Cruz vermelha da China enfrenta esse tipo de problema. Em 2008, também foi acusada de desvio de doações depois do terremoto de Sichuan com mais de 90 mil mortos e desaparecidos.
As demissões feitas pelo governo não o inocentam
No regime politico chinês só existe um partido único. A direção nacional do Partido Comunista Chinês (PCCh) tem quase sempre o mesmo modo de agir diante de escândalos. Para preservar a sua imagem, entregam-se os anéis, para manterem-se os dedos. Ou seja, demitem os funcionários e dirigentes de cargos locais ou inferiores, para continuar intactos os cargos superiores.
Estas medidas são reivindicadas por algumas organizações de esquerda. Afirmam que seria a comprovação de que, embora haja muitos problemas no regime chinês, a direção do PCCh sempre atua para resolvê-los. Tomam por exemplo o caso do médico Li Wenliang como caso isolado e como exemplo de com o regime político chinês combate seus próprios erros.
Claro, isso poderia ser verdade se acontecesse uma ou outra vez. O problema é que é uma constante.  Só durante esta pandemia, como relatamos acima, foram muitos casos. Mas, em outra epidemia, o governo teve a mesma postura. Referimo-nos ao surto de SARS em 2003, que resultou na morte de 800 pessoas. Há 17 anos o governo também demorou a agir, novamente escondeu informações e quando tudo veio à tona, apenas demitiu os responsáveis dos cargos locais como o prefeito de Pequim.
Pela reincidência dos casos e sua profundidade, percebe-se que, na realidade, é uma política de escamoteamento das responsabilidades da direção nacional do PCCh. Não se trata de um problema apenas das pessoas que ocupam os cargos baixos. Mas sim de toda a estrutura de governo, de poder, que é opressora, corrompida, ineficiente e autoritária.
As demissões significam inclusive uma demonstração cabal do que é a ditadura, afinal se demite e se remove ao gosto da burocracia central, mas o povo chinês não é convidado a dar nenhuma opinião e nem tem nenhum controle sobre as suas lideranças políticas, que na prática lhes são impostas..
Censura na internet e os ataques à liberdade de expressão
Durante este período, foram aprofundadas várias medidas repressoras, de ataques à liberdade de expressão. Entrou em vigor no dia primeiro de março, um regulamento da Administração do Ciberespaço da China no qual reafirmam e endurecem a censura na Internet.
O objetivo é advertir, punir e censurar sites, contas, plataformas ou qualquer coisa ou pessoa que divulgasse algo não aprovado. Os responsáveis podem até sofrer uma ação legal. A lista do que é considerado inaceitável é bem ampla e inclui conteúdos que “prejudiquem honra e interesses nacionais”, “espalhem boatos, interrompendo a ordem econômica e social”, “comentários inapropriados sobre recursos naturais, desastres e acidentes graves”.
De acordo com o South China Morning Post, o regulamento foi saudado, pelo “Diário do Povo” (Jornal do PCCh), como um “bom começo para o gerenciamento chinês da internet” e que assim poderiam “erradicar as ervas daninhas do ciberespaço“.
A China já possui vários sites restritos como Google, Facebook, etc, e há ainda exclusão de postagens nas redes sociais, assim como o monitoramento e fechamento de grupos no WeChat, um dos aplicativos mais populares de troca de mensagens daquele país.
De acordo com um estudo da universidade de Toronto, cerca de 516 combinações de palavras-chaves relacionados com o coronavírus foram censuradas no WeChat, sem contar os conteúdos políticos. São combinações neutras, não necessariamente políticas, o que demonstram o absurdo ainda maior. Por exemplo, nos testes realizados entre 1º de janeiro e 15 de fevereiro as palavras “pneumonia, Li Keqiang, Wuhan, premier e Pequim” estavam nesse index de proibições. Esta censura demonstra que a repressão impediu a divulgação e proliferação mais rápida e melhor de informações que ajudassem a população a combater a pandemia.
Tecnologia: a serviço da saúde ou da repressão?
A quarentena na China foi baseada em controle social e vigilância. A localização de cada pessoa e as viagens de todos eram monitorados, utilizando-se as três operadoras de celular estatais do país. Além disso, emitiam-se sinais, alertas, convocações para comparecer aos postos de saúde, etc. Lá, concentram-se 70% dos drones “civis” do mundo. Estes foram utilizados em larga escala e até mediam a temperatura nas varandas das residências e emitiam sons caso houvesse aglomerações dentro ou fora de casa.
A utilização de tecnologia para garantir a saúde pública é importantíssimo, ainda mais em uma situação calamitosa como um surto desta envergadura. Mas, junto com isso, a tecnologia vem sendo utilizada para atacar direitos democráticos fundamentais, que são violados por um governo que já se utilizava destes recursos para manter funcionando um sistema que explora e oprime o povo chinês.
A quarentena e o isolamento são medidas extremamente necessárias e de fato salvam vidas. Outra coisa é que isto não pode ser usado como desculpa para endurecer ainda mais o regime e retirar ainda mais direitos democráticos. Basta compararmos com a situação da Hungria, onde Orban se utiliza da situação atual, para lhe atribuir plenos poderes.
O despreparo do sistema de saúde
O coronavírus se alastrou por conta de um sistema de saúde despreparado para atender o povo de maneira satisfatória. Os relatos são de falta de leitos, equipamentos, pouca segurança para os profissionais de saúde. Somente em fevereiro começaram a construção de novos leitos, o famoso hospital erguido em 10 dias, e outras medidas mais drásticas do governo chinês para atender a demanda de saúde pública.
Enquanto isso, de acordo com o próprio Xinhua (agência oficial de notícias do governo chinês), no dia 2 de janeiro, “Huang Hong, vice-presidente da Comissão Reguladora de Bancos e Seguros da China, disse em entrevista coletiva que, embora o mercado comercial de seguros de saúde da China esteja se expandindo rapidamente, ainda precisa aumentar a oferta.” De acordo com a consultoria Bain & Company, “de 203 hospitais comunitários menores em Wuhan – o epicentro do surto – apenas 10 deles estavam preparados para admitir e tratar pacientes com sintomas de coronavírus”. O site ainda afirma que “apenas oito por cento dos hospitais atendem a mais de 50 por cento de todos os pacientes”.
Os trabalhadores na China durante a pandemia
Junto com isso há inúmeros relatos de mobilizações dos trabalhadores que ficaram desassistidos e sem condições de prover o seu próprio sustento por conta do agravamento da pandemia. O “China Labour Bolletin” relata que “A maioria das recentes lutas dos trabalhadores está relacionada com despedimentos e atrasos no pagamento de salários.”. Por exemplo, em Pequim, “os trabalhadores da empresa de serviços on-line 58.com protestaram contra a política de licenças obrigatórias não remuneradas, que dão direito apenas a uma remuneração aos funcionários equivalente a 80% do salário mínimo mensal local, o que está longe de ser um salário digno.”
Em relação à classe operária vemos que os “trabalhadores da construção civil, incluindo alguns que foram recrutados para construir hospitais de emergência para doentes com Covid-19, em Wuhan, também foram obrigados a se manifestarem contra o atraso no pagamento de salários”.
E a resposta do governo é repressão: “Mais recentemente, trabalhadores de um canteiro de obras em Zhoukou, província de Henan, foram violentamente reprimidos durante uma ação que tinham organizado para protestar contra atrasos no pagamento de salários”.
Isto é uma ditadura capitalista!
Todos esses acontecimentos são a demonstração do que é uma ditadura capitalista. Todas as medidas tomadas por Pequim visam recrudescer ainda mais o autoritarismo do regime diante da pandemia, das denúncias e questionamentos ao governo. Vale mencionar que crescia a indignação com a repressão por conta dos alertas de médicos entre dezembro e janeiro. De que adianta agora, depois de morto, homenagear o médico perseguido, enquanto se mantém intacta a estrutura de poder e dominação completamente antidemocráticas que geraram situações como as que vimos?
Além de não existir liberdade de expressão, também não há liberdade ou direitos políticos. O povo não elege os seus representantes. Há presos políticos. As greves são proibidas, todas que ocorrem são consideradas ilegais.
A preocupação do governo chinês na pandemia estava na manutenção da estabilidade política, na manutenção do regime monolítico e antidemocrático para garantir os interesses dos monopólios capitalistas. Nesse sentido, não só se manteve a ditadura capitalista como se aprofundou elementos repressivos e autoritários.
3) A ditadura chinesa e a burguesia diante da pandemia
Se é uma ditadura, com poder quase ilimitado, por que não agiu rápido? A lentidão da ditadura no combate a pandemia se explica pela preocupação prioritária com a manutenção dos lucros das empresas, dos mercados, além da imagem que passaria para seus amos imperialistas. Basta lembrar que Wuhan, cidade onde surgiu a pandemia, tem uma produção industrial grande com a presença de várias multinacionais norte-americanas (GM, IBM, Pepsi, General Eletric, etc) Leia mais aqui
É curioso que foi em plena pandemia que os bancos norte-americanos Morgan Stanley e Goldman Sachs assumiram o controle acionário das suas joint ventures em território chinês. Esta medida é mais um passo no processo de abertura cada vez maior da economia chinesa no geral e o sistema financeiro em particular ao imperialismo.
A ditadura chinesa é fonte de opressão sobre o povo. Além disso, sustenta a exploração capitalista espetacular que os grandes conglomerados capitalistas realizam no país. Em última instância, a relação da ditadura com os grandes monopólios chineses e internacionais, como garantidor dos lucros e negócios da burguesia chinesa e mundial, é a explicação do altíssimo grau de violência e coerção do regime sempre em busca de um altíssimo grau de estabilidade política.
Que o capitalismo seja sustentado sob a direção de um partido chamado de comunista é uma das ironias da história. O fato do partido se chamar de comunista ou o governo se chamar de socialista, não quer dizer que sejam. Devemos lembrar que as coisas são o que elas são, e não necessariamente o que elas dizem ser. Por fim, em ultima instancia quem detém o poder na china é a burguesia, seja diretamente através dos burgueses do PCCh, ou pela penetração e dependência dos capitais imperialistas.
Como a China é capitalista se é dirigida por autodenominados comunistas?
Em 1949, os trabalhadores e camponeses chineses fizeram uma revolução socialista, expropriaram a burguesia e avançaram em conquistas sociais, mesmo dirigidos por uma casta burocrática. Esta revolução foi traída e destruída pela própria burocracia, ao ponto que, no final do anos 70, restaurou o capitalismo.  Nos anos 90 dá um salto na semicolonização do país com várias multinacionais aprofundando a exploração dos trabalhadores. (Leia mais aqui)
Nos anos recentes estamos vendo mais nitidamente o que é a burguesia chinesa surgida da restauração e essa relação simbiótica com as empresas dos países imperialistas. Por exemplo, o próprio bilionário Jack Ma, o homem mais rico da China, fundador da multinacional Alibaba, é membro do partido comunista.
Inclusive, as conquistas sociais da revolução já não existem mais. Até mesmo a saúde na China vem se transformando cada vez mais em fonte de lucro de empresas nacionais e internacionais. Todas de olho em um negócio de mais de 1 trilhão de dólares (2016) se somarmos o mercado de saúde, a indústria farmacêutica e insumos médicos. Em 2014 aprovaram uma lei que permite às empresas estrangeiras deterem a propriedade total de hospitais. Enquanto existem 13 mil hospitais públicos, os privados chegam a pouco mais de 8 mil (2011).
Na China, a cobertura médica é praticamente universal. Entretanto, não é gratuita e tampouco 100% pública. Ou se paga o acesso à saúde diretamente nos hospitais e clínicas ou se contrata através de seguros saúde que inclusive tem franquias. O seguro médico rural, por exemplo, cobre em média apenas 75% dos gastos de hospitalização.
Nem socialismo, nem capitalismo: economia híbrida?
Algumas organizações como o jornal “Brasil de Fato” afirmam que “a capacidade da China de responder a essa crise de saúde pública de grandes proporções é prova da realidade do socialismo de características chinesas: embora tenha uma economia de mercado híbrida”
Primeiro, não existe economia de mercado híbrida. Economia de mercado é sempre capitalista. O que define o caráter de classe de um Estado é qual tipo de relações sociais e de propriedade ele defende e sustenta. (Leia mais aqui).
Não há dúvida que as multinacionais são protegidas e se fortalecem da sua relação com o Estado Chinês. A centralização e concentração de capitais está cada vez maior, sempre na mão de burgueses, inclusive, pintados de vermelho.
Anti-imperialismo sustentado com dólar?
O “Brasil de Fato” prossegue dizendo que “o Partido Comunista detém o controle de indústrias estratégicas e, ao contrário de sociedades capitalistas como os Estados Unidos, se mantém independente dos interesses do capital privatizado.” Também isso não corresponde à realidade. O que existe é uma verdadeira relação simbiótica e uma forte penetração das multinacionais imperialistas na China explorando os trabalhadores chineses. Ou seja, não há nada de anti-imperialista nas ações chinesas no tabuleiro da luta política no sistema internacional de estados. A guerra comercial com os EUA, por exemplo, na verdade se parece mais com uma disputa entre sócios do que entre inimigo.
Tem cara de capitalismo, jeito de capitalismo, tudo de capitalismo… Isto é capitalismo!
O conjunto da economia chinesa é de mercado e não planificada. As empresas têm livre trânsito e liberdade total de negociar, inclusive com o mercado externo. A burguesia chinesa que domina o aparato do partido comunista e em consequência também o Estado. Estamos vendo surgir gigantes empresas capitalistas chinesas como Huawei e Xiaomi.
O fato de ser uma economia capitalista com forte peso do Estado não pode deixar margem de duvida para o caráter de classe do Estado. Socialismo não é forte presença do Estado na economia. Socialismo é outro sistema social, baseado em outros tipos de relação social, que tem como pressuposto o fim da propriedade privada dos meios de produção e que seja regida pela planificação econômica e não pela lei do mercado.
Todos os dados e informações foram retirados dos sites:
South china morning post
Xinhua
Dailys people
China-briefing
newschinamag.com
China Labour Bulletin (CLB)
Trabalhos acadêmicos:
http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v24n3/0104-1290-sausoc-24-03-01006.pdf
 

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