ter mar 19, 2024
terça-feira, março 19, 2024

Uruguai| O “novo normal” e o aumento dos contágios

Em poucos dias, o Uruguai deixou de ser um suposto exemplo no controle da pandemia para se tornar uma grande preocupação com o aumento dos casos sustentados do coronavírus, ultrapassando mais de 500 contágios diários nos últimos dias.

Por: IST Uruguai

Essa situação colocou o país em uma dinâmica que, se continuar, em breve enfrentaremos uma situação de perder o denominado “fio epidemiológico”. Isso significa que, à medida que os surtos e casos aumentam de forma progressivamente acelerada, perde-se o acompanhamento das pessoas contagiadas conhecidas e não é possível evitar uma disseminação com crescimento exponencial. O resultado disso é uma pandemia fora de controle que aponta, como já alertado, à falta de leitos na UTI para quem precisa.

No dia 11 de dezembro, o Jornal El País já relatava que: “Há outros 700 infectados, daqueles já notificados, há alguns dias atrás, que são positivos, que ainda não foram convocados para fazer esse rastreamento. E cada dia que passa, o atraso aumenta, as chamadas pendentes se acumulam e estamos mais perto de perder o fio epidemiológico”. (1)

A política do “novo normal” aumentou os contágios

Durante todos esses meses em que o governo se gabou dos poucos casos existentes, nada foi feito para fortalecer o sistema de saúde e não houve medidas sérias para prevenir a situação atual, conforme denunciado por nós da IST em artigos anteriores. (2)

Pelo contrário, as medidas iniciais de quarentena parcial foram gradualmente abandonadas para “não desligar os motores da economia”. O governo cunhou dois termos que nada dizem sobre o tema da saúde, mas, sim, sobre suas intenções: “abrir as fechaduras” e, tal como as burguesias utilizam a nível mundial, passaram a falar aqui também do “novo normal”.

Enquanto em seus discursos, o governo e os meios de comunicação colocam a responsabilidade sobre o povo (especialmente os jovens); nada falam sobre sua política sinistra do “novo normal”, que significou retomar as atividades sem um plano sério de combate à pandemia e cujas consequências começamos a sentir com este enorme salto nos contágios.

As próprias cifras do Ministério da Saúde Pública – MSP mostram que grande parte dos surtos ocorre no local do trabalho. O ministro de Saúde, Daniel Salinas, assim o reconheceu: “Como se sabe, 60% das empresas estão descumprindo os protocolos, e é onde se registram mais casos positivos, os focos de trabalho. (3)

E o número de contágios no local de trabalho é ainda maior se levarmos em conta que nos relatórios do MSP, são colocados separados os dados dos centros educativos e os hospitais (como se não fossem locais de trabalho) e os surtos intrafamiliares, cujos casos não aparecem do nada, senão que muitos deles provêm de contágios em locais de trabalho. (4) Nesse sentido, o Ministério do Trabalho e Previdência Social – MTSS também reconheceu que 63% das empresas fiscalizadas não cumprem as medidas necessárias para prevenir a covid-19. (5)

Essa situação demonstra que o principal irresponsável é o governo, que junto com os patrões não garantiu nem mesmo as medidas mínimas de prevenção. Essa política do “novo normal” promovida pela burguesia a nível mundial e que o governo de Lacalle Pou aplica no Uruguai, se baseia em garantir os lucros dos patrões e não a saúde dos trabalhadores e setores populares, os mais expostos à doença.  (6)

As medidas do governo são estéreis

Diante do aumento de casos, o governo realizou uma coletiva no dia primeiro de dezembro. Porém, decidido não desligar “os motores da economia”, a coletiva foi mais “para a TV” do que para anunciar algum tipo de medida ou plano sério e global contra a pandemia.

De nada adianta fechar academias ou bares depois da meia-noite, conforme anunciado, se os trabalhadores continuam viajando como gado nos ônibus e normalmente trabalhando em setores não essenciais sem os cuidados necessários, enquanto os shoppings estendem seu horário de funcionamento. Desta forma, o slogan do governo de “combater a pandemia” não vai além de algumas medidas isoladas e, portanto estéreis, caindo na hipocrisia e no duplo discurso.

Isso ficou demonstrado agora em que os casos continuam aumentando apesar das medidas anunciadas, com uma situação que saiu do controle. Enquanto isso, a direção da Frente Ampla elogia a forma como o governo lidou com a pandemia desde o início, com o falso discurso de que “Todos nós sairemos disso juntos”.

Carolina Cosse, prefeita recém-empossada em Montevidéu pela FA, se curvou ao discurso hipócrita do governo de Lacalle Pou e sua política do “novo normal”. Cosse anunciou a suspensão dos ensaios de carnaval, o fechamento de museus e teatros e disse para que suspendamos todas as atividades possíveis, enquanto a própria prefeitura junto com o governo nacional continua garantindo o negócio dos empresários privados no transporte público, onde viajamos amontoados diariamente para ir trabalhar.

Como poderiam deixar de elogiar o governo, esses dirigentes, que a partir das bancadas parlamentares “progressistas” votaram em quase metade dos artigos da Lei de Urgente Consideração (LUC) e em vez de nos chamarem a lutar, dialogam permanentemente com este governo da direita liberal, reacionário e repressor? Agora, vendo a situação de alarme, alguns dirigentes da FA começam a ter algum discurso de reivindicações e atritos, mas apenas pela televisão.

Salário integral para as/os trabalhadores, a fim de reduzir a mobilidade e os contágios

Os trabalhadores, os que têm pequenos negócios, os que vivem da venda nas ruas, as 400 mil mulheres e homens que não tem previdência social, foram levados a “escolher” entre cuidar da sua saúde e acabar na miséria, ou colocar um prato de comida na mesa. Porque obviamente, para ficar em quarentena e se cuidar, tem que pagar as contas, o aluguel, comer, se vestir. E o governo, longe de garantir condições para os trabalhadores e setores populares, os deixou à sua própria sorte, e de fato, os empurrou a sair às ruas. Hoje vemos as consequências.

Nós da IST apresentamos uma série de medidas urgentes desde o início da pandemia para preservar a saúde e a economia dos trabalhadores e setores populares. (7) Dentre elas, de imediato, defendemos o direito de todos os trabalhadores de serviços não essenciais a ficar em casa, recebendo seu salário integralmente. Nos empregos essenciais (como saúde e alimentação), não podemos deixar a prevenção nas mãos do governo e dos patrões. Os trabalhadores devem eleger seus próprios delegados, comissões de saúde compostas por operárias/os, para fiscalizar com rigor se foram tomadas todas as medidas e os cuidados necessários. É preciso garantir testes em massa e uma renda básica para todos os trabalhadores que estão em quarentena e não tenham cobertura social.

A pandemia desnudou sem mediações a lógica perversa deste sistema capitalista a nível mundial. Isso fica claro na corrida pela vacina (8), onde os países e as empresas competem entre si pelos lucros milionários. A saúde é colocada, como tudo neste sistema, a serviço do lucro.

Os governos e os patrões aproveitaram-se da covid-19 para demitir, reduzir salários e flexibilizar as condições de trabalho. Eles aumentaram a pobreza e a miséria e se mostraram incapazes de deter o avanço da pandemia.

A luta é contra os patrões e os governos que consideram descartáveis as vidas dos trabalhadores e pobres. Por isso, enquanto lutamos por reivindicações imediatas de salário e emprego, temos que começar a discutir e nos organizar para destruir este sistema capitalista onde a saúde é um grande negócio.

Notas:

Ver por exemplo:

1) http://www.elpais.com.uy/amp/informacion/salud/casos-nuevos-covid-tres-muertos-hay-positivos-rastrear.html

2) Quem são os responsáveis pelo novo surto?:  https://www.ist.uy/3998-2/

Covid: Uma saída para os ricos e capitalistas ou uma dos trabalhadores: https://www.ist.uy/coronavirus-una-salida-para-ricos-y-capitalistas-o-una-de-los-trabajadores/

3) https://www.republica.com.uy/debemos-apretar-las-marcas-el-comportamiento-social-luce-desordenado-id800935/

4) Informe MSP 11 dezembro: https://www.gub.uy/sistema-nacional-emergencias/comunicacion/comunicados/informe-situacion-sobre-coronavirus-covid-19-uruguay-11122020

5) https://www.elobservador.com.uy/nota/mtss-detecto-suba-de-incumplimiento-de-los-protocolos-sanitarios-en-empresas-202012149557

6) Sobre a política do “novo normal” da burguesia, recomendamos o artigo da LITQI: https://litci.org/es/la-verdadera-cara-de-la-nueva-normalidad/

7) https://www.ist.uy/ist-propone-medidas-de-emergencia-frente-al-coronavirus/

8) https:// litci.org/es/la-carrera-por-la-vacuna-contra-el-covid-19-ii/

Tradução: Rosangela Botelho

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