ter mar 19, 2024
terça-feira, março 19, 2024

Equador| Manifesto da Articulação Revolucionária dos Trabalhadores 

– 5 VEZES SIM NA CONSULTA POPULAR PELA ÁGUA DE CUENCA!

– VOTO NULO NAS CANDIDATURAS DE PRESIDENTES, MEMBROS DO CONGRESSO E PARLAMENTARES ANDINOS!

– POR UM PROGRAMA ALTERNATIVO DA CLASSE TRABALHADORA SETORES POPULARES, ORGANIZAÇÕES SOCIAIS, MOVIMENTO INDÍGENA, MULHERES E A ESQUERDA REVOLUCIONARIA DO  EQUADOR!

Por: Articulação Revolucionaria dos Trabalhadores – Equador

O povo equatoriano e a classe trabalhadora atravessam uma das etapas mais difíceis de sua história. Não só pela pandemia que evidenciou a incapacidade e as limitações do sistema capitalista mundial para enfrentar uma emergência de saúde pública, mas também pelas desastrosas políticas adotadas durante este período pelo governo de Lenin Moreno.

Enquanto os setores mais vulneráveis da população eram contagiados e morriam pela falta de atendimento nos hospitais, o governo tomou a decisão de pagar e pré-pagar a dívida externa em cerca de 2 bilhões de dólares. Enquanto os médicos, os trabalhadores da saúde e de outras áreas de serviços básicos enfrentavam a morte sem o equipamento básico de biosseguridade, o regime de Moreno aplicou à risca as políticas neoliberais impostas pelos organismos multilaterais de crédito, encabeçados pelo Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, A Corporação Financeira de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos. Segundo alguns dados de dezembro de 2020, a dívida externa do Equador chega a 46,9% do PIB do país, e somada à dívida interna, representa 65,3% do PIB. Ainda que de maneira oficial tenha sido reconhecido mais de 14.000 mortes confirmadas e prováveis relacionadas à Covid até meados de dezembro, as cifras do registro oficial nos dizem que ocorreram 40.000 mortes a mais neste ano, em relação a períodos anteriores. Isso significa que foi provocado um verdadeiro genocídio que poderia ter sido evitado, ou pelo menos atenuado, com políticas públicas que deveriam ter priorizado a saúde e a vida e não o pagamento da dívida e o salvamento das grandes empresas.

A outra prioridade do regime foi diminuir o alto déficit fiscal, calculado em torno de 10 bilhões de dólares no presente ano. Suas causas fundamentais foram a queda nos preços do petróleo, o pagamento da dívida externa, o envio de juros, multas e exonerações de impostos aos grupos econômicos mais fortes e o desperdício e a corrupção nas mais altas esferas políticas e empresariais. Para cumprir tal meta, que é uma das condições exigidas pelo FMI, o governo reduziu o gasto e o investimento no setor público, o que significou a demissão de milhares de trabalhadores em áreas sensíveis como saúde, educação, bem estar social e meio ambiente. Leis como a mal chamada “humanitária” provocaram um forte retrocesso nos direitos trabalhistas e uma superexploração dos trabalhadores. Ou seja, a crise foi descarregada nas costas da classe trabalhadora,  enquanto que a grande burguesia financeira, exportadora e comercial manteve seu ritmo de acumulação e lucros.

A crise não é somente sanitária, mas econômica, social, política e moral. As classes populares têm sido profundamente afetadas pelo flagelo do desemprego, a redução de suas rendas, a deterioração dos serviços públicos de saúde, educação e segurança social. Os indicadores sociais nos confirmam o aumento da pobreza e da extrema pobreza, do desemprego que aumentou de maneira exponencial alcançando um milhão de pessoas, da desnutrição infantil que afeta uma em cada três crianças e da desigualdade que continua crescendo. Mas, para além dos números, é questão de sair às ruas e olhar o exército de informais, muitos deles imigrantes venezuelanos, que tentam ganhar o pão de cada dia lavando para-brisas, vendendo água ou balas, inventando espetáculos, ou simplesmente pedindo caridade. O aumento da delinquência é uma consequência direta da fome e da falta de trabalho. A violência social atinge os mais fracos, as mulheres assassinadas, as crianças maltratadas. As prisões estão lotadas e se converteram em infernos de violência e morte. Os mais elementares direitos à vida, à saúde, à segurança e a uma vida digna, são violados diariamente.

A democracia: uma farsa grotesca.

A chamada “democracia representativa” baseada nas eleições gerais das principais autoridades executivas, legislativas e locais, atravessa uma profunda crise a nível mundial.  Têm sido dadas diferentes explicações para esta situação. Muito se fala do fenômeno “populista”, encarnado em líderes pré-fabricados que realizam campanhas demagógicas e fazem falsas promessas que nunca cumprem quando chegam ao poder. Diversos estudos e análises têm sido realizados sobre o papel da grande mídia e das redes sociais e sua manipulação de um eleitorado que é induzido a votar nos candidatos como se fosse uma mercadoria a mais. Os eleitores são acusados de ignorância e desinteresse pelos processos políticos e sua falta de consciência e cultura política. Todos estes fenômenos são reais e se apresentam em diversas magnitudes em todos os países. Entretanto, pouco se fala da raiz dessa deslegitimação e da falta de credibilidade da democracia formal: o sistema capitalista baseado na propriedade privada dos grandes meios de produção, a acumulação da riqueza em poucas mãos e a exploração do trabalho humano. A democracia representativa é uma invenção da classe burguesa para dominar o poder político e  controlar o Estado em função de seus interesses, criando a falsa ilusão de que responde ao interesse geral e é o povo quem elege seus mandatários.

As pessoas estão cada vez mais decepcionadas com os políticos tradicionais porque se dão conta de que sua situação vital não mudará com quaisquer dos partidos que chegarem ao poder, mas que é cada vez mais difícil.

O Equador é um claro exemplo da decadência desta falsa democracia. O processo eleitoral em curso se transformou em uma desordem e confusão que ultrapassa toda lógica e carece de uma mínima racionalidade. O contexto está caracterizado por um governo completamente impopular e desprestigiado, como os outros poderes do Estado: o Congresso Nacional, o Judiciário, o Tribunal eleitoral e o Conselho de Participação Cidadã, todos afundados na corrupção, no desprestígio e na falta de credibilidade. Portanto, a crise afeta não só o governo como o regime em seu conjunto.

Nestas eleições, até o final, não estavam definidas todas as candidaturas que já chegam a um recorde histórico de dezesseis, enquanto os principais organismos eleitorais se encontram envolvidos em discórdias e enfrentamentos. O problema de fundo não é do tipo legal e jurídico, e sim político. A direita neoliberal está desesperada porque seu principal candidato, o banqueiro Guillermo Lasso, não conseguiu captar o apoio popular. Em face desta evidência o grotesco empresário Álvaro Noboa procurou legalizar sua candidatura, entretanto a própria direita e o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) a bloquearam para que não pisoteie o tabuleiro eleitoral e diminua ainda mais possibilidades eleitorais  para Lasso beneficiando mais ao correísmo. O candidato do correísmo, Andrés Arauz, está colhendo o descrédito do governo de Moreno (produto do correísmo) e tem grandes possibilidades de passar para o segundo turno, de tal forma que essa tendência voltaria ao poder depois do baque que sofreu com a virada de Lenin Moreno. O terceiro em disputa é Yaku Pérez, candidato de Pachakutik, o setor mais representativo do movimento indígena, que teria algumas possibilidades de aglutinar o descontentamento popular, ainda que sua debilidade eleitoral seja o reduzido apoio nas províncias da Costa.

Nenhum dos candidatos mencionados representa uma opção de mudanças estruturais que expressem os interesses da classe trabalhadora e dos setores populares. O banqueiro Lasso é uma evidente expressão da burguesia tradicional oligárquica que controlou o poder ao longo da história republicana.  Suas posições ideológicas são conservadoras em todos os aspectos e sua proposta econômica é abertamente neoliberal, está alinhada com o imperialismo e os grandes grupos empresariais que controlam a economia do país e o imperialismo. A falta de apoio popular o levou a realizar promessas demagógicas.

Andrés Arauz é o candidato do correísmo, tendência que exerceu o poder durante uma década. Com base nesta prática podemos caracterizá-lo como a expressão de uma burguesia mais moderna, cujo projeto é modernizar o atrasado capitalismo equatoriano através de uma intervenção ativa do Estado, realizando algumas concessões às classes populares para impedir a explosão social que pode ser detonada a qualquer momento inesperado, como já ocorreu em outubro de 2019. Sua imagem está ofuscada pela galopante corrupção que ocorreu no período de Correa, assim como seu autoritarismo ao controlar todos os poderes do Estado e a repressão desatada contra as organizações sociais e dirigentes populares que se opunham ao regime.

Sua proposta é em grande medida a repetição das políticas que Correa implementou em seu longo mandato, ainda que mais fracas e próximas aos postulados da direita. Já não fala de socialismo, mas de uma difusa “justiça social baseada em uma democracia radical, com prosperidade econômica para todos e harmonia com a natureza”, ou seja, uma proposta demagógica e irrealizável, característica de campanha eleitoral. Já não propõe o não pagamento da dívida externa por ilegítima – como Correa fez em seus primeiros anos – mas de “abordar a instabilidade financeira provocada pelo super endividamento, através de acordo com os credores”. Sobre as relações trabalhistas diz “precisamos uma mudança de fundo”, mas a longo prazo “para abarcar o reconhecimento e a reciprocidade na distribuição dos tempos dedicados ao cuidado e ao descanso”, formulação pouco compreensível e que evita a questão fundamental dos direitos trabalhistas que têm sido totalmente violados com as novas leis e decretos do atual governo.

Yaku Pérez, ainda que seja o candidato do setor mais representativo do movimento indígena e eleitoralmente é apoiado pelo Movimento Plurinacional Pachakutik, não expressa as posições mais radicais deste setor que foi a cabeça da insurreição de outubro de 2019, e sim buscou se aproximar da burguesia e sua proposta é de conciliação de classes. Seu programa intitulado “Minka[1] pela vida Samay: minka das ecologias”, propõe a harmonia com a mãe natureza e a sociedade, “vamos passar – diz – da visão individualista da modernidade capitalista, para atuar a partir do sentido da comunidade, a partir do nós”.

Entre algumas de suas propostas está uma política de “combate à violência de gênero, regulamentação da mineração e reversão ao Estado de todas as concessões de mineração em grande escala, defesa da agua, autodeterminação dos territórios. No que se refere à economia propõe sua organização baseada nas necessidades básicas da população, partindo do fundamento da saúde e da educação. Também a separação bancos – Estado. A política de emprego será a prioridade como norma de organização da produção. Estruturar um sistema de redistribuição das rendas e dos produtores para reativar a economia e fortalecer o desenvolvimento do mercado interior. Política agraria integral: acesso à terra mediante Reformas à Lei de Terras, Segurança e soberania alimentar. Sobre a dívida externa propõe o não pagamento da dívida externa ilegítima. Reforma Tributária sob o principio de quem ganha mais contribui mais. Planificação mediante redes de produção social e Segurança social solidária e universal”.

Cuenca: Sim à defesa da água

Nestas eleições enquanto não vemos alternativas nas candidaturas, a organização social, camponesa, popular , e de mulheres de Cuenca deram um passo gigantesco depois de cerca de duas décadas defendendo sem trégua o direito de ter fontes de agua livre de contaminação.  Em 7 de fevereiro a cidade de Cuenca terá uma cédula adicional com 5 perguntas que dizem: você está de acordo com a proibição da exploração mineral metálica em grande escala na zona de recarga hídrica do rio (Tarqui-Yanuncay-Tomebamba-Machángara-Norcay) segundo a delimitação técnica realizada pela Empresa Pública Municipal de Telecomunicações, Água Potável, Esgoto e Saneamento de Cuenca – ETAPA EP? SIM ( ) NÃO ( ). As 5 perguntas correspondem às 5 zonas de recargas hídricas que se encontram no Parque Nacional Cajas e estão fechadas pelas concessões de mineração em grande escala. Esta é a primeira consulta popular que se realizará no país a favor do direito à agua sem contaminação, chamamos todas as organizações a se somar a esta campanha e estendê-la para todo o país.

Por um programa alternativo

Diante da ausência de uma alternativa eleitoral que represente os interesses da classe trabalhadora e outros setores populares e democráticos, nossa posição é optar pelo  VOTO NULO NAS CANDIDATURAS DE PRESIDENTE, MEMBROS DO CONGRESSO NACIONAL E PARLAMENTARES ANDINOS, no primeiro turno eleitoral, mas propondo um PROGRAMA alternativo da classe trabalhadora e de esquerda revolucionária frente à atual conjuntura eleitoral como:

Vacinação gratuita para toda a população

Não ao pagamento da dívida externa para que seja investido em Saúde, Educação, Trabalho, etc.

Não à  privatização das empresas públicas

Defesa do orçamento para a saúde e a educação

Denúncia do modelo extrativista de mineração e petroleiro que provocam graves consequências ambientais sociais, especialmente entre as populações indígenas e camponesas

Contra as demissões em massa e em defesa dos direitos trabalhistas

Políticas estatais para gerar emprego e de apoio aos trabalhadores precarizados

Renda universal para todas as pessoas sem renda básica permanente

Bancos de alimentos em todas as cidades para combater a desnutrição infantil, não mais quarentenas com fome

Direito das mulheres a terem acesso a um aborto seguro e legal, apoio imediato contra a violência à mulher e à família

Chamamos as organizações da esquerda revolucionária, setores populares, organizações sociais e movimento indígena para:

União e a autonomia

Pela construção de um plano de lutas conjunto para enfrentar a barbárie capitalista no Equador

Agir a partir de baixo, ou seja, das organizações sociais, impulsionando a mobilização social em torno a uma plataforma de luta que reúna as principais reivindicações dos trabalhadores e as classes sociais populares.

Denunciar o caráter elitista e excludente do sistema eleitoral e os limites da democracia formal que favorecem a burguesia

(1] Trabalho comunitário (ndt.)

Tradução: Lilian Enck

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