ter mar 19, 2024
terça-feira, março 19, 2024

EUA| Kamala Harris deveria nos interessar?

À medida que as eleições estadunidenses de 2020 finalmente se aproximam à sua cansativa conclusão, os especialistas burgueses voltaram ao antigo passatempo outonal de exigir que todos os que se reivindicam progressistas, engulam seu orgulho e deem um voto pelo mal menor de uma votação democrata.

Por: Carlos Jara – originalmente publicado em https://lavozlit.com/do-we-really-care-about-kamala-harris/
Com o anúncio da candidata à vice-presidência da campanha de Biden, Kamala Harris, em principio de agosto, as publicações socialistas levantaram-se para responder a estas provocações, bombeando artigo atrás de artigo para enumerar as muitas deficiências da candidatura Biden-Harris. Estes artigos são incansáveis e precisos em suas análises do Partido Democrata e seus candidatos. Porém valem realmente nosso tempo e energia?
A julgar pelo grande número de artigos que criticam o histórico de Kamala Harris em particular, seria perdoável pensar que alguns socialistas na realidade continuam mantendo a esperança de que a campanha de Biden seja uma eleição de esquerda para a vice-presidência, como se fosse possível o Partido Democrata tomar tal decisão. Embora seja apropriado assinalar o hilário que é para o Partido Democrata responder aos protestos massivos contra a polícia nomeando um membro das forças da ordem, como seu porta-estandarte, emaranhar-se nos detalhes do jogo eleitoral do Partido Democrata perde a floresta pelas árvores: no lugar de lançar ataques corretos sobre a questão de votar ou não por uma chapa específica de capitalistas corruptos, temos que focar na construção de uma alternativa política fora do sistema eleitoral antidemocrático dos Estados Unidos.
A política eleitoral tal como existe nos EUA e a maioria das outras repúblicas capitalistas é uma fachada projetada para manter o domínio da burguesia (e com a instituição do Colégio Eleitoral e o Senado distorcendo ainda mais o voto popular, o sistema dos EUA é antidemocrático inclusive para os padrões de outras repúblicas capitalistas). Enquanto que a participação massiva nas eleições proporciona um verniz democrático ao sistema, os partidos existentes no controle do governo sobre quem tem permissão para aparecer na cédula eleitoral, assim como sua estreita relação com as corporações de meios de comunicação que apresentam candidatos favoráveis ao sistema político como as únicas opções viáveis, as eleições se convertem, como disse Lenin, em um exercício para eleger simplesmente quem será o próximo representante da classe dominante a nos oprimir.
O espetáculo das eleições massivas, prolongadas e caras obscurece ainda mais  a verdadeira natureza do poder político que não vem de quem detém o Salão Oval, o Congresso ou os tribunais, mas o controle sobre a economia e as massas da classe operária. Quando olhamos para as reformas progressistas mais importantes da última metade do século: Direitos Civis para os negros, a Emenda de Igualdade de Direitos para as mulheres, o fim da Guerra do Vietnã, ou as proteções aos LGBTQ, nenhuma delas foi aprovada pelos presidentes que fizeram campanha por tais reformas ou as consideraram parte de sua plataforma.
As mãos das administrações de Johnson, Nixon e Obama foram forçadas por movimentos de massas que se negaram a retirar-se e fizeram com que o governo cedesse às demandas ou se arriscaria a perder o controle sobre o país. Apesar da agenda alegremente reacionária da administração Trump, os protestos massivos no verão fizeram com que os governos locais e estatais fizessem concessões sem precedentes ao movimento antirracista pela abolição da polícia. Qualquer “poder” que um eleitor tenha sobre um político para fazê-lo responsável depois de uma eleição é uma ilusão; o poder de ameaçar fechar locais de trabalho e cidades é real.
Nossa abordagem política não se define correndo às urnas uma vez a cada poucos anos, mas sim construindo o poder da classe operária para tomar a resolução dos problemas nas suas próprias mãos. Nós socialistas sabemos que podemos exigir uma mudança principalmente pondo os pés na rua e organizando nossos locais de trabalho. Este tipo de organização política requer um nível de conexão muito mais profundo que o de uma campanha eleitoral.
Enquanto que organizações como os Democratas Socialistas da América sustentam que podemos construir o poder socialista mediante a participação em campanhas, o superficial banco telefônico e a visita a domicílio requerida pela maioria das campanhas eleitorais raras vezes deriva no tipo de relações políticas profundas que são necessárias para a construção de um partido socialista.
Embora às vezes possa ser taticamente apropriado apoiar as campanhas dos candidatos locais ou medidas específicas de votação, como as medidas para proteger o controle dos aluguéis, essas campanhas são uma tarefa que realizamos principalmente devido à importância da política específica que está em jogo, não como um meio para fazer crescer nossa organização política em longo prazo.
Nossa participação neste tipo de campanha deve ser produto de uma análise cuidadosa da quantidade de recursos que podemos contribuir e do que realmente podemos ganhar ao vencer, atenuado pelas probabilidades de êxito. Não o vemos como nossa principal via para construir um partido político militante que possa tomar a resolução dos problemas em suas próprias mãos.
Ao enraizar nosso enfoque político na classe operária no lugar do eleitorado, também podemos mobilizar um setor central da sociedade estadunidense: os imigrantes.  Sem documentos ou não, a eles é negado o direito ao voto e, assim, apesar do papel crucial que desempenham em nossa economia não são levados em conta pelas iniciativas centradas no eleitorado. Enquanto tanto os democratas como os republicanos se comprazem em tratar os imigrantes como moeda de troca impotente, como socialistas reconhecemos sua agencia: em igualdade de condições entre camaradas, um imigrante que participa de uma organização política socialista militante tem mais poder que um cidadão com voto atomizado nas urnas.
Aconteça o que acontecer em novembro, o resultado não será decidido pela participação ou a abstenção dos socialistas nas eleições propriamente ditas. Em lugar de correr atrás de um circo político no qual não ganhamos nada com nossos esforços, temos que passar estes próximos meses organizando nossos locais de trabalho e redes de organização comunitária para construir o poder político que precisamos para lutar por um futuro no qual possamos acreditar.
Tradução: Lilian Enck

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