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terça-feira, março 19, 2024

Zimbábue a caminho da catástrofe: Fora Mnangagwa!

A perspectiva econômica do Zimbabué  pós-independência assemelha-se  a um pano desbotado: a cada lavagem, perde o seu brilho e, com o passar do tempo, ameaça desintegrar-se em um trapo.[1]
– Japhet Moyo –

Por: A. Zuhri Nassor e Cesar Neto
Dizer que a economia do Zimbábue está à beira do colapso total não é uma mera afirmativa. A economia retrocedeu em 12,8% só em 2019, isto é, antes mesmo da pandemia do coronavírus. A agricultura foi a mais afetada e encolheu 15,8%, em 2019, devido a destruição provocada pelo ciclone Idai e pela seca de 2018/2019 que foi considerada a pior seca das últimas 4 décadas. Neste ano, a crise econômica que assola o país se aprofunda agravada pela pandemia.
Junto a estes dois fatores, citados acima, ainda há a escassez de divisas que impedem o governo de importar petróleo que afeta também o fornecimento de energia no país. Assim, as empresas de mineração, em especial o setor do cromo, utilizam o argumento da falta de energia para encerrar a produção. O que na realidade a motiva ao fechamento, da indústria da produção naquele país, é a queda da produção mundial nestes tempos da maior crise do capitalismo, desde 1929.
Nesse processo de recessão com o fechamento de empresas, crise na agricultura e escassez de divisas, vemos que um fenômeno alimenta o outro. Os efeitos da crise para os trabalhadores aumentam a cada dia e o desemprego está na casa de 80%, a inflação no mês de julho foi de 35% e a inflação anual chegou aos 837%[2]. Por outro lado, a falta de divisas impede a importação de alimentos e de insumos agrícolas aumentando a fome no país. E como se tudo isso fosse pouco, a rede hospitalar sequer tem Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para os profissionais de saúde, o que dizer então de outros equipamentos para o combate a pandemia e outras doenças e remédios necessários.
Na crise capitalista a fome se alastra
Associado ao desemprego, observamos a escassez de alimentos, justamente naquele país em que durante várias décadas foi considerado como o celeiro de alimentos da África subsaariana.
Outro fator que afeta a população do país é a inflação e a corrosão dos salários. Um exemplo concreto é que em fevereiro deste ano o maior salário de professor correspondia a 4.000 dólares zimbabuense, o que equivalia a 11,05 dólares americanos.  E depois de muitas mobilizações os professores conquistaram um aumento salarial e passaram a ser o setor mais bem pago do país recebendo o equivalente a 91 dólares americanos.
E o que se pode comprar com o melhor salário do país, no valor de 91 dólares americanos? Considerando que muitos produtos são industrializados por empresas transnacionais consequentemente os preços acabam sendo dolarizados. Então, os produtos como remédios, fraldas, alimentos industrializados de todas as variedades e dentre outros têm seus preços dolarizados o que na realidade não representa o acesso a uma sobrevivência digna para os trabalhadores que não conseguem comprar nem o essencial com este salário. E a pergunta para o leitor é: você conseguiria sobreviver com 91 dólares mensais em seu país? Em quais condições?
Esses 91 dólares têm outro problema, pois uma parte que é fixa, é o salário base, e outra parte é em forma de bônus (ou gratificação) que foram garantidos neste período devido a pandemia. A parte variável para cada trabalhador está entre 30 e 75 dólares por mês. E que após a pandemia o salário deverá cair, ou seja, perderá o percentual que foi acrescido para o combate a pandemia.
Um sistema de saúde destruído que sequer responde a malária
Zimbábue tem uma população de 14,9 milhões de habitantes. É importante tomar em conta o tamanho da população para comparar com os dados a seguir sobre as doenças que afetam a população: a) Malária: em maio deste ano o governo declarou o fim do surto de malária que nos primeiros quatro meses do ano um número de 262 mil haviam sido infectadas e levaram 246 à morte; b) HIV/AIDS: anualmente 22 mil morrem da doença. E o quadro tende a ficar mais grave, pois para utilização dos retrovirais que tem como pré-requisito a alimentação antes de tomar o medicamento. E na medida que a fome se alastra não se pode tomar o remédio e o vírus do HIV torna-se mais mortífero; c) COVID 19: no país só existem 3 unidades de isolamento, nenhum laboratório de virologia capaz de analisar a presença do vírus, não tem leito específico,  e apenas 100 ventiladores estão disponíveis. Os médicos e enfermeiros trabalham sem condições elementares de proteção individual, como já citamos anteriormente.
A resistência dos trabalhadores e setores populares e a repressão
A economia encontra-se em recessão há alguns anos, desde 2015, época em que começam as grandes mobilizações contra crise e o governo, que inclusive fraturaram o União Nacional Africana do Zimbábue – Frente Patriótico (ZANU-PF, por suas siglas em inglês), o partido-exército que controla o poder no país, desde 1980. Como consequência deste processo, em 2017, caiu o governo de Robert Mugabe e imediatamente assumiu interinamente Emerson Mnangagwa. Este último convocou e organizou novas eleições, em 2018.  O resultado foi fraudado e as massas saíram às ruas para protestar e Mnangagwa fez valer o seu apelido de Crocodilo e com uma repressão violenta matou 6 pessoas.
Mnangagwa aparentemente havia reunificado o seu partido-exército o ZANU – FP, mas não conseguiu controlar as lutas em defesa dos salários e de melhores condições de vida. Em outubro, de 2018, a central sindical denominada de Congresso dos Sindicatos do Zimbábue (ZCTU) chamou mobilizações nacionais que foram violentamente reprimidas. Em janeiro, de 2019, mais uma vez a central ZCTU chamou a novas mobilizações que a repressão deixou mais 17 pessoas mortas somados aos relatos de espancamentos, violência sexual, como os estupros, e outras formas violência.
A central sindical ZCTU é vinculada ao Movimento pela Mudança Democrática (MDC),partido de oposição ao governo, o qual propõe a formação de um governo de unidade nacional de transição, no qual compartilhará o poder com o governante ZANU-PF, com o objetivo de saída unificada da crise política com o governo.
Por outro lado, as organizações sindicais independentes,do governo e da oposição MDC, também realizaram importantes mobilizações. Entre as mais importantes podemos citar:
a) Greve dos Professores do ensino fundamental e médio que foi organizada pelo Sindicato Unido dos Professores Rurais do Zimbábue (ARTUZ) que começou uma longa greve, em julho de 2019, e na luta pela recuperação do salário que havia caído de US$ 400 para US$ 30.
b) Greve dos Médicos Residentes: Em setembro, de 2019, entraram em greve os médicos dos hospitais públicos representados pela Associação de Médicos de Hospitais do Zimbábue (ZHDA). A principal reivindicação eram o salário e as condições de trabalho. Os salários dos médicos tinham caído de US$ 475 para US$ 40. A greve ganhou ainda mais força quando o Governo de Mnangagwa sequestrou o Dr. Peter Magombeyi, dirigente do ZHDA. O sequestro do Dr. Peter durou quatro dias, quando foi encontrado quase morto num matagal a 40 km da capital Harare. Ele tinha marcas de tortura e sinais de envenenamento.
c) Greve dos Médicos Especialistas:Em 26 de novembro,de 2019, os médicos especialistas representados pela Associação de Médicos de Hospitais Seniores (SHDA), entraram em greve somando-se à greve dos médicos residentes que estavam parados há quase três meses. Essa dupla greve se estendeu por mais 2 meses.
d) Em maio, de 2020, foi a vez dos enfermeiros se mobilizarem. A questão era salário, pois denunciavam que seus salários haviam sido reduzidos em 85% nos últimos dois anos. Além da questão salarial estavam colocadas as condições de trabalho durante a pandemia. O governo foi obrigado a aceitar que os enfermeiros trabalhem durante uma semana, numa jornada de 8 horas ao dia, e depois tenham duas semanas de repouso quando cumprem quarentena preventiva e sendo submetidos ao exame de testagem para Covid-19.
A repressão no Dia Nacional de Luta
Desde maio, deste ano, os diversos sindicatos e a central sindical ZCTU vinham organizando  um dia nacional de luta que aconteceria no dia 31 de julho.
O partido-exército, União Nacional Africana do Zimbábue – Frente Patriótico (ZANU-PF, por suas siglas em inglês), do presidente Emerson Mnangagwa, o Crocodilo[3], organizou uma violenta repressão com sequestros, espancamentos, estupros e outras formas de violência. Os sindicalistas, dirigentes de bairros, advogados, jornalistas famosos, cineastas e escritores viram suas casas invadidas, familiares sequestrados, presos emulheres violentadas.
A repressão foi tão grande que até o Conselho Mundial de Igrejas, a Federação Luterana Mundial, a Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas e o Conselho Metodista Mundial tenha declarado publicamente que: “Condenamos veementemente o abuso sexual e a violência contra ativistas mulheres. Consideramos o encarceramento de jornalistas e líderes políticos inaceitável”[4]. Muitas organizações de direitos humanos, igrejas, jornalistas, artistas, ativistas e independentes levantaram a hashtag #ZimbabweanLivesMatter contra a repressão no Zimbábue.
No Zimbábue chegou-se ao limite: Não é mais possível meias saídas
A situação econômica do Zimbábue se parece em muito a situação da Venezuela, pois ambos são países quebrados. E não há meio caminho para a atual crise econômica, social e sanitária. Por isso, entendemos que a primeira medida, para salvar os trabalhadores e a população do país, é suspender o pagamento da dívida externa que representava 87% do total das dívidas contabilizadas até junho de 2019.
E imediatamente também estatizar e nacionalizar a produção mineral e agrícola. Principalmente porque existem empresas estrangeiras, como a mineradora Hwange Colliery, que se dá ao luxo, de desde 2013, pagar apenas uma parte dos salários dos trabalhadores, e estes com medo da repressão e das demissões não reivindicam seus direitos. Uma das estratégias de luta dos trabalhadores por seus direitos contra a empresa foi a ação realizado pelas mulheres e seus filhos que acamparam, por um período de quase 5 anos, nas instalações da mina e em troca foram processados judicialmente pela empresa Hwange Colliery por invasão de propriedade e receberam ameaças de morte[5].
A grande tarefa política é derrubar o governo de Emerson Mnangagwa, o Crocodilo, e seu partido-exército ZANU-PF que há 40 anos controlam o poder ditatorialmente. E como consequência constituir uma Assembleia Nacional Constituinte com total liberdade para todos os sindicatos, associações de moradores, camponeses e partidos da classe trabalhadora.
Para salvar o Zimbábue é necessário:
* Suspensão Imediata do pagamento da Dívida Externa;
* Nacionalização e estatização da produção mineira e agrícola;
* Fora Mnangagwa e o partido-exército Zanu FP;
* Total liberdades democráticas para os trabalhadores e o povo pobre;
* Eleições livres e gerais já;
* Assembleia Constituinte livre e soberana.
[1]http://www.cadtm.org/What-are-the-ways-to-get-Zimbabwe-out-of-the-current-situation
[2] http://spotlight-z.com/news/zimbabwe-govt-denies-crisis-inflation-jumps-840-percent/
[3] O apelido está associado a algumas das piores atrocidades cometidas por Mnangagwasob o partido Zanu-PF desde a independência, em 1980.
[4]http://spotlight-z.com/news/full-text-world-council-churches-statement-solidarity-people-zimbabwe/
[5]https://www.equaltimes.org/in-zimbabwe-trade-unionists-human#.Xz2g3sBKjIU

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