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terça-feira, março 19, 2024

Crise climática e ambiental e coronavírus: a natureza não é passiva

A reação da natureza à exploração capitalista desenfreada vem acontecendo nas últimas décadas e principalmente nos últimos anos. Têm ocorrido vários alertas por meio das consequências do aquecimento global, que já estamos vendo e sofrendo, como as inundações, secas, tempestades, furacões, incêndios florestais, etc… E ainda que já tivesse tido reações através da disseminação de várias doenças zoonóticas, essa não era a maior preocupação e não era a mais discutida e difundida. No entanto esse foi o caminho da reação que globalizou as consequências em curto espaço de tempo e que faz parte da mesma e única crise. Se não derrotarmos o capitalismo é possível que a natureza o derrote, mas junto com isso também nos derrotará.

Por: Lena Souza
Existem várias explicações sobre o aparecimento do Covid-19. Alguns consideram que o coronavírus é um castigo de Deus sobre uma sociedade que não respeita seus ensinamentos e que tal situação já estava escrita na Bíblia. Outros acreditam que é um acontecimento natural que não tinha como prever, que ninguém tem culpa do seu aparecimento. E ainda há outros que são os negacionistas, em geral os mesmos que negam o aquecimento global, que diante da crua evidência das mortes, ou dizem que a pandemia não existe, que é uma manipulação da opinião pública, ou dizem que vai morrer muita gente mesmo. E daí? Devemos enfrentar e manter a normalidade do sistema.
Há culpados pelo aparecimento do Covid 19. E são os mesmos responsáveis pelo aquecimento global
O coronavírus veio da natureza, no entanto não é uma consequência natural que ele tenha alcançado o ser humano. Chegar ao ser humano e se transformar numa pandemia é consequência da degradação de uma das bases de produção, da fonte de recursos, ou seja, da natureza. O avanço irresponsável sobre os recursos naturais tem sido o agente das epidemias recentes que tivemos. E todas elas são zoonoses, ou seja, têm origem animal. Isso aconteceu com a Ebola (1969), Nipah (1999), SARS (2002), H1N1 (2009), MERS (2012) e agora o Covid-19 (2019). O Covid 19 já tinha sido antecipado por 5 declarações de emergência de saúde desde 2009[1]:
25 de abril de 2009 – pandemia de H1N1
5 de maio de 2014 – disseminação internacional de poliovírus
8 agosto de 2014 – surto de Ebola na África Ocidental
1 de fevereiro de 2016 – vírus zika e aumento de casos de microcefalia e outras malformações congênitas
18 maio de 2018 – surto de ebola na República Democrática do Congo
Estudos comprovam que “contando com o causador da atual pandemia da Covid-19, a ciência já identificou e isolou sete coronavírus circulando entre os humanos. Todos saltaram de animais para pessoas em pouco mais de um século, mas os mais patogênicos emergiram nos últimos 20 anos. Ainda há milhares deles na natureza, a imensa maioria por descrever.”[2]

A relação dessas doenças com a destruição e o uso indiscriminado dos recursos naturais
Considerando que enfermidades zoonóticas são responsáveis por 60% das enfermidades infecciosas conhecidas e 75% das que estão em evolução nas últimas décadas poderíamos pensar então que é natural que nos contaminemos. Mas não é bem assim. Os patógenos desses animais atravessam a fronteira entre animais e humanos e se espalham rapidamente em função da devastação das florestas e do aumento do aquecimento global.
Vários cientistas, inclusive do PNUMA – Programa para o Meio ambiente da ONU – afirmam que a interferência na natureza, a perda das florestas, é responsável pelo contato do ser humano com a vida silvestre e a transmissão de vírus de animais para o humano. Isso, junto com o tráfico de animais silvestres nos coloca, cada vez mais, em contato com agentes infecciosos.
“Nunca houve tantas oportunidades para os patógenos passarem de animais selvagens e domésticos para as pessoas”, diz a diretora executiva da PNUMA, Inger Andersen. “Nossa erosão contínua da natureza nos deixou desconfortavelmente próximos das espécies portadoras – isto é, animais e plantas que abrigam doenças que podem ser transmitidas aos seres humanos”.[3]
E com a devastação das florestas e também como decorrência dela, as mudanças climáticas estão provocando o derretimento das regiões polares, que segundo cientistas, carregam abaixo de metros e metros de gelo micróbios latentes e desconhecidos e que agora estão sendo liberados pelo degelo.
É necessária tamanha interferência na natureza?
O capitalismo trata a natureza e os recursos naturais como mercadorias em potencial. Os interesses voltados exclusivamente para o lucro impedem que nesse sistema possamos ter uma relação amigável e sustentável com a natureza. A lógica da maximização dos lucros e o produtivismo dela resultante evidenciam que a ideia de um “capitalismo sustentável” é ilusória e como consequência não há, nesse sistema, nenhuma possibilidade de equilíbrio.
O capitalismo tem como base a ideia de que nossa relação com a natureza é de DISPUTA. Ou seja, nós devemos sempre dominar, nos separar da natureza e a trata-la como uma fonte inesgotável de recursos, que podemos utilizar para a produção de mercadorias sem considerar e analisar a sua capacidade de reprodução e de reação. Engels já colocava essa questão em seu texto de 1876, O papel do trabalho na transformação do macaco em homem:
“Não nos deixemos dominar pelo entusiasmo em face de nossas vitórias sobre a natureza. Após cada uma dessas vitórias a natureza adota sua vingança. É verdade que as primeiras consequências dessas vitórias são as previstas por nós, mas em segundo e em terceiro lugar aparecem consequências muito diversas, totalmente imprevistas e que, com frequência, anulam as primeiras. Os homens que na Mesopotâmia, na Grécia, na Ásia Menor e outras regiões devastavam os bosques para obter terra de cultivo nem sequer podiam imaginar que, eliminando os bosques os centros de acumulação e reserva de umidade, estavam assentando as bases da atual aridez dessas terras. (…). Assim, a cada passo, os fatos recordam que nosso domínio sobre a natureza não se parece em nada com o domínio de um conquistador sobre o povo conquistado, que não é o domínio de alguém situado fora da natureza, mas que nós, por nossa carne, nosso sangue e nosso cérebro, pertencemos à natureza, encontramo-nos em seu seio, e todo o nosso domínio sobre ela consiste em que, diferentemente dos demais seres, somos capazes de conhecer suas leis e aplicá-las de maneira adequada…”
Nos últimos anos, a maioria da população pobre e trabalhadora, tem presenciado e sido vítima da irresponsabilidade dos governos e da burguesia do planeta que retiram da natureza uma quantidade cada vez maior de recursos naturais em um tempo cada vez mais curto, acabando com os recursos não renováveis e impedindo que os renováveis possam se regenerar.
As consequências do aquecimento global e das doenças zoonóticas a cada ano têm sido mais sérias, atingindo e matando milhões de trabalhadores/as e população pobre do planeta. No entanto, como resposta, aqueles que dominam e concentram a maior parte da renda do planeta e seus representantes no governo não tem feito nada além do que cúpulas ambientais que têm como objetivo enganar a maioria da população com propostas vazias e que não são possíveis de serem realizadas neste sistema. Como, por exemplo, a diminuição das emissões de gases do efeito estufa.
A destruição das florestas e o contato com milhões de vírus
A destruição das florestas acelera o aquecimento global, trazendo muitas consequências, e também permite o aparecimento de vírus que levam a doenças que não tínhamos antes como o Covid 19. Na medida em que se destroem os habitats naturais, maior chance de se tornar mais comuns os vírus que passam de animais para seres humanos.
E essa destruição vem se acelerando. Só em 2018, os trópicos perderam 12 milhões de hectares de cobertura florestal[4], e dentro dessa área desapareceram 3,6 milhões de hectares de florestas tropicais primárias, uma área do tamanho da Bélgica. Essas florestas armazenam mais carbono (responsável pelo aquecimento global) que as demais e quando são derrubadas não voltam mais ao seu estado original.
E como vimos em 2019 não foi diferente. No Brasil, por exemplo, vimos a explosão de desmatamento e queimadas na floresta amazônica, como consequência da política de Bolsonaro de liberar a área para mineração, agricultura e extração de madeira para os grandes empresários industriais e do agronegócio. Vimos também em vários lugares do mundo, os incêndios florestais como resultado do longo período de seca advindo das mudanças climáticas geradas pelo aquecimento global.
E em 2020 a devastação continua. Só nos 3 primeiros meses foram desmatados 1.202 km²  de floresta da Amazônia brasileira, segundo dados de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), isso representa um aumento de 55% em comparação com o mesmo período de 2019. E em abril de 2020, segundo informações do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), foram derrubados 529 km² da floresta, resultando na maior área dos últimos 10 anos, no mesmo mês. “Com esta cifra, a região teve, no mês passado, um aumento de 171% em relação a abril de 2019”.[5]
De acordo com o pesquisador David Lapola a Amazônia é “um potão de vírus” e acrescenta que ao devastá-la, colocamos à prova nossa própria sorte.[6]
Vamos deixar que a burguesia do planeta, esses multibilionários irresponsáveis continuem destruindo a  natureza e nossas vidas?
A vida de quem está em jogo?
Como já vimos em vários estudos as consequências do aquecimento global atingem diretamente os mais pobres e são os mais pobres que veem suas vidas se transformar num pesadelo ou, diretamente, perdem as próprias ou de seus familiares com as enchentes, furacões, incêndios e secas, etc.
Com o coronavírus não tem sido diferente. Embora, assim como com o aquecimento global, tentem nos convencer que as consequências não escolhem classe social ou raça, vemos na prática que isso é uma grande mentira. E que os pobres e trabalhadores/as e, entre eles/as, os mais vulneráveis como as mulheres, os negros/as, imigrantes do planeta são aqueles/as que mais sofrem e/ou morrem.
Enquanto aqueles que provocam tais calamidades têm condições de viver o paraíso na terra, podendo nessa pandemia se proteger do vírus passando a quarentena nas suas mansões em praias e fazendas isoladas que sequer temos condições de imaginar as mordomias, nós os pobres e trabalhadores/as sofremos as consequências das suas irresponsabilidades.
E não só corremos o risco de morrer pela contaminação e a falta de recursos de saúde, como também sofremos todas as demais consequências como o desemprego, redução de salários, etc…
Nossa única saída é transformar o nosso sofrimento e luto em luta e derrotar o sistema capitalista
Nossa resposta não pode ser resignação como querem os ricos. Não podemos nos resignar às mortes provocadas pela pandemia como se elas fossem inevitáveis. Não podemos nos resignar à falta de leitos, à falta de alimentos, à falta de mínimas condições de higiene necessárias para nos proteger da atual pandemia. Não podemos nos resignar aos cortes de salários, às demissões. Não podemos nos resignar a que novamente os ricos venham fazer com que paguemos pela crise.
Além disso, não podemos ter nenhuma ilusão de que os atuais donos do planeta, ou seja a burguesia multimilionária irá aprender com a pandemia, ficar bonzinhos, buscar uma sociedade mais igualitária e com uma relação mais harmoniosa com a natureza. Embora eles tentem nos fazer acreditar nisso, sabemos que vão buscar recuperar o prejuízo nas nossas costas e degradar ainda mais a natureza.
Ao contrário de nos resignar e acreditar em “palavras bonitas” e em “solidariedade S/A” , temos que nos organizar e nos preparar para assumir o controle da sociedade, tirar o controle das mãos desses irresponsáveis que com certeza vão nos levar para a destruição junto com a destruição da natureza.
A natureza já não está somente dando sinais, está reagindo para destruir seu inimigo, mas ela não tem consciência da classe que ela tem que destruir e as consequências desta reação recaem sobre a nossa classe.
Quem pode e deve agir com consciência somos nós, trabalhadores/as e povo pobre, que somos os únicos interessados em construir uma sociedade igualitária e que cresça e se desenvolva sem exploração de um ser humano pelo outro e com uma relação harmoniosa com a natureza.
[1] https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875
[2] https://brasil.elpais.com/ciencia/2020-04-20/os-outros-coronavirus-que-habitam-entre-os-humanos.html
[3] https://www.unenvironment.org/es/noticias-y-reportajes/reportajes/seis-datos-sobre-la-conexion-entre-la-naturaleza-y-el-coronavirus
[4] https://blog.globalforestwatch.org/data-and-research/mundo-perde-area-do-tamanho-da-belgica-em-florestas-tropicais-primarias-em-2018
[5] https://g1.globo.com/natureza/noticia/2020/05/18/desmatamento-da-amazonia-em-abril-foi-o-maior-em-10-anos-diz-instituto.ghtml
[6] https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/afp/2020/05/13/amazonia-pode-ser-maior-repositorio-de-coronavirus-do-mundo-diz-cientista.htm

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