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terça-feira, março 19, 2024

Carta aos Operários e Camponeses da Ucrânia a propósito das vitórias sobre Deníkine

No contexto da Guerra Civil Russa, Anton Denikin, comandante das forças contrarrevolucionárias do sul, lançou uma ofensiva e tomou as cidades ucranianas de Kiev e Kharkiv, que estavam sob controle soviético. Os brancos cometeram todo tipo de atrocidades, execuções em massa, saques e pogroms contra os judeus. Lenin, nesta carta de 1919 que reproduzimos abaixo, dirige-se aos trabalhadores e camponeses ucranianos em um momento em que o Exército Vermelho havia detido o avanço das forças de Denikin em Orel, 350 quilômetros ao sul de Moscou, e marchava em direção à Ucrânia, liberando Kharkov e Kiev . A derrota definitiva dos brancos levaria mais dois anos. A nação ucraniana conquistou sua autodeterminação nacional como produto da derrota da contrarrevolução da burguesia russa, apoiada pelas potências imperialistas. Em 1922, a Ucrânia foi um dos membros fundadores da ex-URSS.

Camaradas! Há quatro meses, em fins de Agosto de 1919, tive ocasião de dirigir uma carta aos operários e camponeses a propósito da vitória sobre Koltchak.

Agora reproduzo integralmente essa carta para os operários e camponeses da Ucrânia, a propósito das vitórias sobre Deníkine.

As tropas vermelhas tomaram Kíev, Poltava, Khárkov e avançam vitoriosamente para Rostov. A insurreição contra Deníkine fervilha na Ucrânia. É necessário reunir todas as forças para a derrota definitiva do exército de Deníkine, que tentaram restabelecer o poder dos latifundiários e dos capitalistas. Temos que destruir Deníkine para nos prevenirmos contra a mínima possibilidade duma nova invasão.

Os operários e camponeses da Ucrânia devem conhecer as lições que todos os camponeses e operários russos tiraram da conquista da Sibéria por Koltchak e de sua libertação pelas tropas vermelhas depois de longos meses de jugo latifundiário e capitalista.

A dominação de Deníkine na Ucrânia foi uma prova tão dura como a dominação de Koltchak na Sibéria. Não há dúvida de que as lições desta dura prova levarão os operários e os camponeses ucranianos a compreender mais nitidamente, como aconteceu com os da Sibéria e dos Urales, as tarefas do Poder Soviético e a defendê-lo com mais firmeza.

Na Grã-Rússia a propriedade latifundiária da terra foi inteiramente abolida. É necessário fazer o mesmo na Ucrânia, e o Poder Soviético dos operários e dos camponeses ucranianos deve consolidar o aniquilamento completo da grande propriedade latifundiária da terra, a libertação completa dos operários e dos camponeses ucranianos da opressão dos próprios latifundiários.

Mas, além dessa tarefa e de uma série de outras tarefas que se colocavam e ainda se colocam tanto às massas trabalhadoras da Grã-Rússia como da Ucrânia, existem tarefas especiais do Poder Soviético na Ucrânia. Uma dessas tarefas especiais merece neste momento uma extraordinária atenção. É a questão nacional, ou em outras palavras, a questão de se a Ucrânia será a República Socialista Soviética da Ucrânia independente e separada, ligada à República Socialista Federativa Soviética da Rússia por uma aliança (federação), ou se a Ucrânia deve fundir-se com a Rússia numa República Soviética única. Todos os bolcheviques, todos os operários e camponeses conscientes, devem meditar atentamente nesta questão.

A independência da Ucrânia foi já reconhecida tanto pelo Comité Executivo Central da RSFSR (República Socialista Federativa Soviética da Rússia) como pelo Partido Comunista dos bolcheviques da Rússia. Por isso é evidente e reconhecido por todos que só os operários e camponeses da Ucrânia, no seu Congresso dos Sovietes de Toda a Ucrânia, podem decidir e decidirão a questão de fundir a Ucrânia com a Rússia ou se a Ucrânia permanecerá uma república independente e autônoma, e, neste último caso, que ligação federativa se deve estabelecer entre esta república e a Rússia.

Como se deve resolver esta questão do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores e do êxito da sua luta para libertar completamente o trabalho do jugo do capital?

Em primeiro lugar, os interesses do trabalho exigem a mais completa confiança e a mais estreita união entre os trabalhadores dos diferentes países, das diferentes nações. Os partidários dos latifundiários e dos capitalistas, da burguesia, esforçam-se por dividir os operários, por intensificar a discórdia e a hostilidade nacional para enfraquecer os operários e fortalecer o poder do capital.

O capital é uma força internacional. Para vencê-lo, é necessária a união internacional dos operários, a sua fraternidade internacional.

Nós somos inimigos da hostilidade e da discórdia nacional, do isolamento nacional. Somos internacionalistas. Aspiramos à união estreita e a completa fusão dos operários e dos camponeses de todas as nações do mundo numa única República Soviética mundial.

Em segundo lugar, os trabalhadores não devem esquecer que o capitalismo dividiu as nações num pequeno número de grandes potências opressoras (imperialistas), e numa enorme maioria de nações oprimidas, dependentes e semidependentes, não soberanas. A ultra criminosa e reacionaríssima guerra de 1914-1918 acentuou esta divisão, agravou o rancor e o ódio neste terreno. Ao longo dos séculos a indignação e a desconfiança das nações não soberanas e dependentes acumularam-se contra as nações com aspirações de grande potência e opressoras, tal como a Ucrânia contra nações como a Grã-Rússia.

Nós queremos uma união voluntária das nações, uma união que não admita nenhuma violência de uma nação sobre outra, uma união baseada numa confiança absoluta, num nítido reconhecimento da unidade fraternal, em um consentimento absolutamente voluntário. Não é possível realizar tal união de repente; para chegar a ela é necessário trabalhar com a maior tolerância e prudência para não estragar tudo, para não provocar a desconfiança, para fazer desaparecer a desconfiança deixada por séculos de opressão dos latifundiários e dos capitalistas, de propriedade privada e de hostilidade causadas pelas suas sucessivas partilhas.

Devemos constantemente nos empenhar em conseguir a unidade das nações, e nos opor implacavelmente a tudo o que as desune, devemos ser muito prudentes e pacientes, e fazer concessões à perduração da desconfiança nacional. Devemos ser intransigentes, inconciliáveis em relação a tudo o que diz respeito aos interesses do trabalho em geral na luta pela sua libertação do jugo do capital. E a questão de como determinar as fronteiras agora, de forma provisória – pois nós aspiramos à supressão completa das fronteiras – não é um problema fundamental, importante, mas de segunda ordem. Esta questão pode esperar e deve esperar, porque a desconfiança nacional mantém-se frequentemente de forma muito firme entre as massas de camponeses e de pequenos proprietários, e toda precipitação pode reforçá-la, isto é, prejudicar a causa da unidade total e definitiva.

A experiência da revolução operária e camponesa na Rússia, da revolução de Outubro-Novembro de 1917, a dos seus dois anos de luta vitoriosa contra a invasão dos capitalistas internacionais e russos, mostrou com a maior nitidez que os capitalistas conseguiram, por um tempo, jogar com a desconfiança nacional dos camponeses e pequenos proprietários polacos, letões estonianos e finlandeses em relação aos grão-russos, que conseguiram, por um tempo, semear a discórdia entre eles e nós no terreno desta desconfiança. A experiência mostrou que essa desconfiança só desaparece e passa muito lentamente e que quanto mais os grão-russos, que foram durante muito tempo uma nação opressora, derem provas de prudência e tolerância, mais seguramente essa desconfiança passará. Foi precisamente porque reconhecemos a independência dos Estados polaco, letão, lituano, estoniano e finlandês, que conquistámos lenta, mas firmemente, a confiança das massas trabalhadoras dos pequenos Estados vizinhos, as mais atrasadas, mais enganadas e oprimidas pelos capitalistas. E é precisamente por este caminho mais seguro que as arrancaremos da influência dos «seus» capitalistas nacionais, que mais seguramente os traremos com plena confiança, à futura República Soviética internacional única.

Enquanto a Ucrânia não tiver sido inteiramente libertada de Deníkine, o seu governo, até ao Congresso dos Sovietes de toda a Ucrânia, é o Comité Revolucionário de toda a Ucrânia. Neste Comité Revolucionário, ao lado dos comunistas bolcheviques ucranianos, trabalham como membros do governo comunistas borotbistas ucranianos. Os borotbistas distinguem-se dos bolcheviques, entre outras coisas, porque defendem a independência absoluta da Ucrânia. Os bolcheviques não fazem disto objeto de divergência e de desunião, não veem nisto um obstáculo a um trabalho proletário harmônico. Deve haver unidade na luta contra o jugo do capital e pela ditadura do proletariado, não deve haver rompimento entre os comunistas por causa da questão das fronteiras nacionais e de uma ligação federativa ou outra entre os Estados. Entre os bolcheviques há partidários da independência completa da Ucrânia, há partidários duma ligação federativa mais ou menos estreita, há partidários da fusão completa da Ucrânia com a Rússia.

Não deve haver divergências por estas questões. Serão resolvidas no congresso dos Sovietes de toda a Ucrânia.

Se um comunista grão-russo insiste na fusão da Ucrânia com a Rússia, os ucranianos suspeitarão facilmente de que ele defende essa política não por considerações de unidade dos proletários na luta contra o capital, mas por preconceitos do velho nacionalismo grão russo, imperialistas. Essa desconfiança é natural e, até certo ponto, inevitável e legítima, porque os grão-russos, sob o jugo dos latifundiários e dos capitalistas, infundiram ao longo dos séculos os preconceitos vergonhosos e sórdidos do chauvinismo grão-russo.

Se um comunista ucraniano insiste na absoluta independência estatal da Ucrânia, poder-se-á suspeitar de que defende essa política não do ponto de vista dos interesses momentâneos dos operários e dos camponeses ucranianos na sua luta contra o jugo do capital, mas sob o peso de preconceitos nacionais pequeno-burgueses, de pequeno proprietário. Pois a experiência mostrou-nos centenas de vezes como os «socialistas» pequeno-burgueses de diversos países – todos os diversos pseudo-socialistas polacos, letões, lituanos, os mencheviques georgianos, os socialistas-revolucionários, etc. – se camuflam de partidários do proletariado com o único objetivo de impingir pelo engano a política de conciliação com a “sua” burguesia nacional contra os operários revolucionários. Vimos isto na Rússia de Fevereiro a Outubro de 1917 com o exemplo de Kerenski, vimos e ainda o vemos em todos e quaisquer países.

Portanto, a desconfiança recíproca entre comunistas grão-russos e ucranianos surge muito facilmente. Como combater esta desconfiança? Como superá-la e conquistar a confiança mútua?

O melhor meio para isto é o trabalho conjunto para defender a ditadura do proletariado e o Poder Soviético, na luta contra os latifundiários e capitalistas de todos os países, contra as suas tentativas de restabelecer a sua dominação. Esta luta conjunta mostrará claramente na prática que, seja qual for a solução da questão da independência nacional ou das fronteiras, os operários ucranianos e grão-russos têm necessidade absoluta de uma estreita aliança militar e econômica, pois do contrário os capitalistas da “Entente”, isto é, da “aliança” dos países capitalistas mais ricos, Inglaterra, França, América, Japão e Itália, nos esmagarão e estrangularão um a um. O exemplo da nossa luta contra Koltchak e Deníkine, a quem esses capitalistas forneceram dinheiro e armas, mostrou claramente este perigo.

Quem viola a unidade e a aliança mais estreita entre os operários e os camponeses grão-russos e ucranianos, ajuda os Koltchak, os Deníkíne, os bandidos capitalistas de todos os países.

É por isso que nós, comunistas grão-russos, devemos perseguir da maneira mais rigorosa nas nossas fileiras as mínimas manifestações de nacionalismo grão-russo, pois essas manifestações, sendo em geral uma traição ao comunismo, provocam o maior prejuízo, desunindo-nos dos nossos camaradas ucranianos e fazendo com isso o jogo de Deníkine e do seu regime.

Por isso nós, comunistas grão-russos, devemos fazer concessões nas nossas divergências com os comunistas bolcheviques ucranianos e os borotbistas quando essas divergências se referem à independência nacional da Ucrânia, às formas da sua aliança com a Rússia e, de modo geral, à questão nacional. Mas todos nós, comunistas grão-russos, ucranianos ou de qualquer outra nação, devemos ser inflexíveis e intransigentes, quanto às questões essenciais, fundamentais, idênticas para todas as nações, como a luta proletária, as questões da ditadura do proletariado, não podemos admitir compromissos com a burguesia nem a menor divisão das forças que nos defendem contra Deníkine.

Deníkine tem que ser vencido, aniquilado, tornar impossível a repetição duma invasão semelhante. Esse é o interesse fundamental tanto dos operários e camponeses grão-russos como dos ucranianos. A luta é longa e difícil, porque os capitalistas de todo o mundo ajudam Deníkine e ajudarão os Deníkine de toda a espécie.

Nesta luta longa e difícil, nós, operários grão-russos e ucranianos, devemos permanecer estreitamente unidos, pois separados nada conseguiremos fazer. Sejam quais forem as fronteiras da Ucrânia e da Rússia, sejam quais forem as formas das suas inter-relações estatais, não é isso o importante, nisso pode-se e deve-se fazer concessões, nisso pode-se experimentar uma coisa e outra e outra; a causa dos operários e dos camponeses, a causa da vitória sobre o capitalismo, não será perdida por isso.

Mas se não soubermos conservar a união mais estreita entre nós, união contra Deníkine, união contra os capitalistas e os kulaques dos nossos países e de todos os países, então a causa do trabalho estará certamente perdida por longos anos, no sentido de que os capitalistas poderão esmagar e estrangular tanto a Ucrânia Soviética como a Rússia Soviética.

E o que a burguesia de todos os países como todos os partidos pequeno-burgueses, os partidos “conciliadores”, que admitem a aliança com a burguesia contra os operários, mais se esforçaram em conseguir é a divisão dos operários das diferentes nacionalidades, atiçar a desconfiança, destruir a estreita união internacional e a fraternidade internacional dos operários. Quando a burguesia o consegue, a causa dos operários está perdida. Que os comunistas da Rússia e da Ucrânia consigam, com um trabalho coletivo, paciente, obstinado e tenaz, vencer as intrigas nacionalistas de todas as burguesias, os preconceitos nacionalistas de toda a espécie, e mostrar aos trabalhadores de todo o mundo o exemplo de uma aliança verdadeiramente sólida dos operários e camponeses de diferentes nações na luta pelo Poder Soviético, pela liquidação do jugo dos latifundiários e dos capitalistas, por uma República Federativa Soviética mundial.

  1. Lenin – 18 de dezembro de 1919

Fonte: Obras escogidas, Tomo 40, Moscú: Editorial Progreso, 1973, pp. 41-47.

Tradução: Lena Souza

 

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