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sexta-feira, março 29, 2024

Debate na Frente de Esquerda sobre a Reforma Agrária

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A candidata de Frente de Esquerda, Heloísa Helena, deu uma entrevista ao Jornal Nacional de Red O Globo. Podemos tirar duas conclusões da entrevista. A primeira é que, desde o ponto de vista eleitoral, Heloísa se saiu melhor que todos os outros candidatos entrevistados. No dia anterior, Alckmin tinha sido massacrado, acuado o tempo todo pelas perguntas sobre a relação do PSDB com o valerioduto e sobre a onda de criminalidade em São Paulo.

 

Lula se saiu também muito mal. Ficou na defensiva pelas perguntas sobre corrupção e trocou as bolas dizendo que seu governo “combate a ética” e que “só o salário cai”.

 

Heloísa teve uma postura ofensiva, impondo seus argumentos e não deixando que os jornalistas da

Globo controlassem a entrevista. Com isto, seguramente ganhou pontos eleitorais.

 

No entanto, existe um segundo elemento que não podemos deixar de observar: as posições apresentadas por ela são equivocadas e se chocam com bandeiras importantes do movimento de massas. Vamos tratar de alguns deles aqui.

 

Assim não vai existir reforma agrária

 

O primeiro dos temas a ser destacado é sua defesa da reforma agrária “de acordo com a lei”. Perguntada se iria expropriar tanto os latifúndios improdutivos como os produtivos, o que é defendido no programa do PSOL, disse: “Eu não posso, meu amor, porque a Constituição proíbe” e que “programa de partido trata dos objetivos estratégicos do partido, não tem nada a ver com programa de governo”.

 

“Seria impossível fazer expropriação de terra, a não ser que tenha trabalho escravo ou plante maconha”, disse. “A constituição do país é clara: terra improdutiva é passível de reforma agrária”, completou.

 

Vários debates surgem desta afirmação de nossa candidata. As leis atuais servem em geral às classes dominantes, foram feitas para garantir a propriedade privada. Submeter um possível governo Heloísa ao respeito às leis vigentes significa aceitar uma camisa de força da grande burguesia, que impediria qualquer modificação de fundo na realidade brasileira.

 

No caso da reforma agrária, por exemplo, esse “respeito” significaria aceitar a lei que vem dos tempos de FHC, que impede a desapropriação para fins de reforma agrária de terras que tenham sido ocupadas, contra a qual luta todo o movimento sem terra.

Significa também indenizar os latifundiários com enormes quantias (exigidas pela lei), por terras que foram conseguidas, muitas vezes, por meio de grilagem, falsificação de títulos e corrupção. A expropriação sem indenização aos latifundiários é a única medida que permite que todos os recursos do Estado sejam canalizados para assentar as famílias na terra, financiando a obtenção de instrumentos de trabalho, sementes, a construção de moradias, etc.

 

Por último, significa aceitar os infinitos recursos jurídicos que os latifundiários e seus representantes no congresso colocariam para evitar a reforma agrária.

Fazer a reforma agrária “de acordo com a lei” foi a promessa de Lula. Como se demonstrou mais uma vez, de acordo com a lei não se faz reforma agrária.

 

Se Heloísa queria evitar um problema jurídico para sua candidatura, para não ter que dizer que iria “passar por cima da lei”, poderia falar que vai, junto com o movimento de massas, lutar para mudar a lei. Ao contrário, ampliou o “respeito à lei” para enfrentar os outros problemas sociais: “o que está nas áreas de segurança, saúde e educação, nada pode ser feito além do que a legislação em vigor permite.”

 

Pois bem, grande parte do movimento sindical brasileiro defende não o respeito, mas a revogação de uma lei, a da reforma da Previdência (que inclusive está no Manifesto da Frente de Esquerda).

 

Expropriar só os improdutivos?

 

Outra discussão diz respeito ao latifúndio produtivo, que Heloísa afirmou que vai respeitar, que não seria parte dos planos de reforma agrária.

 

O centro da produção do campo brasileiro está no agronegócio, com grandes empresas nacionais e multinacionais (muitas delas ligadas a bancos como o Bradesco, Itaú e Real ou a indústrias como a Mannesman, Belgo Mineira e Votorantin) que ocupam as melhores terras e produzem para a exportação.

 

Ao não incluir estas empresas na reforma agrária, simplesmente deixa-se de lado a parte central do campo brasileiro. Não se modificaria, então, o agronegócio exportador que controla o campo brasileiro. Seria como fazer um plano para a indústria sem tocar nas grandes empresas multinacionais que a controlam.

 

Resolver os problemas sociais só pela institucionalidade?

 

Mais adiante, questionada sobre sua posição em relação às ocupações de terras e prédios públicos, disse: “No meu governo isso não vai acontecer” e “A ocupação de terras improdutivas e espaços públicos só se dá quando os governos são tão incompetentes, irresponsáveis e insensíveis com a reforma agrária”. “Vamos nos antecipar”, afirmou Heloísa.

 

Queremos lembrar que foi esta também a promessa eleitoral de Lula, de que faria a reforma agrária “de uma canetada” e que não seriam necessárias as ocupações.

 

Na verdade, desta maneira se deixa de lado o recurso à mobilização direta das massas, sem a qual não será feita nenhuma reforma agrária neste país. Enquanto os sem terras esperaram dos governos a reforma agrária de acordo com a lei, ela não veio. Foram as ocupações de terras que possibilitaram nos últimos vinte anos a desapropriação de uma área maior que o estado do Rio, muito mais do que as desapropriações em muitas e muitas décadas.

 

O programa é um só

 

A diferenciação feita por Heloísa entre o programa do partido e do governo é um equívoco. Na verdade, essa postura é tradicional dos partidos da burguesia no Brasil, seguida também pelo PT. A própria Heloísa lutou diretamente contra isso. Ao ser expulsa do PT, denunciou que a única coisa que estava fazendo era defender o programa do partido contra a reforma da Previdência, abandonado quando Lula chegou ao governo. A resposta de então dos petistas era exatamente essa, “uma coisa é o programa do partido, outra do governo”. Se o governo – máxima instância do poder político – não for um instrumento para colocar em prática o programa do partido, para que serve o governo?

 

Grande parte da credibilidade de Heloísa se deve a que milhões de trabalhadores e jovens identificam nela algo diferente dos políticos tradicionais, que prometem uma coisa e fazem outra. Evitemos isso.

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